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Minimizando o custo

A escolha dos instrumentos errados para o enfrentamento da crise pode cobrar seu preço

Por Bernard Appy
Atualização:

Há muitas dúvidas sobre como o País sairá da crise atual. Para além da preocupação fundamental e imediata de conter a disseminação do vírus, prover serviços de saúde adequados e garantir que ninguém passe fome por não poder trabalhar, há duas outras diretrizes que deveriam nortear a ação do poder público neste momento.

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A primeira seria garantir que o máximo possível de negócios e de empregos sobrevivam à crise. Isso é especialmente importante porque não sabemos qual será a duração da fase aguda do confinamento. Se ela for relativamente curta (de até dois ou três meses), faz todo sentido que a ação do poder público vise a preservar o máximo possível as empresas e os empregos, até porque facilitaria a retomada da atividade na saída da crise.

A segunda diretriz seria minimizar o custo fiscal do combate à crise. Se esse é inevitável no que diz respeito às ações de saúde e na garantia de renda para a população mais pobre, isso não é necessariamente verdade para as ações voltadas à preservação dos negócios e dos empregos.

Entendo que a melhor forma de compatibilizar esses dois objetivos teria sido por meio de um amplo programa de crédito para empresas de todos os portes. Tal programa poderia ser utilizado para financiar não apenas a folha de salários, mas também o pagamento de tributos e mesmo o pagamento de algumas outras despesas, como contas de energia elétrica. Obviamente, o acesso ao financiamento estaria condicionado à manutenção dos empregos, ainda que com redução proporcional de salários, no caso de suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada. Alguns requisitos adicionais poderiam ser adotados, como a vedação temporária à distribuição de lucros e dividendos.

Embora operacionalizado pelos bancos, o risco de crédito do programa teria de ser assumido majoritariamente pela União, de forma inversamente proporcional ao porte das empresas. Os juros seriam baixos, mas superiores à taxa básica de juros, para evitar ações oportunistas. Caberia ao Banco Central garantir aos bancos a liquidez necessária para viabilizar o programa.

A vantagem desse programa é que ele garantiria a manutenção da liquidez da economia na fase aguda do confinamento, reduzindo o risco de quebra de empresas neste período. Passada essa fase, aí sim caberiam medidas mais focalizadas, até porque alguns setores continuarão sendo bastante afetados pela queda da demanda por vários meses.

Se o período agudo do confinamento for relativamente curto, é provável que o grosso do financiamento possa ser pago pelas empresas beneficiadas, desde que com carência e prazo adequados. Isso reduziria muito o custo fiscal do enfrentamento à crise. No caso de empresas mais afetadas no longo prazo, caberia um perdão de parcela da dívida, caso em que haveria um custo fiscal mais elevado, mas restrito ao necessário.

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Esse tipo de abordagem tem algumas vantagens relativamente à profusão de medidas fragmentadas que vêm sendo adotadas – como o pagamento de parte do salário de trabalhadores afastados, postergação do pagamento de tributos ou programas de financiamento restritos a algumas categorias de empresas. A primeira é que, por se tratar de uma medida horizontal e abrangente, seria mais facilmente implementada. A segunda é que, provavelmente, teria menor custo fiscal. A terceira, e mais importante, é que seria uma forma mais eficiente de garantir a liquidez e impedir o aumento rápido do desemprego no auge da crise.

Por fim, para minimizar o custo fiscal, é essencial que o inevitável apoio financeiro da União aos Estados e municípios seja restrito aos impactos temporários da crise e, idealmente, vinculado a contrapartidas, como uma redução do vencimento dos servidores afastados do trabalho semelhante à proposta para o setor privado.

A escolha dos instrumentos errados para o enfrentamento da crise pode cobrar seu preço na forma de uma queda ainda maior da atividade econômica e de uma piora ainda maior das contas públicas do País.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL