Em artigo publicado no livro O futuro do Brasil (Editora GEN), que organizei e publiquei no ano passado, Ana Barufi (O futuro do trabalho no modelo de plataforma) ressalta que “as plataformas de trabalho podem levar ao surgimento de uma nova geração de microempreendedores – trabalhadores por conta própria que podem trabalhar no lugar que quiserem, com a intensidade que desejarem e de acordo com o padrão de vida que ambicionam ter. Por outro lado, esse movimento pode acelerar o processo de deterioração das condições de trabalho, com redução do padrão de vida dos trabalhadores. De fato, a combinação da rápida adoção de tecnologia com o surgimento desses novos modelos de negócio lança desafios à legislação trabalhista atual e à estrutura de proteção social centrada, no caso brasileiro, no trabalho formal com carteira”.
Por coincidência, poucos dias depois de lançar o livro, andando de Uber e conversando com o motorista – um ex-empregado formal de uma companhia telefônica – acerca da situação dele, disse-me que, exatamente pela flexibilidade que o sistema de trabalho do Uber lhe dava para construir seu próprio horário, já tinha recusado duas alternativas de retornar ao antigo esquema formal baseado na carteira de trabalho.
A manifestação de preferência por “trabalho” em vez de “emprego” – um lugar físico onde se comparece das 9 às 18 horas, de segunda a sexta, muitas vezes tendo que lidar com um chefe chato – tem sido comum nas minhas interações com jovens.
O “modelo de plataformas”, como Uber ou Ifood, veio para ficar e não adianta brigar contra ele. É um fenômeno inevitável da modernidade. O papel do Estado é acomodar esses avanços, de forma que sejam compatíveis com a organização social e a convivência civilizada entre os diferentes grupos que a compõem.
Nesse sentido, um aspecto que sempre chama a atenção nesses debates é como a questão previdenciária é mal compreendida pela enorme maioria das pessoas. Anos e anos de déficits crescentes do INSS criaram em muitos jovens a percepção equivocada de que “o INSS não presta” e de que “é muito melhor fazer minha própria previdência”. Há equívocos importantes envolvidos, que precisam de esclarecimento, sem prejuízo de ressaltar a importância – para quem puder – de constituir uma previdência própria.
O primeiro equívoco é a ideia de que “o INSS não atende as pessoas”. É um erro grosseiro. O INSS paga benefícios previdenciários a 30 milhões de brasileiros, todos os meses, 13 vezes por ano, religiosamente em dia, protegidos da inflação e com a certeza de que continuarão a serem pagos até o fim da vida, no caso daqueles pagamentos que não são temporários. Num país com os problemas sociais e a extensão geográfica do Brasil, é um feito que não deve ser desprezado. O INSS é parte do que resta da paz social brasileira. Não é pouca coisa, caro leitor.
O segundo equívoco é a ideia, muitas vezes subjacente, de que o Estado não serve para nada. O curioso é que, se, em nome dessa crença, o indivíduo não contribuir para a Previdência, aos 65 anos só lhe restará o Loas, benefício assistencial que hoje o Estado brasileiro paga a quase 5 milhões de brasileiros que não contribuíram para o sistema.
O terceiro erro é quanto aos valores envolvidos. Nada, atuarialmente, se compara ao benefício de um salário mínimo ao qual se pode aceder contribuindo por apenas 15 anos. Quem quiser, numa aposentadoria complementar, receber R$ 1.100 dos 65 aos 85 anos de idade, terá que ter acumulado na conta, aos 65 anos, R$ 259 mil (ver o simulador Capital Necessário no site www.longevitaprevidencia.com para entender o cálculo, com juros reais de 2% a.a.). Quantos brasileiros têm a possibilidade de alcançar esse capital?
Portanto, meu conselho aos jovens é: é ótimo não ter chefe e trabalhar no horário que a gente quer, mas recomendo não descuidar da proteção social e contribuir como autônomo para o INSS. Não há contratação de uma renda vitalícia, no mercado, mais barata do que essa.
*ECONOMISTA