Uma das afirmações recorrentes do vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, também coordenador do Conselho da Amazônia, é a de que os mecanismos de monitoramento das queimadas da Amazônia “são péssimos”.
É uma afirmação contestada e que possivelmente encobre certas coisas. Monitoramento é a capacidade de levantar o que está acontecendo, no caso, de conferir onde o desmatamento acontece e em que velocidade.
Não há nenhuma crítica séria sobre a qualidade do monitoramento feito no Brasil, especialmente na Amazônia. Desde 2005, o sistema Deter de satélites vem acompanhando a evolução de todos os focos de desmatamento e incêndio na Amazônia. Nenhum organismo internacional coloca em dúvida a qualidade dessas informações.
O problema não está no monitoramento. O cientista brasileiro Gilberto Câmara, hoje diretor secretário do Grupo de Observações da Terra (GEO, na sigla em inglês), com sede em Genebra, em conversa por telefone, confirma o que outros especialistas afirmam: “O problema não está nas informações obtidas por satélite, mas na incapacidade do governo brasileiro de fiscalizar, autuar e coibir o desmatamento nos lugares apontados pelo monitoramento”.
Por que, então, a insistência do general Mourão em apontar para a baixa qualidade do monitoramento? Câmara tem uma explicação e uma hipótese. A explicação é a de que o governo quer conduzir uma narrativa diferente da atual e que sirva a seus propósitos. Não está satisfeito com a transparência com que as informações do Deter foram colocadas à disposição da sociedade. Por isso, gostaria que fossem monopolizadas pelo Exército, que daria a elas o uso pretendido.
A hipótese do cientista é a de que lobbies interessados na venda de serviços de satélite se empenhem em desqualificar o Deter e, assim, em facilitar seus negócios por aqui.
Câmara observa que o governo brasileiro tem todas as informações sobre como se inicia e se propaga um desmatamento. Como conta com as informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), pode, também, identificar o proprietário da área e responsabilizá-lo judicialmente.
Para Câmara, a ideia de deslocar destacamentos do Exército para coibir queimadas na floresta não faz sentido. Essa é uma tarefa para ser executada pelo Ibama em conjunto com a Polícia Federal e as delegacias locais. “O combate ao desmatamento da Amazônia não é problema militar”, acrescenta.
Como o desmatamento deixou de ser apenas um crime ambiental e começa a torpedear os negócios do Brasil, tanto com exportações do agronegócio como também com investimentos estrangeiros no País, pode ser que o governo Bolsonaro pretenda agora mudar sua política no setor.
Câmara adverte que, se é mesmo para mudar, então é preciso começar com a substituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o mesmo que, naquela fatídica reunião ministerial de 22 de abril, defendeu que o governo aproveitasse o desvio da atenção da sociedade com a pandemia para deixar passar a boiada. “O ministro perdeu a credibilidade e é preciso confiança para adotar uma nova política”, diz Câmara.
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