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Mercado derrapa na curva de juros dos EUA

Os EUA terão de implementar um ajuste fiscal para frear o aumento do estoque da dívida

Por Paulo Leme
Atualização:

Um dos benefícios de ser um analista de mercado é o acesso a uma fonte inesgotável de assuntos para esta coluna. O trinômio Trump, Federal Reserve sob o comando de Jerome Powell e o bull market mais longo da história americana nos dão ampla munição para poder trocar de opiniões e de cenários, oscilando confortavelmente entre prognósticos otimistas e pessimistas.  Desde a crise de 2008, os três bancos centrais mais importantes do mundo (Fed, dos EUA; BCE, da Europa; e BoJ, do Japão) montaram posições enormes de papéis de renda fixa, fazendo preço e determinando a direção dos mercados financeiros globais. Siga atentamente ao que o Federal Reserve (Fed) americano nos diz. Em 2018, o Fed vinha num ciclo de alta de taxa de juros, e o mercado antecipava um aumento da Fed Funds rate de 2 pontos porcentuais para 2019 e 2020. No quarto trimestre de 2018, os mercados financeiros e o governo Trump se assustaram com os sinais de desaceleração do crescimento da economia mundial. Menor crescimento e aperto das condições monetárias geraram uma espiral de queda perigosa nos mercados financeiros.  No dia 19 de dezembro de 2018 veio a primeira das quatro surpresas do Fed liderado por Powell. Ele demonstrou preocupação com a desaceleração do crescimento da economia americana e sinalizou que as próximas decisões de política monetária dependeriam da evolução dos dados econômicos. O mercado respondeu precificando um ciclo de alta mais suave.  No início do ano, Powell reforçou a sua mensagem dovish (afrouxamento da política monetária), o que reabriu o apetite por risco e iniciou uma vigorosa recuperação dos mercados financeiros. O Fed confirmou esta postura dovish na reunião do dia 30 de janeiro de 2019. Essas medidas revitalizaram o bull market e o mercado futuro deixou de esperar um aumento da taxa de juros.  No dia 20 de março, o Fed trouxe duas novas surpresas para o mercado. Primeira, Powell soou mais dovish ainda do que em janeiro, enfatizando que a atual taxa de juros de 2,5% é adequada para a economia americana. Segunda, o Fed anunciou que a partir de setembro não só irá suspender como também reduzirá o ritmo mensal do aperto monetário quantitativo feito através da venda dos seus ativos em sua carteira. Esta postura mais dovish do Fed fez com que o mercado passasse a trabalhar com uma probabilidade mais alta de que a economia americana caminha para uma recessão. A curva de juros dos títulos do governo americano (Treasuries) inverteu. Alguns analistas alertam que isto é um indicador antecedente de uma recessão. O mercado futuro de juros passou a antecipar que a partir de 2020 o Fed cortará a taxa de juros. A bolsa de valores prevê exatamente o oposto, alongando a sobrevida do bull market. A bolsa continua animada com as perspectivas de aumento do lucro das empresas, o que é incompatível com a suposta recessão prevista pelo mercado de renda fixa. Além disso, as ações cíclicas (que brilham durante uma expansão econômica) tem tido uma performance superior às ações defensivas (que protegem os investidores contra uma recessão).  É verdade que a curva de Treasuries se inverteu antes das últimas sete recessões. Mas também é fato que em 30% dos casos em que a curva de Treasuries inverteu não houve recessão alguma. Entre as duas hipóteses para a conjuntura atual eu escolho a segunda. O crescimento do PIB americano continuará a se desacelerar, para 2,3% em 2019 e 2,1% em 2020, comparado com 2,9% em 2018. Isto é uma redução do crescimento de volta ao PIB potencial e não é uma recessão. A política monetária do Fed atuou como um energético para o bull market e aumentou o apetite global por ativos de risco. No entanto, isto não quer dizer que o Fed tenha encontrado a receita mágica para eternizar o crescimento e o bull market. Nos próximos dois anos, em algum momento o Fed e os outros bancos centrais terão de normalizar a política monetária (subir as taxas reais de juros e reduzir seus balanços). Além disso, o governo americano terá que implementar um ajuste fiscal para frear o aumento do estoque da dívida pública americana. Enquanto isso, o bull market continuará firme e forte, mas ficando cada vez mais vulnerável a choques econômicos e políticos e dependente do tratamento do grandes bancos centrais para assegurar a sua longevidade.  *PROFESSOR DE FINANÇAS  NA UNIVERSIDADE DE MIAMI 

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