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'Momento agora é de governo se endividar', diz pai da LRF sobre gastos no combate à pandemia

Especialista avalia que governo federal não precisa de PEC para agir e tomar medidas para o enfrentamento da crise da covid-19

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o professor José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), avalia que o governo federal não precisa de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para agir e tomar medidas que precisem de aumento de gastos para o enfrentamento da crise da covid-19. Ele ressalta que governadores e prefeitos já estão agindo.

Para Afonso, governo federal não precisa de uma PECpara agir e tomar medidas que aumentem gastos para o enfrentamento da crise do novo coronavírus. Foto: FÁBIO MOTTA|ESTADÃO CONTEÚDO

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Segundo ele, a fonte para o aumento dos gastos é simples: fazer dívida pública. “Aqui e em qualquer lugar do mundo é uma só: se chama dívida pública. Vencida a guerra e ficando vivo, se discute como é que paga essa dívida. O momento agora é de se endividar”, disse.  A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que está levando à demora do governo para liberar os recursos para os programas emergenciais?

Tem alguma má-informação. A Constituição, LRF, lei 4.320 (sobre elaboração e controles dos orçamentos), resolução do Senado valem para todos no País. Os governadores e prefeitos estão agindo. Vários prefeitos estão pagando Bolsa Família em versões locais. E prefeito não pode editar Medida Provisória e não pode e não deve se endividar. Isso é muito importante para o fiscal depois. A lei é até mais rigorosa com eles, não podem emitir moeda, títulos. E governadores e prefeitos não estão deixando de fazer as coisas por causa disso. Não tem cabimento ter que fazer uma PEC para fazer um gasto que está autorizado pelo Congresso. Não vai pagar tudo de uma vez só. É só pedir mais crédito extraordinário. Baixa MP e está valendo na mesma hora. Não vejo nenhuma restrição.

O governo alega que não tem fonte de financiamento...

Fonte é dívida. Só ele tem essa fonte. Nenhum outro tem.

Por que o ministro Guedes disse que precisa de uma PEC para gastar? Por que o governo insiste na questão da burocracia das regras fiscais?

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Quem tem que responder é ele. Minha avaliação é que há alguma confusão. Nãoouvi nenhum prefeito e governador, que estão sujeitos a mais restrições, pedir uma PEC para fazer o mesmo que o governo federal até agora não começou a fazer. O que está se falando é quase criar uma Bolsa Família. Em dezembro, o mesmo governo criou o 13º do Bolsa, que exige recursos. e ninguém pediu para mudar a LRF. Qual a diferença de dezembro para cá? Tem calamidade pública, reconhecida pelo Congresso, que dispensa de atender várias exigências.A decisão do ministro Alexandre de Moraes do STF só fortaleceu a LRF. Pode precisar de PEC para outros fins, mas não para agir.

Quais outros fins?

Para separar as ações e contas emergências. Como se fosse um Orçamento à parte. Pode ser um fundo. Tem vários meios para isso. Fazer uma separação clara entreque é extraordinário e o que é ordinário,o dia a dia do governo. Eu acho que pode até fazer isso sem emenda constitucional. Para ter uma cadeia de comando mais rápida, mais explícita. Mas a fonte é uma só e muito simples. Isso não impede de começar a agir. Aqui e em qualquer lugar do mundo é uma só: se chama dívida pública. Vencida a guerra e ficando vivo, se discute como é que paga essa dívida. O momento agora é se endividar.

A regra de ouro (que impede o governo de se financiar para pagar gastos correntes, como salários e benefícios assistenciais) é um impedimento para os gastos?

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A Constituição já prevê que poder ser descumprida se Congresso autorizar por maioria qualificada. Desde Temer (ex-presidente Michel Temer), a regra é descumprida, e Congresso autorizou, sem calamidade. Eu defendo, inclusive, que a aprovação da calamidade, e da MP do crédito extraordinário, implica autorização para descumprir. Agora, importante, descumprir no esforço de combate a calamidade. Está obrigado a cumprir para as demais contas públicas. A posição em relação a regra de ouro só se sabe quando fechada a execução. Nada isso impede de agir desde.Não precisa de PEC para pedir autorização para descumprir a regra. 

O governo está sendo xiita fiscal ou é uma briga política com o Congresso?

Não sei. Primeiro, não vejo briga com o Congresso. Tudo que foi pedido ao Congresso foi entregue. E quando era pertinente. O Congresso decretou calamidade pública em caráter nacional, o que na minha opinião dispensa cada Estadoe prefeitura decretar calamidade pública. O Congresso que ninguém está falando já deu uma autorização de guerra. 

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Qual a saída para o impasse?

Eu sou técnico. Não sou político. Insisto: não consigo ver o que pode impedir o governo federal de agir e não impede Estados e municípios de agir. No pagamento de transferências, prefeituras estão fazendo Bolsa Famílias locais. As prefeituras das grandes cidades vão sofrer uma perda de arrecadação enorme, muito maior do que Estados e governo federal. E os prefeitos não deixaram de fazer o que tem que ser feito. Já o governo federal não sei o que está fazendo... Ele tem que se endividar e passar o recurso para Estados e municípios. Esse endividamento tem que sernacional. Por isso, eu gosto da expressão de "orçamento de guerra". A ação é nacional.Tem que um comando nacional.

Tem que fazer os repasses com critérios?

Émuito mais importante discutir os critérios do que está preso na discussão do que impede de agir. 

O que precisa fazer emergencialmente?

Dilatar prazos do pagamento dos impostos. Nãotem renúncia. É crédito. Não pagar imposto é a maneira mais rápida de ter acesso a crédito numa crise com essa. O governo está demorando o para agir. Era melhor ordenar isso e dispensar quem precisa ser dispensado.