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'Não dá para esperar, temos de comer hoje', diz informal sobre auxílio do governo

Kauê tenta não criar expectativas sobre o pagamento do benefício emergencial de R$ 600; assim como ele, outros trabalhadores também tentam não contar com a medida

Por Douglas Gavras
Atualização:

Há duas semanas, quando Kauê Mafra, de 31 anos, chegava para vender quentinhas a funcionários de um call center em São Paulo na hora do almoço, ele se preparava para entregar mais de 45 pratos prontos por dia. Com clientes fiéis, ele e o tio conseguiriam ganhar o suficiente para pagar as contas do mês.

Desde que a pandemia do novo coronavírus atingiu o País, no entanto, tudo mudou. Metade da clientela de atendentes de telemarketing passou a trabalhar de casa. Com a restrição de circulação, imposta para tentar conter o avanço da covid-19, os funcionários do comércio vizinho também deixaram de comprar o almoço com eles. A renda, que já era apertada, praticamente sumiu. “Queria ficar em casa, mas ainda não posso.”

Kauê Mafra vende quentinhas a funcionários de call center, mas procura caiu. Foto: Douglas Gavras/Estadão

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Quando pensa no auxílio emergencial de R$ 600, destinado a proteger os trabalhadores informais afetados pela quarentena, Mafra tenta não criar expectativas. “Seria mais do que bem-vindo, mas não dá para ficar esperando. O aluguel continua vencendo, a gente precisa comer hoje.” 

De acordo com pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, o auxílio emergencial para os informais aprovado pelo Congresso poderá beneficiar até 36,4 milhões de famílias, o equivalente a 55% da população brasileira.

Pelos critérios de elegibilidade que o governo estabeleceu, 59,2 milhões de brasileiros estariam aptos a receber o benefício, sendo que mais de 80% deles já fazem parte do Cadastro Único – registro de famílias de baixa renda – e 30% do total seriam beneficiários do Bolsa Família.

Uma delas é a família do carregador Mauro Santos, de 58 anos. Dono de um carrinho que usa tanto para transportar entulho quanto para recolher material reciclável pelas ruas da cidade, ele viu o cotidiano de São Paulo mudar nos últimos dias – e sua renda cair para um terço do que era antes da pandemia. “O trânsito era tão pesado, que eu tinha de tomar cuidado para desviar dos carros. Agora, dá pena de ver tudo vazio. Só me arrisco a ficar doente porque preciso.”

Perto dali, a diarista Marilza Salles, de 60 anos, espera a sua vez na fila de um restaurante popular. Os almoços a R$ 1 viraram parte da rotina, agora que o trabalho foi reduzido. “Alguns patrões para quem trabalho há mais tempo continuaram me pagando, mesmo sem poder limpar as casas. Mas o dinheiro não dá. Dizem que o governo vai dar essa ajuda aí, mas é tanta gente informal, que eles não devem conhecer nem metade das famílias que precisam.”

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A falta de dados dos informais também preocupa os economistas. Ainda de acordo com o Ipea, a eficiência do benefício vai depender da forma como ele for implementado e uma das principais dificuldades vai ser cadastrar informais que não são inscritos no Cadastro Único, cerca de 11 milhões de pessoas – ou 18% dos potenciais beneficiários.

O engraxate José Leite, de 44 anos, não faz parte do Cadastro Único. Sem clientes para atender, ele joga cartas com um colega, enquanto espera que as coisas voltem a melhorar. “Não acho que as pessoas devam trabalhar enquanto esse vírus estiver por aí, mas o governo precisa se entender com a barriga dos meus filhos.”.

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