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Ministério diz que Belo Monte tem que reter água para não prejudicar privatização da Eletrobrás

'Está em discussão a capitalização da companhia e alterações no equilíbrio econômico e financeiro da Norte Energia S.A. podem impactar negativamente o processo que está sendo conduzido pelo governo federal', diz nota obtida pelo Estadão

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - As motivações que levam o Ministério de Minas e Energia (MME) a rejeitar uma decisão do Ibama que pede a liberação de mais água por Belo Monte não se limitam à preocupação com a geração de energia. Mais do que isso, a preocupação da pasta está voltada aos negócios da concessionária Norte Energia e como isso podeprejudicar o processo de privatização da Eletrobrás.

Desde 2009, o Ibama apontava os riscos que o volume de água da Belo Monte trariaà região. Foto: Marcos Corrêa/PR

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O Estadão teve acesso a uma nota técnica do ministério, documento que tem a finalidade de derrubar os estudos técnicos do Ibama e que coloca o risco de como o atendimento ao pedido do órgão ambiental pode prejudicar a privatização da estatal.

“Atualmente, está em discussão a capitalização da companhia e alterações no equilíbrio econômico e financeiro da Norte Energia S.A. podem impactar negativamente o processo que está sendo conduzido pelo governo federal”, afirma o ministério, no documento.

A Norte Energia é uma empresa privada, que tem a estatal como sócia. O projeto de lei de privatização da Eletrobrás do governo Bolsonaro prevê um aumento de capital, por meio do qual a União reduziria sua participação na estatal, atualmente em 60%, para algo inferior a 50%. A ideia é que a Eletrobrás se torne uma companhia cujo controle é difuso no mercado.

Como mostrou o Estadão, para o Ibama, o volume de retenção de água feito pela usina (para gerar mais energia) está matando um trecho de 130 quilômetros de extensão do rio Xingu, na região de Vitória do Xingu, no Pará. Os peixes estão praticamente desaparecendo e milhares de famílias vivem uma situação dramática, além de indígenas que vivem na região.

Em suas ponderações, o MME ignora completamente a realidade que tem penalizado a região. Depois de discorrer sobre os efeitos da mudança no regime das águas sobre a geração de energia no País, a pasta detalha, na realidade, a sua preocupação com a empresa privada, a concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica. “Do ponto de vista do ambiente de negócios, a perda de valor da empresa pode acabar se refletindo em seus acionistas”, afirma o ministério.

A Norte Energia tem 50,02% de sua estrutura nas mãos de sócios privados. Essa lista inclui as empresas Neoenergia, Vale, Cemig, Sinobras, Light e J. Malucelli Energia, além dos fundos de previdência Petros e Funcef. Do lado estatal, com 49,98% de participação está a Eletrobrás.

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Ao alertar sobre os riscos de “perda de valor” para a concessionária, caso haja mudanças na gestão das águas do Xingu, o MME lembra ainda que isso pode atrapalhar, inclusive, nova injeção de recursos no grupo Eletrobrás.

A avaliação financeira traz ainda um aviso de que as mudanças podem gerar “possíveis incertezas e inseguranças sobre o compromisso do Brasil com os contratos firmados, sobretudo na área de infraestrutura, devido à dimensão e à importância do projeto da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte para o País”.

As inseguranças mencionadas pelo MME não estão restritas aos sócios da usina e ao setor elétrico. Para defender a manutenção da situação atual, o ministério chega a afirmar que o próprio processo de licenciamento ambiental do País estaria em jogo, caso as determinações do Ibama sejam levadas adiante.

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“A UHE Belo Monte é objeto de um complexo processo de licenciamento ambiental do País e rever o hidrograma neste momento poderia dar espaço para rediscutir o processo de licenciamento ambiental”, afirma a pasta. “Isso poderia abrir um precedente no setor elétrico, o qual é reconhecido pelo cumprimento dos contratos e, por este motivo, atrai diversos investidores de todo o mundo, evidenciado pelo número de participantes dos leilões de venda de energia nova e de transmissão.”

Na última sexta-feira, 18, o Estadão mostrou que o MME disparou pedidos de posicionamento sobre a proposta do Ibama a três órgãos do setor elétrico: Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Essas solicitações foram feitas um dia depois de uma reportagem revelar que o Ibama havia pedido uma mudança na partilha das águas.