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Na geladeira

As autoridades tornaram o sistema bancário mais seguro, mas isso não teria aumentado o risco nos mercados?

Por The Economist
Atualização:

Para ter certeza de que está em conformidade com as 750 novas regras sobre capital criadas depois da crise financeira de 2008, o JP Morgan Chase emprega mais de 950 funcionários. E há mais ou menos outros 400 que tentam acompanhar cerca de 500 normas sobre a liquidez dos ativos, elaboradas para impedir que o banco quebre, caso os mercados sequem de repente. Uma equipe de 300 pessoas tem a responsabilidade de monitorar o cumprimento da “regra de Volcker”, que em quase mil páginas obriga os bancos a restringir as operações de mercado feitas com recursos próprios.

O objetivo de todas essas normas é prevenir uma repetição da quebradeira de bancos, e das consequentes operações de socorro, ocorrida em 2008. Mas alguns observadores, entre os quais se incluem o presidente do JP Morgan, Jamie Dimon, e o ex-secretário do Tesouro americano, Larry Summers, argumentam que, na pressa de tornar os bancos mais seguros, as autoridades podem ter exposto o sistema financeiro a um nível de risco mais elevado. A tese é que, ao garrotear as partes dos bancos que “formam mercados” em títulos, ações, moedas e commodities, os órgãos regulamentadores reduziram a liquidez desses ativos. Os investidores talvez não consigam mais comprá-los e vendê-los de forma rápida, barata e sem causar variações bruscas em seus preços. Durante uma crise, quando a liquidez já tende a ser menor mesmo, as consequências podem ser graves.

JP Morgan mantém mais de mil funcionários só para se certificar de que está cumprindo normas para o setor bancário Foto: Reuters

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Os bancos de fato reduziram sua atuação no mercado, pois, com a miríade de novas regras, as mesas que operam com recursos da tesouraria encontram dificuldades para obter lucros satisfatórios. Era comum que os bancos “armazenassem” grande quantidade de títulos e outros papéis, comprados de um cliente com a intenção de serem vendidos a outros. Agora, porém, eles precisam manter um volume maior de capital e ativos líquidos, a fim de se proteger contra potenciais perdas com essas operações. Por isso seus estoques de papéis se tornaram muito menores e suas apostas no mercado, menos frequentes. Grosso modo, as mesas de operação continuam a fazer a ponte entre compradores e vendedores, mas relutam em adquirir papéis antes de ter alguém interessado em comprá-los.

Ao mesmo tempo, o valor do mercado de títulos atingiu níveis recordes - e a maior parte desses papéis está nas mãos de gestoras de ativos. Isso é, em parte, uma consequência direta da contração do crédito oferecido pelos bancos - coisa que levou os tomadores a migrar para o mercado de títulos - e, em parte, uma reação natural às taxas de juros baixas. Mesmo empresas com histórico de crédito pouco consistente têm vendido títulos de “alta rentabilidade” (para compensar o risco) a investidores ávidos por retornos. Os governos também continuam sendo fortes tomadores.

O resultado é um desequilíbrio. Nos Estados Unidos, os fundos de investimento costumavam ter carteiras de títulos apenas três vezes maiores que as dos bancos. Agora elas são 20 vezes maiores, segundo dados do Federal Reserve. Dimon diz que, no caso dos títulos do Tesouro americano, a desproporção é ainda maior. Em 2007, o JPMorgan e os demais bancos geralmente tinham US$ 2,7 trilhões disponíveis para a formação de mercados. Agora o valor se reduziu para apenas US$ 1,7 trilhão - apesar de a dívida pública dos Estados Unidos ter dobrado de lá para cá. Na Europa, onde foram ainda mais estranguladas as operações dos departamentos que funcionavam como bancos de investimento no interior das instituições bancárias, a situação talvez seja mais grave.

O resultado dessa assimetria, dizem os pessimistas, são episódios como a “queda relâmpago” do ano passado, durante a qual, sem nenhuma razão aparente, a taxa de retorno dos títulos do Tesouro americano repentinamente recuou 0,34% - uma variação extraordinária para um papel que é a viga mestra do sistema financeiro global.

A preocupação é com todo tipo de títulos de dívida, cujos volumes de negociação são muito inferiores aos de ações, moedas e commodities. Fundos que se propõem a acompanhar o desempenho de índices de títulos corporativos geralmente oferecem aos investidores a possibilidade de resgatar seus recursos a qualquer momento, a despeito da relativa iliquidez de seus ativos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calculou recentemente que um fundo que opera com títulos corporativos de alto risco pode levar de 50 a 60 dias para encontrar compradores para seus papéis. Já os seus investidores em geral têm o direito de receber o dinheiro aplicado sete dias após a solicitação de resgate. “Nenhum veículo de investimento deveria oferecer liquidez maior do que a garantida pelos ativos que o lastreiam”, diz Howard Marks, presidente do fundo Oaktree.

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Os órgãos reguladores estão a par de tudo isso. A Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos) tem solicitado às administradoras de ativos que realizem testes de estresse para se certificar de que estão em condições de enfrentar uma crise. O Banco da Inglaterra quer que elas verifiquem com cuidado suas regras de resgate. Por outro lado, há também a suspeita de que o alto nível de liquidez observado antes da crise era uma anomalia a que os banqueiros agora se referem como uma situação normal, e mais positiva, na esperança de convencer as autoridades a permitir que eles voltem a operar sem os constrangimentos impostos pelas novas regulamentações.

As administradoras de ativos também têm consciência dos riscos impostos pela redução da liquidez. A BlackRock, maior gestora de fundos do mundo, diz que, em razão disso, está limitando sua exposição a certos papéis. Outras gestoras optam por fragmentar suas vendas e compras quando têm de realizar operações muito grandes, a fim de não interferir negativamente no mercado. Ou então operam menos do que o fariam em outras circunstâncias. Os fundos que replicam índices de títulos mantêm recursos em caixa para atender às solicitações de resgate. Outra opção que eles têm é investir em derivativos vinculados ao índice replicado, pois em geral esses instrumentos são mais líquidos que os títulos individualmente. Na eventualidade de uma onda de resgates, os derivativos podem ser liquidados sem grandes prejuízos.

Uma terceira alternativa é “furar” os bancos. Muitas administradoras de ativos têm tentado realizar operações cruzadas, trocando diretamente ativos umas com as outras, em vez de recorrer à intermediação das instituições bancárias. Acontece que, no caso dos títulos de dívida, não é fácil casar ordens de compra e venda eletronicamente: a maioria das empresas têm apenas um ou dois tipos de ações, mas muitas emitem dezenas de títulos, denominados em moedas diferentes e com diversas datas de vencimento. Já houve algumas tentativas de criar plataformas de negociação, mas poucas atraíram volume significativo.

Mesmo que essa maneira de operar se consolide, as administradoras de ativos não têm como dispensar totalmente os bancos. Seu poder de compra não é tão grande, já que seus balanços patrimoniais não são engordados com dinheiro emprestado. E são relativamente poucas as gestoras que, entre as estratégias que podem adotar para alcançar seus objetivos, incluem a realização de transações na contramão do mercado: a maioria (em especial as que acompanham passivamente a variação de um índice) quer assumir ou abandonar as mesmas posições ao mesmo tempo.

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Isso tudo significa que, em momentos de turbulência, as gestoras de ativos se verão de fato obrigadas a se desfazer, a preço de banana, de grande quantidade de papéis. Mas, ao contrário dos bancos, que podem quebrar em virtude de perdas com operações de mercado, essas gestoras apenas custodiam os recursos dos clientes. Todo prejuízo em seus fundos é diretamente repassado para os investidores. Colocar os bancos - instituições altamente alavancadas e interligadas - sentados em cima desse risco mostrou-se uma receita desastrosa durante a crise. É possível que o garrote regulatório a que eles foram submetidos tenha realmente tornado os mercados mais perigosos. Mas, ainda assim, esse talvez seja um preço aceitável a pagar para que os bancos fiquem mais seguros.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ANNA CAPOVILLA, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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