Bernard L. Madoff, morto nesta quarta-feira, 14, aos 82 anos, foi o criador daquele que talvez tenha sido o maior esquema de pirâmide financeira da história, um símbolo ultrajante da ganância de Wall Street, praticado por um homem que chegou a ser um dos corretores de ações mais cobiçados do universo das altas finanças.

Por anos, "Bernie" Madoff foi considerado um sábio dos investimentos. Ele tinha clientes, casas e barcos nos mais sofisticados recantos do mundo. Impulsionado pela influência que acumulou como um negociante legítimo, ele seduziu - e, por fim, extorquiu - milhares de investidores que confiaram a ele o dinheiro que tinham economizado para se aposentar, pagar a faculdade dos filhos ou ter segurança financeira.
Os clientes de Madoff incluíam o sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel Elie Wiesel, o cineasta Steven Spielberg, os atores Kevin Bacon e Kyra Sedgwick, o senador democrata Frank R. Lautenberg, de Nova Jersey, e numerosos aposentados e outros investidores menores. Bancos, fundos de hedge, universidades e entidades de caridade também passaram a confiar no improvável retorno que ele mostrava obter.
Na realidade, esse retorno não existia. Por pelo menos 16 anos, possivelmente por mais tempo, Madoff comandou um esquema de fraude no qual ele pagava investidores já existentes com o dinheiro de novos clientes.
Em 2008, quando uma crise financeira paralisou e economia americana, investidores começaram a tentar sacar fundos que Madoff não possuía. O estrago lembrou as derrocadas dramatizadas pelas tragédias gregas: foi rápido, doloroso e, retrospectivamente, inevitável.
Em 10 de dezembro de 2008, Madoff informou seus filhos, Mark e Andrew Madoff, que seus negócios, a exorbitante fortuna da família e os prósperos portfólios de seus investidores não passavam de "uma grande mentira”. Os irmãos entregaram o pai para as autoridades.
A prisão de Madoff, no dia seguinte, em sua cobertura em Nova York, chocou muitos dos mais experientes especialistas em finanças. Agências reguladoras do governo também pareciam ter sido pegas de surpresa - uma percepção que alimentou a indignação pública, quando as perdas das vítimas do esquema foram estimadas em US$ 20 bilhões em investimentos originais e US$ 65 bilhões em dinheiro vivo.
A fama de Madoff desencadeou esforços de autoridades - notavelmente Irving H. Picard, o agente fiduciário apontado pelo tribunal para liquidar a corretora de valores de Madoff - que levaram anos para desvendar seu esquema e compensar as vítimas. Muitos investidores conseguiram recuperar somente uma fração do dinheiro que haviam entregue a ele.
Para a vida pessoal de Madoff, a repercussão foi catastrófica. Sua família praticamente se desintegrou. Ele foi tão amplamente repudiado em razão da aparente petulância da fraude que, em uma ocasião, ao comparecer à corte, chegou a usar um colete à prova de balas.
“Vivo atormentado agora que sei de toda dor e sofrimento que causei”, afirmou em junho de 2009, quando foi sentenciado a 150 anos de prisão, após se declarar culpado de 11 delitos, incluindo fraude financeira e lavagem de dinheiro. “Deixei um legado de vergonha.”
Madoff sofreu um ataque cardíaco na cadeia em 2013, segundo relatos. Em fevereiro de 2020, ele solicitou à Justiça soltura por clemência, citando uma doença renal em estágio terminal e outras aflições, que o deixaram em uma cadeira de rodas e precisando de cuidados constantes. O pedido foi negado.
Sua morte, na ala médica de uma prisão federal em Butner, Carolina do Norte, foi anunciada por uma porta-voz da Agência Federal de Prisões. A porta-voz, Kristie Breshears, não informou a causa, mas disse que Madoff havia testado negativo para covid-19.
Até o fim, Madoff continuou sendo considerado o maior criminoso na narrativa da crise econômica de 2008, que, ironicamente, ajudou a revelar seus crimes. O esquema dele não oferecia empréstimos subprime, credit-default swaps (CDS) nem outras manobras financeiras complexas que contribuíram para o surgimento da recessão. Madoff somente praticou a simples e ancestral arte da vigarice./ Tradução de Augusto Calil