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Morre Robert Appy, pioneiro do jornalismo econômico no País

Jornalista e escritor, profundo conhecedor da economia brasileira e mundial, escrevia para o 'Estado' desde 1953

Por Economia & Negócios
Atualização:

 

SÃO PAULO - Faleceu nesta sexta-feira, 7, aos 87 anos completados no sábado passado, o editorialista do Estado Robert Eugène Appy. Ele nasceu na França, mas vivia no Brasil há 60 anos, para onde veio a convite de Julio de Mesquita Filho para escrever sobre economia.

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Será celebrada missa de corpo presente neste sábado, 8, às 11hs, na Capela Francesa, à Rua Mairinque, 256, Vila Clementino.

Casado duas vezes, deixa quatro filhos. Appy foi indicado pelo jornalista Gilles Lapouge, hoje correspondente em Paris, para substituí-lo após decidir voltar para a França, depois de três anos de trabalho na redação do jornal.

A entrevista para o emprego foi feita pelo historiador francês Fernand Braudel, que mais tarde deu nome ao instituto que Appy ajudou a fundar. O primeiro texto, poucos dias depois, foi uma análise da economia soviética sob Gheorghi Malenkov, dividida em dois artigos, publicados em 15 e 18 de novembro de 1953.

Antes que o ano terminasse, Appy já havia escrito comentários sobre assuntos tão diversos quanto o Congo Belga e os capitais estrangeiros, o entesouramento de ouro no mundo, a crise econômica da companhia cinematográfica brasileira Vera Cruz e a ofensiva japonesa nos mercados internacionais.

Não foram poucos os ministros da Fazenda do Brasil que procuraram conhecer sua opinião a respeito dos mais delicados problemas econômicos do País.

Appy também era um interlocutor frequente dos diretores-gerentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), a tal ponto que se tornou um dos primeiros jornalistas a antecipar que a reunião de Toronto (Canadá), em 1982, mudaria de maneira irreversível a relação entre os países industrializados e os emergentes.

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Formação

Robert Appy nasceu no dia 1.º de junho de 1926 em Cavaillon, cidade do departamento de Vaucluse, na França, que guarda vestígios das invasões romanas. Fez o curso de Letras na Faculdade de Grenoble. Era também formado em Filosofia Escolástica pela Faculdade Católica de Lyon e em Economia pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).

Começou sua carreira no jornal Combat, da capital francesa. Inicialmente, era redator especializado em questões universitárias. Foi depois promovido a secretário de redação.

A seriedade que dedicava a cada matéria permitia que suas opiniões fossem baseadas numa ideia muito realista das questões e em dados precisos, que recolhia no seu arquivo pessoal, cuidadosamente organizado.

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Sua atuação tornou-se ainda mais efetiva com a criação pelo Estado, em 1957, da seção Atualidade Econômica, a primeira editoria de Economia da imprensa brasileira, dirigida pelo jornalista austríaco Frederico Heller.

Apesar de ter-se integrado muito rapidamente ao Estado e ao Brasil, Appy manteve colaborações nas revistas francesas Esprit e Revue des Sciences Politiques. Foi ainda correspondente dos jornais franceses Le Monde e L’Information Économique e Financière.

Exerceu, durante anos, o cargo de conselheiro econômico do Banco Francês e Italiano para a América do Sul. Trabalhou ainda na revista Visão e foi conselheiro do banco Sudameris.

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Militância

Recebeu uma série de comendas e condecorações internacionais e brasileiras. Entre outras estão a Legião de Honra, concedida pelo governo francês, a Ordem Nacional do Mérito da França, o Premio Presaenza d’Italia in Brasile, do Circolo Italiano, o Prêmio Abamec e o Prêmio BNP Paribas de Cidadania.

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Na juventude, Appy participou da resistência à ocupação alemã da França. No Brasil, ajudou amigos presos durante a ditadura militar.

Em 1987, lançou, pela Editora José Olympio, o livro Capital Estrangeiro & Brasil: um Dossiê, cuja apresentação começava com uma frase polêmica: "Este livro é a favor do capital estrangeiro, ou melhor... do Brasil." E, ao longo da obra, explicava a aparente contradição: no sistema capitalista, o capital não tem pátria e sua função é contribuir para o desenvolvimento da economia, independentemente da localização geográfica.

Manteve amizade próxima com autoridades que conheceu ao longo da carreira, como o ex-presidente francês Giscard d’Estaing, o ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors e os ex-diretores do FMI Michel Camdessus e Jacques de la Rosière.

Embora já escrevesse no jornal desde 1953, Appy ingressou oficialmente no Estado em outubro de 1957, como tradutor. Em maio de 1964, passou a redator da Editoria de Economia, tornando-se o editor da seção em dezembro de 1974. Depois passou assumiu a função de editorialista. Aposentado em fevereiro de 1996, foi recontratado no dia seguinte, no mesmo cargo.

Mesmo com dificuldades de locomoção, comparecia diariamente à sede do jornal para a reunião dos editorialistas com Ruy Mesquita, que faleceu no dia 21 de maio. Manteve essa rotina até um dia antes de ser internado. Chegou a enviar vários editoriais do hospital e de casa.

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Tinha atuante participação em diversas entidades. Era membro dos conselhos da Associação Comercial de São Paulo, da Fecomércio, do Liceu Pasteur e colaborava com uma organização não governamental (ONG). Apesar de reservado, não abria mão do bom humor.

Numa noite, o então diretor do jornal, Julio de Mesquita Neto, precisava urgentemente falar com ele, mas não tinha seu telefone. Antonio Carvalho Mendes, que era responsável pela coluna de obituários (função que exerceu por 50 anos, o que lhe rendeu o apelido de Toninho Boa Morte), ofereceu-se para ir até sua casa. Ao chegar, por volta das 2h30, bateu à porta. Quando Appy atendeu, já de pijama, perguntou, com seu típico sotaque: "Não me diga que chegou a minha hora? " Para a sorte do jornalismo brasileiro, sua hora chegou muitos anos depois.

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