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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|Nada a comemorar, nem a lamentar

Autoridades precisam ser cuidadosas ao revelarem suas preferências sobre o patamar da taxa de câmbio

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Atualização:

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em algumas oportunidades, tem comemorado publicamente, e com ênfase, a forte depreciação que o real vem registrando ante o dólar, desde o ano passado. Só em 2020, até a última sexta-feira, o real desvalorizou-se 8,5%. Esse movimento de alta se dá com elevada volatilidade, o que gera incertezas. Por exemplo, no dia 13/2, um dia após o ministro fazer mais uma dessas declarações, a taxa de câmbio alcançou R$ 4,38, só recuando após intervenção do Banco Central (BC).

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Quando o ministro afirma que o real depreciado “é bom para todo mundo”, é imediato concluir que ele acredita que o aumento das exportações líquidas, decorrente da depreciação cambial, acelerará a expansão do PIB. Isso se daria pelo estímulo às exportações e pela substituição de importações, inclusive de serviços. O déficit atual em conta corrente tenderia a se reduzir muito ou até mesmo a se converter em superávit. Há alguns problemas, inclusive de consistência macroeconômica, com essas manifestações de Paulo Guedes.

Comecemos pela questão macroeconômica. O Brasil tem baixíssima taxa de poupança bruta doméstica (13,6% do PIB, em 2017). Se essa restrição não se atenuar – e é provável que isso não ocorra a médio prazo –, elevar os investimentos dependerá de o País receber poupança externa, que é o mesmo que o déficit em conta corrente. Enquanto a economia opera muito abaixo do pleno-emprego, com grande ociosidade no uso dos recursos produtivos, como ocorre hoje, a baixa taxa de poupança não chega a ser uma restrição. O aumento das exportações líquidas supre a fragilidade da demanda doméstica, que naturalmente tenderia a liberar poupança.

A situação é completamente diferente quando a economia opera em pleno-emprego, no jargão técnico, quando o hiato do produto for próximo de zero. O estímulo cambial não poderá gerar aumento do investimento, a não ser que a poupança doméstica cresça. Sem isso, a depreciação da moeda provocará inflação, que forçará o BC a elevar os juros e isso abortará o efeito expansionista do câmbio.

Em síntese: economias com baixas taxas de poupança doméstica não conseguem estimular, de forma sustentada, o crescimento induzido por superávits em conta corrente.

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Em segundo lugar, num mundo que opera com predomínio das cadeias globais de valor, ou seja, quando as firmas envolvidas na produção de um bem ou serviço situam-se em vários países, o efeito do câmbio sobre as exportações é pequeno, e é superado largamente pela elasticidade-renda, ou seja, pelo crescimento da renda global e, consequentemente, do fluxo de comércio mundial.

As cadeias globais de valor também limitam o efeito da depreciação cambial sobre a substituição de importações. No caso brasileiro, porém, a alta carga tributária sobre a produção, além das carências de infraestrutura, são variáveis muito mais importantes do que a taxa de câmbio, que normalmente é volátil, para a decisão de passar a produzir no Brasil partes, peças, componentes e bens de capital que hoje são importados.

Outro problema sério no raciocínio do ministro é não levar em conta que o real mais depreciado eleva o preço relativo dos bens de capital, boa parte deles importada. Isso tende a dificultar a modernização das indústrias e até de serviços, como os de diagnósticos em saúde e telecomunicações, entre outros. Claro, isso afeta negativamente a produtividade da economia.

Finalmente, depreciação cambial brusca, com volatilidade elevada, tem efeitos negativos sobre o balanço de empresas com exposição em moeda estrangeira. As autoridades da área econômica precisam levar em conta que, ao revelarem suas preferências sobre o patamar da taxa de câmbio, provocam ganhos e perdas inesperados e injustificados para os agentes econômicos.*ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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