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Meta de quê?

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Por Redação
Atualização:

Sem vacilação, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirma que a enorme crise financeira que varre o planeta tem origem nos juros excessivamente baixos praticados pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), no período de novembro de 2002 a setembro de 2004 (veja o gráfico). Esta não é uma crítica de um banqueiro central que pratica os juros mais altos do mundo e que talvez procure consolo para sua suposta rigidez monetária. Pelos centros de análise do mundo, essa acusação se repete, o que deixa o ex-presidente do Fed Alan Greenspan na defensiva. A explicação é simples. Juros baixos demais nos Estados Unidos são fartura de dólares. A enorme liquidez estimulou as aplicações de risco e os mais criativos criaram pirâmides no mercado financeiro. Inúmeros ativos (imóveis, títulos e ações) tiveram forte aumento de procura e os preços foram às nuvens. É o filme das bolhas que cresceram, cresceram e estouraram, uma a uma. O Fed balbucia justificativas. Argumenta que está lá para combater a inflação. Como ela não existia - ao contrário, havia risco de deflação e suas perversas consequências -, não fez outra coisa senão cumprir seu mandato: afrouxou a política monetária. No fundo, Meirelles aponta para uma das mais sérias limitações do regime de metas: ele não serve para perfurar bolhas de ativos financeiros num ambiente de baixa inflação. Convém lembrar que o Fed pratica um tipo de regime informal de metas, já que persegue uma inflação de 2% ao ano. Greenspan bem que tentou evitar bolhas no mercado de ações por meio da chamada política do gogó (e não com juros), quando denunciou a "exuberância irracional". Mas deixou correr soltos a bolha imobiliária e os engenhosos mecanismos de securitização dos títulos, no pressuposto de que o mercado acabaria se ajustando automaticamente. Deu no que deu. A explosão das bolhas impediu que o Fed mantivesse controle de seu único instrumento de trabalho (a política monetária). Hoje se limita a operar como bombeiro da crise. Despeja liquidez "de helicóptero", como já admitiu seu atual presidente, Ben Bernanke. Ou seja, por não ter atuado além do seu mandato antes, o Fed se vê obrigado a agir fora dos padrões. Os resultados continuam imprevisíveis. Ainda ontem, o Prêmio Nobel Edmund Phelps avisou que os juros nos Estados Unidos têm de subir para evitar que, junto com a inflação, novas bolhas apareçam. Há anos, analistas têm alertado que, em política monetária, os bancos centrais não podem ver só os preços do cestão do custo de vida. Têm de olhar também para os preços dos ativos e empurrar os juros para cima quando o perigo de bolha surgir, não importando eventuais riscos de deflação. Medir preços de ativos não é tarefa fácil, especialmente quando a marcação a mercado ficou impraticável e ninguém sabe quanto valem os ativos podres. Talvez a questão seja definir com precisão a medida mais adequada de inflação a ser enquadrada na meta e/ou a deflação a ser evitada. A rigor, ninguém sabe ainda como operar essa nova complexidade. Se a excelência do regime de metas de inflação é duramente questionada no coração do sistema, parece inevitável que, mais cedo ou mais tarde, sua aplicação no Brasil também o seja. Confira Complicado - As finanças são globais, mas os bancos centrais são locais. A política de juros do Fed interfere dramaticamente na dos outros bancos centrais. Uma política monetária frouxa nos Estados Unidos cria bolhas explosivas no resto do mundo... A globalização parece pedir regime monetário e política monetária unificados. Sexta-feira, o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz avisou que a crise está conduzindo à moeda única, ao banco central único e à política monetária única. Falta saber como isso aconteceria numa geografia política em que ainda prevalecem os Estados nacionais soberanos.

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