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Mercosul - conformismo com o fracasso?

Por Pedro de Camargo Neto
Atualização:

Assinado em 1991 pelos presidentes e promulgado pelos Poderes Legislativos da Argentina, do Brasil, Paraguai e Uruguai, o Tratado de Assunção determinou que em 1º de dezembro de 1994 fosse estabelecido um mercado comum. A ideia da integração latino-americana é antiga e tomou força com a constituição de outros blocos econômicos. Num mundo cada vez mais globalizado, é importante a união de países vizinhos e com inúmeras identidades culturais. O princípio é que a união das partes é maior do que a soma das partes. Depois de quase duas décadas, pode-se afirmar que o grande sucesso do tratado foi político. Certamente, os quatro países se sentem mais próximos e unidos. Em termos econômicos, porém, o Mercosul está muito longe de ser um mercado comum e não possui o mínimo de consistência necessária para atender aos interesses futuros de seus membros. Além da união aduaneira, um mercado comum exige a harmonização de políticas macroeconômicas. Na ansiedade política da aproximação dos países, essa parte essencial e difícil foi deixada para depois. O tempo e a maturidade política dos países-membros poderiam ter equacionado essa questão com o passar dos anos. Ocorreu o inverso. Na última década, o Brasil avançou muito. A estabilização econômica, com os componentes de política cambial e monetária, iniciada no governo FHC, consolidou-se no governo Lula. Até mesmo na difícil questão tributária, poucos passos de modernização foram dados. Destaque-se a eliminação da tributação nas exportações de produtos primários realizada pela Lei Kandir em 1996. Na Argentina ocorreu o inverso. A introdução de um forte imposto de exportação, o famigerado "reintegro", se tornou essencial na formação do Orçamento federal. Seus efeitos nos preços internos e os fortes reflexos no comércio exterior e, consequentemente, no câmbio, foram crescendo. O Mercosul foi absorvendo os impactos de políticas macroeconômicas divergentes. A união aduaneira ficou cada fez mais distante. Os posicionamentos nos fóruns de negociações comerciais, quase uma farsa. O Mercosul somente sobrevive em razão do forte sentido de união de vizinhos, que politicamente se aproximaram de fato. Opinar sobre a política econômica da Argentina é responsabilidade de seus cidadãos. Destruir a competitividade da agricultura argentina, a ponto que se projeta terem que importar carne bovina em 2010, é um equívoco de graves consequências. Cabe-nos somente nos solidarizarmos com o lado que confrontou o governo Kirchner nos inúmeros embates contra o imposto nas exportações agropecuárias. Atrelar a política de inserção comercial do Brasil à aprovação do governo argentino, pois o Mercosul assim obriga, é resignar-se ao fracasso. Imaginar que o Mercosul pode continuar realizando negociações comerciais em conjunto é um engano. Só nos cumpre agora negociar uma saída para a camisa de força que se tornou o Tratado de Assunção. O fracasso da Rodada Doha, no campo multilateral, não é responsabilidade do Mercosul, porém certamente o Brasil poderia ter tido uma postura mais agressiva, não estivesse ligado a um vizinho cujo setor industrial se esconde atrás de uma distorção cambial, reflexo da tributação nas exportações. Com isso, o setor agrícola perde alcance no mercado externo. Infelizmente, o governo Lula tem praticado uma política míope e inconsistente para o Mercosul. A contemporização com o rumo equivocado tomado pela Argentina nos últimos anos pode ter aparente sentido político, mas acarreta implicações econômicas que não podem ser ignoradas. Já faz muitos anos que o Brasil deveria ter alertado seu vizinho que o caráter antagônico de suas políticas macroeconômicas inviabilizava negociações comerciais em conjunto, pondo em risco o futuro do tratado. Claramente, o Brasil deseja inserir-se de forma competitiva no mercado externo e não pode ficar amarrado à ultrapassada política do vizinho. Imaginar que o Mercosul pode ter qualquer tipo de êxito numa negociação com a União Europeia é um grave equívoco que precisa ser denunciado. Negociação comercial em conjunto com a Argentina e seu ultrapassado imposto nas exportações agropecuárias não será levada a sério por ninguém. O Brasil, que avançou em suas instituições políticas e econômicas, merece mais do que isso. *Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), é secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura

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