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Ministério Público pede para TCU suspender concessão da Ferrogrão

Ferrovia, que vai cortar os Estados de Mato Grosso e Pará, pode não sair do papel, porque governo estaria se recusando a falar com os povos indígenas da região que serão afetados pela construção

Foto do author Amanda Pupo
Por Amanda Pupo (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - A continuidade do processo que vai irá resultar na construção da Ferrogrão está ameaçada. O Ministério Público Federal (MPF) e mais cinco organizações da sociedade civil pediram que o Tribunal de Contas da União (TCU) suspenda o processo de análise e proíba, ao menos temporariamente, o governo de fazer o leilão da ferrovia, projetada para cortar os Estados do Mato Grosso e do Pará, entre os municípios de Sinop e Itaituba, e ser o principal centro de escoamento de grãos de MT. O motivo, segundo o MPF, é que o governo se recusa a consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais que serão afetadas com ferrovia. 

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A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério da Infraestrutura negam que há recusa e afirmam que a etapa será realizada durante o processo de licenciamento ambiental. São 48 terras indígenas, em diferentes estágios de regularização, no entorno do traçado da ferrovia. 

O MPF alega que a consulta - prevista em convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - já deveria ter sido feita, antes de o governo e a ANTT protocolarem no TCU os documentos do projeto, o que ocorreu em julho. O órgão quer que o TCU obrigue o governo a fazer o procedimento e que, até a conclusão dessa fase, a realização do leilão seja vetada e o processo no TCU suspenso. A previsão do Ministério da Infraestrutura é de fazer o certame no próximo ano.

Ferrogrão está sendo planejada para ser o principal centro de escoamento de grãos de MT. Foto: Minfra

Na representação ao tribunal, o órgão afirma que ainda em 2017 a ANTT se comprometeu a realizar essa etapa antes de remeter o processo ao TCU. O MPF narra que desde então os povos indígenas passaram a solicitar formalmente ao governo que a consulta fosse realizada. Foram pelo menos oito pedidos de associações indígenas e duas recomendações do MPF, alega.

O processo ocorre justamente num setor em que o Ministério da Infraestrutura busca emplacar como um cartão postal de preocupação ambiental. O programa ferroviário da pasta é o primeiro na lista a ser habilitado para captar investimentos por meio de títulos verdes. A questão ambiental, no entanto, sempre rondou o projeto e é um dos principais pontos de dúvida de investidores interessados em construir e operar a Ferrogrão, responsabilidades que serão transferidas à iniciativa privada. Só para implantar a ferrovia serão necessários R$ 8,4 bilhões.

O Ministério da Infraestrutura já assumiu a responsabilidade de obter a licença prévia ambiental da ferrovia para tentar espantar temores do setor privado. É nessa fase que a consulta aos povos afetados será feita, de acordo com a ANTT e a pasta. Em nota a reportagem, o ministério comandado por Tarcísio de Freitas respondeu que o órgão não se recusa a realizar essa etapa, conforme alega o MPF. "A consulta a povos indígenas é feita normalmente no momento dos estudos ambientais de um empreendimento", disse.

O Ministério também destacou que a pandemia do coronavírus tornou a consulta presencial a essa população um "desafio", uma vez que o acesso às terras indígenas está proibido por questões sanitárias. "Para contornar essa dificuldade, o Ministério da Infraestrutura e a EPL estão estudando junto à Funai a forma de realizar a consulta diante das restrições", afirma a pasta. A ANTT ainda frisou que durante o processo de audiência pública da Ferrogrão foram ouvidas as etnias do Parque Indígena do Xingu, Munduruku, Kayapó, além de outras.

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Distância

Com previsão de ser construída até 2029, com início da operação no ano seguinte, a Ferrogrão será feita do zero e está qualificada no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) desde 2016. A ideia é consolidá-la como o novo corredor de exportação da produção agrícola do Centro-Oeste, escoamento que hoje se dá principalmente pela BR-163.

A dimensão do ferrovia, de 933 km, e todo o aparato que irá envolver a construção são mencionados pelo MPF na representação. Para o órgão, a mobilização no canteiro de obras, além do transporte de equipamentos de grande porte, devem ser fontes potenciais de impactos socioambientais sobre parte dos territórios indígenas da região. Por esse e outros fatores, afirma o órgão, a viabilidade do empreendimento deveria considerar desde o princípio a consulta aos povos afetados. "Frise-se que o empreendedor, para participar do leilão, tem que ter previsibilidade econômico-financeira de investimentos necessários a título de compensações socioambientais", afirma.

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O Ministério da Infraestrutura, por sua vez, afirma que a Ferrogrão não corta ou margeia nenhuma terra indígena. Segundo a pasta, as terras indígenas Mekrangnotie e Baú, pertencentes ao povo Kayapo e Panará, possuem distância da ferrovia bem acima dos limites estabelecidos por uma portaria interministerial, sendo que o ponto mais próximo está a aproximadamente 30 km de distância. "O Parque Indígena do Xingu encontra-se ainda mais distante", disse. "Os povos indígenas Munduruku serão ouvidos no âmbito do processo de licenciamento", respondeu o ministério.

A ANTT também declarou que prestará todos os esclarecimentos necessários ao MPF e ao TCU. "A agência reafirma o compromisso de respeitar o direito de consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa etapa será realizada durante o processo de licenciamento ambiental", disse.