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Mudança de foco

A rápida deterioração fiscal acabou por levar a agência Standard & Poor’s (S&P) a retirar o grau de investimento do País. O argumento central foi o envio ao Congresso do Orçamento de 2016 com déficit de R$ 30 bilhões. Interessante: essa agência não agiu diante da escalada dos juros do setor público, que atingiu R$ 452 bilhões (!) nos últimos 12 meses encerrados em julho. São “apenas” 15 vezes mais do que o déficit orçamentário.

Por Amir Khair
Atualização:

Enquanto isso, trava-se um falso e enganoso debate na questão fiscal do País. Antepõe-se desenvolvimentistas e ortodoxos discutindo o superávit primário (receitas menos despesas exclusive juros), que representa apenas 10% do rombo fiscal. 

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Pouco ou nada se fala do déficit nominal (receitas menos despesas, inclusive juros), como se faz internacionalmente. Nos 12 meses até julho, ocorreu déficit primário de R$ 51 bilhões (0,9% do PIB) e juros de R$ 452 bilhões (7,9% do PIB), dando um déficit nominal de R$ 503 bilhões (8,8% do PIB). Os juros representaram 90% do déficit fiscal! Só neste ano, até julho, em relação ao ano passado, ocorreu um aumento do déficit nominal em R$ 158 bilhões, dos quais só R$ 18 bilhões foram de déficit primário e R$ 140 bilhões de juros!

O governo não se entende. Move-se pendularmente. Ora a presidente apoia seu ministro da Fazenda, ora seu ministro do Planejamento. Agora, após o rebaixamento do crédito pela S&P, pendeu para seu ministro da Fazenda. Este quer melhorar o superávit primário e encontra dificuldades dentro do governo para cortar despesas e no Congresso para aumentar tributos. Já o ministro do Planejamento quer crescimento econômico para melhorar a arrecadação e não quer todos os cortes de despesa pretendidos pela Fazenda, especialmente na área social. Todos, no entanto, apoiam ou são omissos face à política do Banco Central de subir e manter elevada a Selic, causadora principal dos juros. E, assim, entre trancos e barrancos, o déficit fiscal vai crescendo mês a mês puxado em 90% pelos juros e 10% pelo déficit primário.

Outra questão presente ao debate fiscal é a criação/elevação de tributos para equacionar o déficit de R$ 30 bilhões do Orçamento 2016. Isso, além da já saturada carga tributária, só vai aprofundar a recessão, desgastar mais ainda o governo e correr o risco de o aumento pretendido ser repudiado no Congresso. 

O governo federal já perdeu R$ 112 bilhões (!) de sua receita líquida entre a previsão inicial e a última revisão feita em julho por causa da recessão. Vai perder mais ainda com o aprofundamento da recessão. Para aumentar a arrecadação, é necessário crescer a economia. A arrecadação depende do nível da atividade econômica (PIB) e da inadimplência no pagamento dos tributos. Na crise, a inadimplência sobe, fazendo a arrecadação ficar 2 a 3 pontos porcentuais abaixo da evolução do PIB. No crescimento, a inadimplência inverte, ficando de 2 a 3 pontos acima da evolução do PIB. O diferencial entre recessão e crescimento é de 4 a 6 pontos porcentuais do PIB. Portanto, o melhor remédio para a receita do setor público é o crescimento econômico. 

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Além da perda de arrecadação em curso, há outro entrave. O ministro da Fazenda defende a redução das despesas sociais, principalmente em cima do reajuste do salário mínimo e da idade mínima para a aposentadoria. Fala, em sintonia com as teses do mercado financeiro, em ajuste estrutural das contas públicas, argumentando que o governo não cabe no PIB. O corte de despesas, para analistas do mercado financeiro, é em cima do que consideram excesso nas despesas sociais. Ao mirar aí, deslocam o foco do que interessa a esse mercado: as altas taxas de juros (Selic e ao tomador), principais condutores do lucro bancário.

Essas análises afirmam que as despesas com juros causadas pela Selic só poderão cair após a inflação atingir a meta de 4,5%. Nada mais falso. Essas despesas podem e devem iniciar a queda imediatamente, com a redução do estoque de títulos públicos via venda de US$ 100 bilhões das reservas internacionais, que se encontram superdimensionadas, segundo estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Esse estudo defende a cobertura de uma vez a uma vez e meia o nível de exposição estimado pelo FMI em US$ 114 bilhões, ou seja, as reservas deveriam cobrir no máximo US$ 170 bilhões (1,50 x 114). Como as reservas se encontram em US$ 370 bilhões há, segundo o FMI, um excesso de US$ 200 bilhões. Caso fosse vendido apenas metade desse excesso, ou seja, US$ 100 bilhões, seriam abatidos da dívida mobiliária do Tesouro Nacional R$ 390 bilhões, ou seja, 15,8% dela. 

Outras ações imediatas e com efeito crescente na redução das despesas com juros são: a) substituir a emissão de títulos por moeda, como fazem desde a crise de 2008 os Estados Unidos, Europa e Japão; b) reduzir a Selic ao nível da inflação; e c) reverter a exposição do Banco Central nas volumosas perdas com os US$ 114 bilhões de swaps cambiais.

Essas medidas poderão gradualmente fazer refluir os juros dos atuais 8% do PIB para níveis próximos da média internacional, de 2% do PIB, ao cabo de alguns anos.

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Ao negligenciar a queda dos juros, o governo só vai acelerar a relação dívida/PIB, que é o indicador macroeconômico principal na mira das agências de classificação de risco. No início do ano passado, estava em 53,3%, e alcançou 58,9% ao final de 2014. Cresceu, na média, 0,47 ponto porcentual por mês. No fim de julho, pulou para 64,6%. Acelerou o crescimento médio mensal deste ano para 0,81 ponto porcentual.

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Outro indicador de risco de crédito do País é o déficit em transações correntes (saldo das contas externas) em relação ao PIB. Felizmente, ele está caindo em consequência da desvalorização cambial e da recessão, que reduzem as importações, a remessa de dividendos e as viagens internacionais. Esse indicador não preocupa as agências, pois sua perspectiva continua favorável.

Diante do contexto de manutenção da política econômica, dificilmente o governo vai escapar de novos rebaixamentos neste ano e ruma veloz para a deterioração fiscal conduzida pelos juros. Se ainda quiser escapar do rebaixamento, precisa sinalizar já com a interrupção e queda da relação dívida/PIB com as propostas apresentadas. Não basta falar em se comprometer com o superávit fiscal de 0,7% do PIB, que é a última promessa da presidente atendendo seu ministro da Fazenda. Esse compromisso faz cosquinha perante o estrago de a Selic permanecer no nível atual. A piora da relação dívida/PIB é certa, especialmente em ambiente recessivo.

É imperioso mudar o norte da política econômica do fracassado ajuste fiscal para o de crescimento econômico com redução de juros. A perda do grau de investimento pela S&P pode servir de alerta para a mudança. Não dá para escapar da imediata redução da Selic e refluir o estoque de swaps cambiais, que causam a deterioração fiscal. Aguarda-se o prosseguimento da desvalorização cambial com o refluxo do capital especulativo internacional face à perda do grau de investimento. Isso acelera a perspectiva de ampliação das exportações, uma das saídas importantes para a retomada do crescimento. É necessária a mudança de foco na política econômica. A conferir. 

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