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Murdoch, enfim, teve de ceder no ''''Wall Street Journal''''

Página editorial do jornal também ganhou proteção contra o novo dono

Por David Carr
Atualização:

Alguns dos vencedores na compra do Wall Street Journal pela News Corporation foram menos visíveis do que outros. Veja, por exemplo, o caso de Paul A. Gigot, o editor de opinião do Journal. Se você verificar os detalhes do acordo editorial entre a News Corp. e o Wall Street Journal, vai constatar que foram concedidas a Gigot as seguintes prerrogativas: autoridade para escolher membros do conselho editorial, colunistas, o editor da seção de opinião, os editores de resenha de livros e outras seções e, o mais importante, a palavra final tanto sobre artigos de opinião como posicionamentos editoriais. Sou totalmente a favor da independência editorial por razões óbvias, mas a página editorial é historicamente o playground do responsável pela publicação de qualquer jornal, o local onde os proprietários podem deixar claras suas posições. Com esse acordo, a operação editorial do Journal não apenas mantém sua independência em relação à notícia, mas também conta com uma parede corta-fogo entre ela e seu proprietário. Gigot ajudou na redação do acordo, portanto, não constitui surpresa o fato de que seu cargo, se não for apenas de nome, é uma das jóias da coroa considerada merecedora de proteção. Se o acordo for estritamente cumprido, isso quer dizer que Murdoch não pode trocar os editores de opinião nem determinar cargos editoriais, algo que qualquer outro dono de jornal dos EUA dá como certo. Os leitores geralmente não entendem o pacto, mas um alto muro separa as páginas editoriais de um jornal de sua operação noticiosa. Posso dizer por experiência própria que as pessoas relacionam o liberalismo percebido na página editorial do New York Times aos seus jornalistas, e as pessoas que fazem as manchetes para o Wall Street Journal muitas vezes ficam confusas com seus primos loucos no verso da primeira seção. Mas a divisão é bem real - os dois não se encontram e muitas vezes entram em conflito. A permissão para que os donos dos barris de tinta espirrem alguma nas páginas de opinião reduz o dano ao mínimo. Assim, como Murdoch permitiu que esse trato acontecesse? A página editorial do Wall Street Journal sempre foi reconhecida por sua disposição para ir contra qualquer pessoa em defesa da sua versão de liberdade, incluindo bombardear suas próprias páginas de noticiário. Parte dessa agressão verbal talvez tenha diminuído desde que Gigot assumiu em 2001, em substituição a Robert L. Bartley, que tendia a atirar primeiro e, depois, atirar ainda mais. Mas o fervor em defesa da versão deles de "mercados livres, homens livres" permanece. O quão tendenciosa é essa página? Bem, num editorial recente que, de outra forma, teria ridicularizado o senador Barack Obama por sugerir que os EUA devem levar a guerra para o Paquistão contra aqueles que fizeram guerra contra nós, deu-lhe uma folga, dizendo: "Qualquer um que queira ficar à direita de Rummy em relação ao contraterrorismo não pode ser tão ruim assim". O tapinha na cabeça meio que diz tudo, com uma homenagem a Donald H. Rumsfeld, o homem que continua sendo um herói popular dentro do clube a despeito da ter perdido o cargo de secretário de Defesa, com o uso muito íntimo de "Rummy" para um efeito adicional. Gigot já trabalha com Murdoch, ancorando um programa de televisão no Fox News Channel. E, como ressaltou o New York Observer, eles participaram juntos de uma mesa redonda exatamente uma semana depois que Murdoch fez uma oferta por escrito pela Dow Jones, a empresa que publica o Wall Street Journal, mas antes que essa proposta se tornasse pública. Se Murdoch acabar se intrometendo no restrito clube que é a página editorial, Gigot pode apelar para o chamado comitê especial e as conclusões serão publicadas na página editorial. Se Murdoch, então, passar brutalmente por cima do comitê, também, este poderá procurar reparação nos tribunais, segundo o contrato que faz parte da transação. Diante da posição histórica da página editorial em tais questões, há uma certa ironia no fato de que sua missão esteja agora protegida por uma cláusula contratual que permite a supervisão judicial da conduta perfeitamente legal de um dono de empresa. Recorrer à Justiça para impedir Murdoch de se intrometer na página editorial do Journal? Esse é um editorial que nós gostaríamos de ler.

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