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Na terra dos frangos, o fim da concorrência

Fusão Perdigão-Sadia é chance de produtor do oeste de SC negociar melhores preços e condições de trabalho

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

Os 6 mil produtores integrados da Sadia e da Perdigão em Santa Catarina já começam a se mobilizar. Eles querem negociar com a Brasil Foods (BRF), gigante formada pela união das duas empresas tradicionais do setor de aves e suínos, mais benefícios sociais e financeiros. Espalhados por 80 municípios do oeste catarinense, eles criam cerca de 50 milhões de aves, produção maior que a de países como o México, quinto produtor mundial. A região concentra 56% da produção nacional. Com a fusão, a BRF vai administrar o que o presidente da Cooperativa Regional dos Produtores de Aves e Suínos (Cooperavisu), Orestes Guerreiro, chama de "um país" de frangos. Milhares de aviários se espalham pelas estradas rurais que serpenteiam as serras a partir de rodovias como a BR-282 e a SC-463. Por trás de cada um deles tem uma família que, agora, passa a depender da nova empresa. "O momento é oportuno para replanejar o sistema de integração", diz Guerreiro. A entidade, com sede em Joaçaba, congrega os 3 mil integrados da Perdigão, mas Guerreiro já foi procurado pelos parceiros da Sadia, que ainda não têm representação. "Nenhum integrado vai ficar órfão. Assim que unirmos os dois grupos, vamos pedir a extensão do plano de benefícios a todos os integrados." Apenas os parceiros da Perdigão têm plano de saúde com cobertura nacional e seguro contra danos nos aviários, conquistas da cooperativa bancadas pela empresa. "Se cabe no orçamento da Perdigão, caberá no da BRF", avalia Guerreiro. Ele quer que a nova empresa adote política única de preços para remunerar os integrados, usando a tabela mais elevada. "Não sei qual empresa remunera melhor, mas tem de ser adotado o valor mais alto." No sistema de integração, o produtor rural entra com o terreno, as instalações, como granjas e aviários, e equipamentos sofisticados, como controladores automáticos de ração, água e temperatura, além da mão de obra. A empresa fornece os animais - pintinhos ou leitões -, a alimentação, medicamentos e assistência técnica. Assim que os animais são retirados para o abate, a empresa usa uma tabela para remunerar o produtor, levando em conta a eficiência em itens como o ganho de peso. Segundo Guerreiro, um produtor caprichoso, com um aviário de 1.200 metros para 13 mil frangos, por exemplo, pode receber até R$ 8 mil a cada 42 dias. Atualmente, só um terço obtém esse resultado. "Vamos negociar com a nova empresa mais investimento para estimular a automação dos aviários e a melhoria nesse padrão." O produtor Naltuir Nezelo, de 67 anos, integrado da Sadia em Chapecó, tem esperança de que a nova empresa recupere a confiança dos parceiros. Ele é um dos pioneiros: trabalha há 40 anos com a empresa, agora com a ajuda do filho, Julierme, mas está com um pé atrás. "Nunca imaginei trabalhar para o concorrente", diz, referindo-se à Perdigão. Nezelo cria perus, mas está com os aviários parados há três meses. "Disseram que é por causa da crise, mas a gente depende disso." Placas instaladas na entrada dos sítios indicam a "bandeira" do integrado - a empresa à qual está ligado. Os domínios da Sadia se estendem de Concórdia, cidade-sede, com 70 mil habitantes, a Chapecó, com 200 mil, atingindo um raio de 100 km. São frigoríficos, incubadoras, silos e fábricas de ração que alimentam também os plantéis de perus e suínos da empresa. O território da Perdigão começa nos municípios de Vargem Bonita e Jaborá, e segue até Videira, de 50 mil habitantes, onde a empresa nasceu. Ali fica o frigorífico de suínos que marcou o início da empresa, há mais de 70 anos. Videira abriga ainda a maior fábrica de rações do grupo e um abatedouro para 8 milhões de aves por mês - outra unidade, para 13,2 milhões de abates, fica em Capinzal. Apesar de pequena, está entre as dez cidades com maior arrecadação no Estado. A ligação com a Perdigão é tão grande que, até há pouco tempo, produtos da Sadia não entravam no comércio local. "A visão do povo é de que seria uma traição comprar outra marca, pois a maioria tem alguém da família na Perdigão", diz o comprador comercial Moisés Ribeiro. As duas empresas respondem por mais de 50% da economia nessa região de imigrantes italianos e alemães. "Foram eles que trouxeram a cultura da criação de frango e de suíno", conta o supervisor de área da Perdigão, Vanderlei Matos. O extensionista Valdemir Vicelli, com quase 30 anos de Perdigão, sabe que em breve passará a atender os integrados da grande rival. "Nunca imaginava que isso fosse acontecer, mas acredito que vai ser bom." O produtor Nivaldo Santi, integrado desde 1973, é um dos que prosperaram com a empresa: em aviários sofisticados, com luz, ventilação e temperatura controladas, ele cria 150 mil frangos por mês. Santi acredita que a BRF precisará de produtores tecnificados. "Quanto mais forte a empresa, menor o meu risco." Pequeno produtor, Vilmar Chiot, de 50 anos, cuida com carinho dos 6,8 mil pintinhos da Perdigão em seu sítio, em Vargem Bonita. Ele soube da fusão pela TV e já provocou o vizinho, integrado da Sadia. "Convidei ele para visitar meu aviário, pois não vamos mais ser concorrentes." Entre os integrados da Sadia, o clima ainda é de desconfiança. O produtor Eron Baldissera, de Chapecó, que mantém 14 aviários com capacidade para 50 mil perus, estava na iminência de romper a parceria. "Fiquei 100 dias com os aviários parados e nem me deram satisfação." Nesse período, seus 26 funcionários receberam sem trabalhar. Os perus chegaram há 15 dias, mas em quantidade menor que a esperada. Ele espera que, com a fusão, seja revista a tabela de custos e melhore a relação com os integrados. Valdecir Barbieri, de Jaborá, cria suínos para a Perdigão e está confiante. "Vamos ser uma empresa forte."

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