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Juros do Plano Safra devem ser um pouco mais ‘ardidos’ para atender a mais produtores, diz ministro

Marcos Montes diz que o abastecimento de fertilizantes ainda preocupa a pasta da Agricultura, mas em menor escala

Foto do author Isadora Duarte
Por Clarice Couto e Isadora Duarte (Broadcast)
Atualização:

À frente do Ministério da Agricultura há pouco mais de um mês e com pouco tempo para entregar o Plano Safra 2022/23, até junho, Marcos Montes se diz "animado" para fazer algo "robusto", ainda que "dentro do possível". Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Montes, até então secretário executivo da ex-ministra Tereza Cristina, que saiu para concorrer às eleições deste ano, disse que pretende manter as taxas de juros "abaixo da casa dos dois dígitos", admitiu a possibilidade de elevar a exigibilidade de depósitos à vista que vai para o crédito rural e afirmou que, entre manter as taxas baixas e atender menos produtores, ou ter taxas "um pouco mais ardidas" e suprir um número maior de agricultores, prefere a segunda opção. Antes de iniciar uma viagem pelos países árabes, na quinta-feira (5), o ministro terá uma reunião com representantes do Banco Central e Ministério da Economia para tratar do próximo Plano Safra.

Segundo Montes, o abastecimento de fertilizantes ainda preocupa o governo, embora em menor escala, já que, até o momento, o fluxo de embarques russos ao País é normal. A pasta continuará trabalhando em duas frentes: importar mais adubos de outros países e estimular o aumento da produção interna. A comitiva que seguirá na quinta-feira para a Jordânia, Marrocos e Egito pretende assegurar maior suprimento. "Estamos buscando alternativas e abrindo portas", disse. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Ministro Marcos Monte; governo estuda seguro paramétrico (cujo valor e cobertura são definidos conforme parâmetros estabelecidos) Foto: Foto: Guilherme Martimon/Mapa

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O Orçamento de 2022 não prevê recursos para a equalização de taxas de juros do Plano Safra 2022/23, que começa em julho. De onde poderão ser remanejados os recursos necessários e qual é o mínimo necessário na sua avaliação? Plano Safra 2022/23 é o assunto mais delicado para nós hoje. Estávamos destravando o Plano 2021/22 (com a aprovação no Congresso do PLN 1, que libera volume adicional de recursos). Agora está aprovado e deve ser sancionado nesta semana. Em relação a 2022/23, a discussão sobre a equalização parte do valor que trabalhamos no Plano Safra passado, em torno de R$ 13 bilhões. Em cima disso temos de jogar o diferencial de juros do ano passado para este, de 3%-3,75% ao ano para 12% (11,75%, no momento). E tem também os custos da produção, que aumentaram muito. Nesta semana vamos ter as primeiras reuniões sobre o tema com o Ministério da Economia, o Banco Central, a Frente Parlamentar da Agropecuária, para construir um Plano Safra à altura do que precisamos.

A OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) diz que para oferecer o mesmo montante do ano passado, considerando correção inflacionária e aumento da Selic, seriam necessários cerca de R$ 19 bilhões. O senhor vê programas ou linhas de onde o dinheiro poderia ser remanejado? A Economia vai ter de se movimentar para buscar, não é pouco. Precisamos fazer um Plano Safra que condiga com a realidade do Brasil e já começamos um pouco atrasados. Falamos com o presidente da República e ele tem pedido que isso seja quase que prioridade na Economia. Dinheiro sempre é difícil em um governo que quer cumprir teto fiscal. Entendemos isso, não é de interesse de ninguém nem é a orientação do próprio presidente furar o teto. Será necessária uma discussão de alto nível para depois os técnicos se debruçarem sobre o assunto. O foco será na agricultura familiar, nos médios produtores e na sustentabilidade. Será um plano verde e azul, verde da questão ambiental, dos programas de descarbonização, e o azul de aquicultura e pesca, que têm um potencial muito grande.

O aumento das taxas de juros do próximo Plano Safra é dado como certo? O Ministério avalia fazer um aumento maior da taxas para os grandes e menor para os pequenos? Essa discussão terá de ser muito madura. O juro muito baixo vai fazer com que os recursos sejam menores e atenderíamos menos gente. Os juros um pouco mais ardidos, mas não tão altos, ampliariam as colocações de empréstimos. Hoje, quando o produtor vai captar em qualquer ente privado, a taxa bate em 16%, 17%, até 20% ao ano. Eu vou trabalhar para que as taxas do Plano Safra fiquem abaixo da casa de dois dígitos. Como fazer isso, veremos. Sou da opinião de que temos de atender um leque maior de produtores, principalmente porque não sabemos como vai se comportar o mercado financeiro nos próximos meses, nos próximos anos, com essa guerra que estamos vivendo aí (na Ucrânia) que elevou juros e inflação no mundo inteiro.

O setor agropecuário pede montante maior de recursos na próxima safra, considerando o aumento dos custos de produção. A OCB fala em um valor inicial, para negociação, de R$ 330 bilhões. E um dos meios para aumentar a oferta de recursos seria mexer nas exigibilidades, tanto dos depósitos à vista (hoje 25% vai para o crédito rural), como da poupança rural (59% se destina ao crédito rural). O ministério considera que cabe aumentar os porcentuais das duas fontes? Acho que cabe uma discussão sim. Vamos colocar todas as propostas na mesa na reunião desta semana com o Ministério da Economia. No passado a exigibilidade do depósito à vista foi de 33%, até 35% (para o crédito rural). Hoje é 25%. Tudo isso vai ser colocado na mesa. Nós precisamos aumentar (a oferta de crédito). O valor estimado pela OCB vai ao encontro daquilo que nós levantamos. No ano passado trabalhamos na faixa dos R$ 250 bilhões (o governo anunciou R$ 251,2 bilhões para o Plano Safra 2021/22) e quem sabe conseguiremos chegar nesses valores que a OCB disse. Vão nos passar um valor para equalização (de taxas), para abrirmos esse mercado. Se conseguirmos convencer e justificar esse aumento de depósito à vista, para crescer um pouquinho (acima dos 25%), sabemos que cada (ponto) porcentual representa um valor considerável. Quero tratar disso antes da viagem e deixar os técnicos trabalhando para achar esse caminho. Temos de entender o momento que o governo está vivendo, de aperto fiscal, mas todos sabem que o agro é alavanca da economia do Brasil neste momento. Sempre defendi que não podemos continuar com um Plano Safra anual, temos de fazer um ao menos para quatro anos.

Nos últimos anos o governo teve dificuldade em aprovar no orçamento do ano fiscal o valor prometido para o seguro rural no Plano Safra. Ao mesmo tempo, fala-se que a sinistralidade (proporção do valor pago em indenizações em relação à receita com apólices) tem sido alta, o que pode elevar o custo do seguro para os produtores e até afastar algumas seguradoras do mercado. Como pretende lidar com a questão? Penso que o seguro não poderia estar nas despesas discricionárias, e sim nas obrigatórias. Quando está nas discricionárias, pode ser manejado aqui dentro do ministério para outras ações. Os recursos para seguro rural já cresceram muito, de R$ 440 milhões (orçamento de 2019) para R$ 1,180 bilhão (aplicado em subvenção em 2021), e queremos aumentar para R$ 1,5 bilhão ainda neste ano (o orçamento de 2022 prevê por ora R$ 990 milhões). Temos plano de fazer um fundo de estabilização do seguro rural, pensando no médio e longo prazos. É um projeto que precisa ser amadurecido, são muitas mudanças conceituais que queremos fazer. Quem sabe daqui a dois anos possamos ter o fundo.

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Os R$ 510 milhões adicionais para o seguro rural em 2022 (além dos R$ 990 milhões previstos no orçamento) precisam ainda ser remanejados de outra rubrica, correto? Exatamente. Vamos arrumar esses recursos para o seguro deste ano, e para o ano que vem. É uma luta constante. O agronegócio se tornou tão grande e de vital importância que precisa ser visto e estudado. Fora o Plano Safra, tem outros mecanismos que criamos para outros tipos de crédito. CPR (Cédula de Produto Rural), a modernização do CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), CPR Verde, CPR Preservação (atrelada a Reserva Legal e Área de Preservação Permanente).

Para o próximo ano, o montante de recursos para o seguro rural será maior? Difícil prever. Nossa conversa com o Ministério da Economia hoje é mais madura do que foi no passado. O ministro Paulo Guedes vê nosso setor com a importância que lhe é devida, isso é bom para nós. Estamos também estudando seguro paramétrico (cujo valor e cobertura são definidos conforme parâmetros estabelecidos). Estamos avançando com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), que antigamente era batedor de ponto, hoje atua fortemente na montagem dos nossos números e das nossas perspectivas.

Outra questão que preocupa os produtores é a disponibilidade de fertilizantes. No governo do presidente Jair Bolsonaro a ex-ministra Tereza Cristina visitou países produtores, no que foi chamada de diplomacia dos fertilizantes, houve o anúncio do Plano Nacional dos Fertilizantes, como política para médio e longo prazos, e iniciativas da Embrapa como a caravana FertBrasil. O que ainda pode ser feito pelo governo na tentativa de assegurar o abastecimento destes insumos para a próxima safra em cenário de possível redução dos embarques russos e oferta restrita? A diplomacia dos fertilizantes é o primeiro passo. O Plano Nacional dos Fertilizantes já estava sendo construído antes mesmo desse problema, para diminuirmos um pouco a dependência externa. Hoje, nossa dependência (do que vem de fora) é de 90% e queremos chegar a 50% no médio e longo prazo. (Outra ação) é abrir mais mercados de fertilizantes. Além disso, estamos acompanhando semanalmente e o fluxo de fertilizantes está dentro da normalidade. Também acho que somos bem vistos pelos países exportadores de fertilizantes como o Canadá e a própria Rússia, com a qual não temos este problema (de restrição de embarques). Há um grande movimento que nasceu aqui no ministério, junto com a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda, que representa a indústria brasileira de fertilizantes), para não termos os adubos sancionados, de forma que acompanhem a mesma lógica dos medicamentos e dos alimentos. O Brasil tem de estar produzindo e vai precisar de fertilizantes porque as terras não são férteis como em outros países. Então, precisamos que esse insumo seja mais abundante, inclusive com nossa produção interna, a própria tecnologia da Embrapa, com a caravana da Embrapa diminuindo o colchão de fertilizantes em até 10%.

Ainda há preocupação do governo com o abastecimento de fertilizantes? Estamos preocupados, mas estivemos mais preocupados há um mês, quando se começou a falar deste assunto. O fluxo (de embarques russos) está normal e estamos abrindo mercados. Estou indo na quinta-feira(5) para Jordânia, Egito e Marrocos para falar de fertilizantes. São três países com potencialidades diferentes: um de fosfato, um de nitrogênio e um de potássio. Não será o governo que vai comprar o adubo, mas faremos a diplomacia para fazer essa abertura. O ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, por sua vez, (trabalha) com estrutura de logística muito forte para que as cargas não emperrem nos portos. Estamos fazendo tudo que é possível. Infelizmente, os preços aumentam, já aumentaram antes da guerra, e agora acabam sendo salgados, mas é uma questão de mercado. O governo tem de abrir portas e dar sustentação para que as pessoas que importam e vendem fertilizantes aqui tenham mais facilidade de negociar com nossos produtores.

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Há algum volume determinado ou almejado pelo governo que possa ser buscado nesses países? Qual é a sua expectativa? Da Jordânia, por exemplo, importamos muito pouco e podemos aumentar. Tudo que conseguir acrescentar já é uma grande vitória. O País é muito bem visto no mundo inteiro e cabe a nós ir lá. Já tivemos algumas reuniões com os embaixadores envolvidos. Estou levando junto a equipe do Plano Nacional de Fertilizantes, representantes da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Não há volume determinado a ser buscado. Por exemplo, em fosfatados, Marrocos hoje é o maior produtor do mundo e o Brasil tem plantas hibernadas de fósforo. Precisamos discutir se vamos reativar esse grande potencial que temos de fósforo, quais volumes vamos trazer e quais podemos produzir internamente. Potássio é um pouco mais complicado (de produzir internamente). Amônia e ureia também são (complicadas), mas talvez facilitemos a questão do gás natural para produção de nitrogenados. Tudo isso está sendo discutido.

Dentro da diplomacia dos fertilizantes, além do Canadá - já visitado - e dos países árabes que receberão a comitiva brasileira, há algum outro país em vista com potencial de ampliar exportação de fertilizantes para cá? Analistas de mercado apontam que a China, por exemplo, poderia estar disposta a negociar mais fertilizantes para o Brasil em barter trade com importação de soja brasileira. Este é outro player que está no radar? Todos países são potenciais, como estes citados. A ex-ministra Tereza Cristina esteve no Irã também, que tem grande potencial de nitrogenados. Estamos fazendo prospecção no Chile que tem grande potencialidade de potássio. Tudo está no nosso radar. Como se criou um núcleo de fertilizantes, para a formação do Plano Nacional de Fertilizantes, tudo passa por um grande estudo do grupo e seguimos essa linha estabelecida tanto na produção interna quanto na busca lá fora.

Em relação à China ainda, vimos recentemente a suspensão de habilitações de frigoríficos brasileiros. E, em paralelo, a ex-ministra Tereza Cristina vinha falando das tratativas de retomada das habilitações para cerca de 50 novas plantas. Na avaliação do senhor, o que está por trás da decisão da China? É uma questão política ou técnica? O que pode ser feito, do ponto de vista técnico, pelo ministério para destravar tanto as plantas suspensas quanto as novas potenciais habilitações? Temos hoje quase 100 plantas habilitadas para a China. Algumas foram desabilitadas, sujeitas a verificações e auditorias. Acho que vamos crescer nas nossas exportações para a China e temos plantas preparadas e já auditadas. Temos uma lista que totaliza 79 novas plantas em três novas etapas, nas quais estamos trabalhando para que sejam habilitadas. Sobre as desabilitadas, temos de entender também o momento que a China está vivendo. (Os chineses) estão extremamente preocupados com essa onda de covid-19, têm obsessão de atingir covid zero e precisamos respeitar. Todas essas plantas desabilitadas são casos em que foram encontrados traços de RNA de vírus nas embalagens das carnes enviadas. É excesso de zelo? Não, é a filosofia deles. Eles são grandes parceiros nossos. Temos que respeitar isso e vamos manter o diálogo na melhor diplomacia. As desabilitações são em porcentual pequeno perto do número de plantas que temos e do crescimento que tivemos. Vamos esperar. Com o consumo lá aumentando, eles vão precisar dos nossos produtos e o Brasil está preparado para poder exportar ainda mais, seja proteína animal, seja grãos.

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Mas a habilitação de novas plantas continua na pauta entre os dois países? Todas as plantas estão preparadas. A lista foi enviada e estamos esperando. Às vezes é encontrado algum problema no questionário, o questionário volta e refazemos. Avançamos nas auditorias remotas, o que é a prova de confiabilidade do nosso setor. As coisas estão andando. A ansiedade é grande, especialmente, das plantas nacionais que querem estar lá. Sabemos que os preços são diferentes. A pressão é grande, mas acho que estamos bem. Tenho certeza que quando a China sair deste momento que estão vivendo, com covid e até mesmo crise de energia, vamos duplicar isso que estamos apresentando lá.

Outro assunto que sempre resvala na agricultura é a inflação dos alimentos. Dentro do que compete ao ministério, que frentes de ação estão sendo priorizadas para limitar a inflação de alimentos ou contribuir para conter a inflação? As ações passam por crédito mais barato, restrição a exportações para garantir abastecimento interno, aumento da oferta de crédito? Custamos a sair (da posição) de um país importador de alimentos para exportador. Foi uma das grandes conquistas que o País teve. Acredito ser opinião de todo setor e do governo que isso (restringir exportação) jamais acontecerá. Outro ponto é que exportamos porcentual menor do que produzimos. Por exemplo, em proteína animal, exportamos 20% e 80% ficam no mercado interno. Exportamos em média de 20% a 25% de tudo que produzimos, e o restante fica para consumo interno. Então, os preços aqui são mais baixos. Isso é uma questão de mercado. Não tem como controlar. A inflação reflete uma série de circunstâncias, incluindo a dos alimentos, que está acontecendo no mundo inteiro. Temos é de estimular a produção. Quanto mais produzirmos, mais vamos combater a fome no mundo e internamente, oferecendo condições acessíveis para que todos possam comer. Nossa produção está crescendo. Neste ano, foram quase 270 milhões de toneladas de grãos produzidas, mesmo com adversidades climáticas. Agora, já esperamos safra recorde de milho de 112 a 115 milhões de toneladas. Temos de produzir para sair deste momento e para isso, precisamos de crédito, seja do governo, seja de instituições ou de outros instrumentos que estamos criando. Estamos animados. Apesar de tudo que estamos passando, acho que o agro ainda será por muito tempo a locomotiva da agricultura brasileira e, para isso, precisamos estimular o produtor brasileiro.

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