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'Modernização tributária é um dos pilares das reformas indicadas para o Brasil', diz diretor do FMI

Para Vitor Gaspar, mudanças permitirão que o governo resolva da melhor forma a demanda por gastos públicos e a retomada da economia no curto prazo

Por Ricardo Leopoldo e correspondente
Atualização:

NOVA YORK - O diretor do departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), Vitor Gaspar, disse em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast que "quanto mais crível for o processo de reformas no Brasil, mais fácil será para o País administrar a sua situação macroeconômica". Para ele, "a modernização do sistema tributário é um dos pilares centrais do programa de reformas estruturais recomendado para o Brasil", disse, acrescentando que a continuidade das mudanças permitirá que o governo equacione da melhor forma as demandas de gastos públicos e a retomada da economia no curto prazo, além de permitir equilíbrio fiscal nos próximos anos.

"No caso do Brasil, a âncora com maior credibilidade é o limite de despesas federais", acrescentou, lembrando que as projeções macroeconômicas do FMI para o País consideram a manutenção do teto de gastos. O Fundo estima que o Brasil registrará déficit primário até 2025. Em função do aumento de despesas públicas, sobretudo devido à necessidade de combater a grave recessão causada pela covid-19, a projeção é de que tal indicador atingirá 12% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Nesse contexto, a dívida pública deverá encerrar este ano em 101,4% como proporção do PIB e chegará a 104,4% do produto interno bruto em 2025. Leia os principais trechos da entrevista.

O diretor do departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vitor Gaspar. Foto: Michel Spilotro/FMI

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O Brasil em 2021 deve continuar com os gastos públicos elevados para ajudar na recuperação econômica ou precisará reduzi-los de forma expressiva, para não provocar desequilíbrios excessivos das contas públicas?

As reformas que o Brasil fez antes da pandemia, como a da Previdência e a adoção do teto de gastos federais, assim como seu regime de metas de inflação, permitiram ao País conquistar uma credibilidade que viabilizou a resposta muito vigorosa das políticas fiscal e monetária para combater os impactos econômicos da pandemia do coronavírus. Quando avaliamos o futuro, observamos que o Brasil poderá enfrentar uma pressão no Orçamento dependendo do ritmo de recuperação da atividade, da evolução da epidemia e das restrições financeiras da economia. Existe um cenário macroeconômico no qual os gestores de política econômica precisarão continuar a apoiar as famílias e as empresas e ao mesmo tempo assegurar a sustentabilidade fiscal. Por isso é crucial manter as condições de financiamento do Tesouro e a estabilidade financeira e macroeconômica do País. Como esta equação poder ser realizada de forma mais fácil? Continuando com o programa de reformas fiscais que o Brasil executou de forma bem sucedida nos últimos anos.

Nesse sentido, a reforma da Previdência foi extremamente importante. Quanto mais crível for o processo de reformas, mais fácil será administrar a situação macroeconômica. O Brasil tem a necessidade de preservar uma forte âncora fiscal de médio e longo prazos que assegure a sustentabilidade fiscal do País e permita ao governo executar políticas econômicas com credibilidade. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa responder de forma eficiente à evolução da epidemia e das condições econômicas e financeiras do País. O equilíbrio dos dois lados da equação só pode ser definido pelos gestores da política econômica.

A projeção do FMI de déficit primário de 3,1% do PIB em 2021 indica que o governo estará num quadro excessivo ou apropriado de gastos públicos no próximo ano?

O déficit primário estimado para 2021 em nosso cenário-base é compatível com uma desaceleração do crescimento da dívida pública e com uma recuperação parcial da atividade econômica no próximo ano, com um crescimento de 2,8% do PIB. Essa trajetória é possível e plausível nas condições em que estamos agora. É muito importante destacar o grau de risco e incerteza associado a qualquer cenário e a importância da flexibilidade da resposta da política econômica. Mas, nesse aspecto, a resposta que o Brasil deu em março e abril foi uma demonstração de que esta flexibilidade está presente no processo de decisão do País. É importante ressaltar que prevemos que o crescimento da atividade econômica superará a taxa de juros efetiva da dívida pública de 2021 a 2023, o que aponta uma contribuição favorável destes indicadores para a dinâmica da dívida pública.

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No caso de o governo brasileiro gastar muito em 2021, levando o déficit primário não para 3,1% do PIB mas para o dobro, isso seria um indicativo de que a política fiscal teria realizado gastos de forma exagerada?

Eu não gostaria de fazer especulações sobre cenários alternativos. Mas vale a pena destacar que, quando olhamos para os mercados da dívida pública do Brasil, neste momento já existe algum sinal de que as restrições de financiamento são uma consideração relevante para o Tesouro.

Se as reformas fiscais não forem retomadas em 2021, quais seriam os efeitos para o Brasil?

Caso não sejam aprovadas as reformas macroeconômicas que permitam o Brasil alcançar a estabilidade das contas públicas e a melhora do quadro orçamentário de médio e longo prazos, o desafio para as autoridades administrarem a economia no curto prazo se tornará mais grave. As prioridades para um programa de reforma destacadas na recente missão do FMI ao Brasil parecem compatíveis com as prioridades do governo no momento atual do país e incluem: fortalecimento das redes de proteção social, racionalização dos programas de assistência social, e redução da rigidez orçamentária através da diminuição das despesas obrigatórias e das desvinculações. Além disso, também é importante modernizar e melhorar o sistema tributário, incluindo a simplificação dos impostos indiretos, a redução dos custos da folha salarial e a diminuição da renúncia fiscal. Também será relevante a revisão da tributação sobre o trabalho e capital que poderá conduzir a um sistema tributário mais progressivo no País. Julgo que a modernização do sistema tributário é um dos pilares centrais do programa de reformas estruturais recomendado para o Brasil.

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Como o senhor avalia o quadro político em Brasília, no qual a grande preocupação no Congresso é a definição das presidências da Câmara e do Senado no início do próximo ano, o que indiretamente prejudica a discussão de temas fundamentais, como a continuidade das reformas e o Orçamento para 2021?

Nós nunca fazemos comentários diretos sobre questões políticas envolvendo países membros do FMI. A política está sempre repleta de surpresas. O que vimos no passado recente do Brasil foi a capacidade de aprovar a reforma da Previdência que muitos consideravam impossível. Vimos também o benefício que reformas anteriores, como o teto de gastos e o regime de metas de inflação, oferecem ao País durante crises agudas como a atual. O Brasil pode utilizar todos estes progressos para responder de uma forma vigorosa e flexível à pandemia da covid-19 para reduzir o sofrimento da população e apoiar a atividade econômica, possibilitando uma queda menor do PIB do que seria possível se a resposta macroeconômica não tivesse sido tão efetiva e vigorosa.

Existe um debate no governo sobre a preservação ou não do teto de gastos. Caso o teto seja ultrapassado no próximo ano, quais fatores negativos poderão ocorrer para o País?

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Eu não fixaria a atenção em um momento particular do tempo. Mas gostaria de destacar que uma âncora do Orçamento para o médio e longo prazos é absolutamente fundamental para o Brasil e outros países. No caso do Brasil, a âncora que tem maior credibilidade é o teto de despesas federais. A continuação da tradição de disciplina orçamentária implica dar um papel de relevo ao teto de despesas no futuro das políticas orçamentárias do País.

Seria justificado no próximo ano o rompimento do teto no contexto da necessidade do governo continuar a ter elevadas despesas para impulsionar a retomada da economia?

No nosso cenário-base, temos uma recuperação da atividade econômica de forma parcial em 2021.

Mas o cenário-base do FMI para o Brasil prevê a preservação do teto de gastos nos próximos anos, certo?

Sim, nosso cenário-base prevê a preservação do teto de gastos.

Contudo, se for ultrapassado o teto em 2021, quais consequências poderiam ocorrer para o País?

A forma como for equacionada esta questão depende dos detalhes da gestão da política orçamentária ao longo do tempo e é uma decisão difícil e que as autoridades devem tomar. Quanto mais forte for a capacidade de ancorar de forma crível e inequívoca a gestão fiscal no médio e longo prazos, maior será a margem de manobra fiscal que as autoridades terão no curto e médio prazos.

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A trajetória fiscal do Brasil de médio prazo, segundo o FMI, deve ter déficit primário até 2025 e a dívida pública bruta atingirá 104,4% do PIB naquele ano. Esse cenário é favorável para o País ou os investidores podem ficar preocupados com grandes dificuldades das autoridades para administrar as contas púbicas de forma sustentável?

Gostaríamos de ver progresso adicional no Brasil em termos de estabilidade macroeconômica e financeira. Mais importante, gostaríamos que o Brasil realizasse uma transição bem sucedida para um modelo de crescimento resiliente, inclusivo, digital, verde, compatível com o combate a mudanças climáticas, e que conduzisse a uma sociedade mais igualitária, com maiores oportunidades para todos. Se neste contexto o Brasil conseguir crescer de forma mais vigorosa do que registrou nos últimos anos, isto será uma contribuição extraordinariamente importante para reduzir a proporção da dívida pública em relação ao PIB.

A modernização da estrutura de impostos no Brasil pode contribuir muito para o crescimento econômico sustentável. A minha esperança é de que o País seja bem sucedido e possa sair da pandemia da covid-19 ainda mais comprometido com as reformas estruturais, para ter progresso e ser apontado na próxima década como um caso importante de crescimento e desenvolvimento sustentável.

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