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MPF e ONGs vão à Justiça contra leilão de petróleo em área de Fernando de Noronha e Atol das Rocas

Ao menos quatro ações civis públicas já foram protocoladas na Justiça, em diferentes Estados, para impedir o leilão de blocos na região, uma das mais importantes do ecossistema de recifes do Brasil

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Uma série de protestos e ações civis públicas movidas por representantes do Ministério Público e organizações ambientais tenta impedir o leilão de petróleo marcado para a próxima semana, o qual inclui a oferta de diversos blocos de petróleo localizados em áreas de extrema sensibilidade ambiental, como os morros submarinos que formam o arquipélago de Fernando Noronha e o Atol das Rocas, no litoral da região Nordeste.

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Ao menos quatro ações civis públicas (ACP’s) já foram protocoladas na Justiça, em diferentes Estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, na tentativa de barrar essas ofertas incluídas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) no próximo leilão de exploração marítima, marcado para o dia 7 de outubro.

Reportagem publicada nesta quinta-feira, 30, pelo Estadão mostrou que, entre as 92 ofertas de blocos que serão oferecidas na 17ª Rodada de licitações, estão blocos que têm impacto direto e sobreposição com algumas das regiões mais importantes do ecossistema de recifes do Brasil. Trata-se da chamada "Cadeia de Fernando de Noronha", região que envolve a sequência de montes submarinos que se conectam no litoral e que formam o arquipélago de Fernando Noronha e a reserva biológica Atol das Rocas, que foram reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura.

Regiões concentram uma parte importante do ecossistema de recifes do Brasil, reconhecidas como patrimônio pela ONU. Na foto, o Atol das Rocas. Foto: Jonne Roriz/Estadão - 1/9/2012

Entre as ações judiciais movidas contra a oferta dos blocos está a ACP baleia azul. Segundo nota técnica elaborada pelo Instituto Internacional Arayara, a inclusão das bacias Potiguar – que afeta diretamente as regiões de Fernando de Noronha e Atol das Rocas -, Pelotas, Campos e Santos na 17ª rodada do leilão atinge, diretamente, locais onde a Baleia Azul e outras dezenas de espécies em extinção têm seu lar.

No pedido de ação protocolado na Justiça Federal no Distrito Federal, três organizações pedem uma liminar em regime de urgência para suspender a realização do leilão, devido ao risco das atividades petroleiras para a baleia Azul e outras 89 espécies ameaçadas de extinção que vivem nas áreas a serem exploradas.

O pedido da Ação Civil Pública contra a Agência Nacional de Petróleo e a União foi protocolado pela Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda), o Instituto Internacional Arayara e a Associação Nacional de Advogados Animalistas (Anaa).

A baleia azul é o maior animal da Terra, pode atingir até 33,6 metros de comprimento e pesar mais de 140 toneladas.Vive em todos os oceanos e é um animal considerado solitário pelos cientistas. É comum o registro de duplas de mãe e filhote, e de grupos pouco numerosos.

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“A permissão da realização do leilão já é um risco à vida das baleias azuis, uma vez que vai conceder direito aos licitantes vencedores de explorarem o bloco respectivo para encontrar petróleo explorável. (…) Todavia, é evidente a ocorrência de riscos de danos aos ecossistemas e aos animais marinhos. Em especial àqueles ameaçados de extinção”, afirmam as Ongs na ação.

Além das ações judiciais, diversas petições também foram criadas para tentar mobilizar a sociedade civil, como a petição Salve a baleia azul e a Salve Noronha.

Em Santa Catarina, é forte a mobilização contra as ofertas na região. Um total de 1.564.328 pessoas do Estado já assinaram a campanha #SOSLitoralSC e #MarSemPetróleo. Em Pernambuco, 436.128 pessoas assinaram a campanha #SalveNoronha e #MarSemPetróleo e #SalveaBaleiaAzul.

“O Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Petróleo e Gás, com o apoio da Coalizão Não Fracking Brasil e do Observatório do Clima, se colocaram na linha de frente e assumiram o compromisso – que deveria ser da ANP e do Ministério do Meio Ambiente – de proteger estes santuários naturais, com a ajuda da sociedade civil e de entidades do poder público em defesa da vida”, declara Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Observatório do Petróleo e Gás e do Instituto Internacional Arayara.

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Engenheiro e doutor em riscos emergências ambientais, Araújo chama a atenção para os riscos contra a fauna marinha. “O maior mamífero do planeta é colocado duramente em risco. A quantidade de blocos e a região onde se quer colocar as plataformas criaria uma espécie de cerco para as rotas migratórias desse grande cetáceo e de outras baleias”, comenta.

A ANP nega irregularidades na oferta dos blocos. Questionada sobre o assunto pela reportagem, a agência declarou que “não foram identificadas pelos ministérios envolvidos (Meio Ambiente e Minas e Energia) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar”. Ela também disse que a nova rodada de licitações foi aprovada após manifestação prévia e conjunta de ambos os ministérios.

Reações

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O oceanólogo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana Brasil, criticou a condução da política ambiental sobre o tema. “Os oceanos têm um potencial enorme para a produção de energia renovável, pelas ondas e ventos, e nos oferecem resiliência diante da atual crise climática, além de serem uma importante fonte de alimentos. Mas ao invés de investir na proteção dos oceanos, o Brasil corre, com orgulho, para o fim da fila e insiste em fontes fósseis de energia que colocam os recursos marinhos em risco”, disse.

Assim como em 2019, quando foram ofertados blocos de petróleo próximos a Abrolhos, o leilão agendado para o dia 7 de outubro oferece riscos para os ecossistemas marinhos na região dos montes submarinos que conectam o arquipélago de Fernando de Noronha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas, diz Ademilson Zamboni. “É preciso que esses riscos sejam evitados.”

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Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, também lamenta as prioridades da agenda energética. “Daqui a poucos dias, a ANP vai leiloar novos blocos para exploração de petróleo e gás no litoral brasileiro, mais uma boiada que vai na contramão da urgência para a substituição dos combustíveis fósseis, demandada com vigor pelo último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e pelas próprias tendências do mercado.”

A ampliação da produção dos combustíveis fósseis, diz Astrini, não é uma boa ideia nem para empresas, nem para governos, nem para as pessoas e muito menos para o planeta. “Esse quadro piora ainda mais quando se colocam em risco áreas ambientalmente sensíveis, como nosso antigoverno teima em fazer.”

O WWF-Brasil declarou, por meio de nota, que as áreas ofertadas “mostram uma espécie de negação estratégica que chancela a falta de planejamento e visão de futuro” sobre a energia no Brasil. “Além de áreas que se arrastam por anos pela falta de licença (como a Foz do Amazonas) e áreas que estão continuamente ofertadas, mas há anos sem lances pelo setor (como Abrolhos), o novo certame insiste em oferecer sem a realização de avaliações ambientais de áreas sedimentares novas áreas para exploração, o que eleva o risco para investidores e sociedade.”

Na avaliação de Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o leilão é mais um indicativo de que o Brasil está na contramão do mundo, que já iniciou a transição para fontes limpas de energia. “Esta iniciativa compromete ainda mais a segurança climática do País, pois mantém o Brasil em uma rota ascendente de emissões do setor de energia. Vale ressaltar que este leilão tampouco alivia a atual crise energética, posto que investimentos em fósseis só serão concluídos dentro de vários anos, sem qualquer benefício para o momento presente. Este é um exemplo dos motivos pelos quais precisamos aprovar com urgência a PEC da Segurança Climática, colocando esse direito de todos os brasileiros em nossa Constituição.”

Segundo o Instituto Internacional Arayara, porém, a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar dos blocos foi substituída por um parecer conjunto do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente, que “deixaram a ANP à vontade para ignorar os riscos ambientais, sociais e econômicos à toda a população e biodiversidade brasileira”.

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Segundo a ANP, “os normativos em vigor a respeito das diretrizes ambientais foram cumpridos integralmente” e ajustes pedidos pelos órgãos vinculados ao MMA foram acatados, além de as informações ambientais “relevantes e disponíveis” terem sido tornadas públicas.

“Não foram identificadas pelos Ministérios envolvidos (MMA e MME) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar incluídos no Edital da 17ª Rodada de Licitações”, declarou a agência.

O órgão regulador lembrou, porém, que a aprovação dos blocos para oferta no leilão não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental. “As informações ambientais existentes acerca de determinada área, decerto, serão utilizadas por ocasião do respectivo licenciamento ambiental e não suprem a necessidade de estudos ulteriores, cuja exigência são próprias do licenciamento ambiental específico de determinado bloco ou área geográfica”, afirmou.

Até o início de setembro, nove empresas tinham se inscrito para participar da 17ª Rodada. Além da Petrobras, a lista inclui 3R PetroleumChevronShellTotal Energies EP, Ecopetrol, Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás e Wintershall Dea.

Questionado sobre todos os riscos associados ao leilão desses blocos, o Ibama declarou que sua “manifestação enviada à Agência Nacional de Petróleo (ANP) não implica em pré-aprovação ou declaração de viabilidade ambiental das atividades propostas, tendo em vista que outros quesitos precisam ser levados em conta para a concessão da licença”.

Na prática, portanto, o Ibama diz que não garante que a exploração dos blocos seja ambientalmente viável. “Na manifestação, o Ibama não fez objeções ao leilão, mas recomenda atenção a possíveis impactos na pesca da região, nos campos biogênicos e ao acúmulo de atividades concomitantes.”