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Muito ruído. Mais transparência

Na nova dinâmica política, o importante é ver se o ‘núcleo duro’ das propostas está sendo aprovado ou não

Por José Márcio Camargo
Atualização:

A tradição política brasileira é negociar nos bastidores e enviar as propostas para o Congresso quando os acordos já estão, em grande parte, consolidados. Uma frase atribuída ao ex-presidente Tancredo Neves reflete bem este processo: “Só se convoca uma reunião quando já se conhece o resultado”.

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Uma das bandeiras do presidente Bolsonaro na campanha era exatamente acabar com essa tradição. Segundo o candidato, a estratégia de negociar a portas fechadas estaria na origem da corrupção gerada pelo que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. Como ninguém sabia o que efetivamente era negociado, os acordos acabavam por incluir distribuição de cargos, pagamento de propinas, etc., e os governantes, intencionalmente ou não, ficavam reféns de interesses dos grupos envolvidos.

Se essa avaliação está correta, não vem ao caso. O importante é que, ao assumir, o presidente rompeu com a tradição e acabou com o presidencialismo de coalizão. Em lugar de negociar previamente com os agentes envolvidos o teor das propostas (congressistas, corporações, empresários, etc.), o presidente as prepara com seus auxiliares diretos e, uma vez prontas, as envia ao Congresso. A partir daí a responsabilidade pela aprovação ou rejeição dessas propostas é explicitamente transferida aos congressistas.

Isso não significa que as negociações deixaram de existir. Mas, sim, que passaram a ser realizadas publicamente, com a participação dos ministros das áreas às quais as propostas se referem e de seus auxiliares, quase sem a participação direta do presidente. O ministro da Economia negocia a reforma da Previdência, o das Minas e Energia negocia a privatização da Eletrobrás, o ministro da Justiça negocia o pacote anticrime, e assim por diante.

Esta quebra de tradição gerou mudanças importantes na dinâmica da política brasileira e tem dado origem a diferentes avaliações dos analistas. Como as discussões são públicas, divergências e concordâncias também se tornaram públicas. O que parecia uma unanimidade, agora, se converteu em disputa aberta. Elas já existiam antes, mas eram resolvidas por meio de negociações entre quatro paredes.

Aumentou o nível de ruído. Afinal, a priori, ninguém sabe qual será o resultado final da negociação e toda vez que se chega a um impasse parece que as negociações estão próximas de serem rompidas. Em compensação, aumentou a transparência e, pelo menos aparentemente, diminuíram a troca de favores e os expedientes ilegais que levaram à prisão de inúmeros políticos nos últimos anos, por denúncia de corrupção, e à desmoralização da política tradicional.

Como a negociação continua, os dois lados contabilizam vitórias e derrotas. Mudanças são introduzidas pelos congressistas nas propostas enviadas pelo governo, partes das propostas são aprovadas, outras são rejeitadas, vetos presidenciais são derrubados, outros são aprovados, e assim por diante. Essa é a nova dinâmica do Congresso. O importante é averiguar se o “núcleo duro” das propostas enviadas está sendo aprovado ou não.

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Esta dinâmica dificulta a avaliação sobre o apoio do presidente a seus ministros. Afinal, ele pouco se manifesta sobre as negociações que estão em andamento. E o silêncio do presidente é avaliado por muitos como ausência de apoio.

Não é, ainda, possível afirmar se essa estratégia aumentou ou diminuiu a capacidade do governo de aprovar seus projetos. Vários projetos importantes foram aprovados e outros, rejeitados. As previsões de que nada seria aprovado não se concretizaram. As idas e vindas das negociações geram ruídos e volatilidade nos mercados financeiros, por serem, muitas vezes, consideradas derrotas do governo. Ao mesmo tempo, aumentou a transparência, é mais democrático e diminuiu o toma lá dá cá. Neste ambiente, é importante não confundir transparência com incapacidade de negociação. Por enquanto, os resultados obtidos são positivos.*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA GENIAL INVESTIMENTOS

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