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''Não estou preocupado com o déficit ou a dívida pública''

James K. Galbraith: professor de economia da Universidade Texas; [br]Para o economista, que é filho de John Kenneth Galbraith, sem gastos do governo, a economia dos EUA se desintegraria

Por Luciana Xavier e AGÊNCIA ESTADO
Atualização:

O governo dos Estados Unidos deve continuar gastando para estabilizar a economia, disse ontem o economista americano James K. Galbraith - filho do renomado John Kenneth Galbraith e professor da Universidade Texas -, em entrevista à AE Broadcast Ao Vivo, por telefone, de Austin, Texas. "Não estou preocupado com o déficit ou a dívida pública", disse. "Sem esses gastos, a economia iria se desintegrar." Sua preocupação é com a transferência das perdas do sistema bancário para o governo, sem nada significativo em troca. "Isso é muito, muito sério." Para ele, a China poderá se recuperar mais rapidamente e, com isso, o Brasil deve ser beneficiado. Está mais fácil ter uma visão geral da crise? Talvez. Temos alguma noção de quão violenta e profunda é esta crise, numa escala que não víamos desde os anos 30. O índice de confiança do consumidor atingiu em maio o maior nível em oito meses. O sr. reconhece sinais consistentes de recuperação da economia dos Estados Unidos? Não dou muito peso a indicadores de confiança do consumidor. Mas acho que tivemos liquidação de inventários, que puxaram os estoques para baixo. Então, haverá algum reavivamento da produção. E temos enormes quantias do orçamento sendo destinadas às famílias e isso também está ajudando muito. Como sr. vê a situação do sistema bancário no momento? Os testes de estresse mostraram a real condição dos bancos? Os testes não mostraram a real condição dos bancos. Eles foram elaborados para dar segurança ao público. Não foram testes de estresse, como é feito no senso normal da prática regulatória. Mas está claro que o governo está colocando seu peso por trás das instituições bancárias. Desse ponto de vista, se você quer saber se os bancos vão sobreviver, acho que a resposta é sim. Simplesmente porque suas perdas serão absorvidas pelo contribuinte, com o passar do tempo. Com relação ao déficit e à dívida pública dos EUA. O sr. disse em um artigo que eles podem, devem e vão subir com a crise. Por quê? É muito importante, quando o setor privado está em colapso, que o setor público gaste, reduza os ganhos com impostos e aumente as despesas, de modo a pôr dinheiro no bolso do setor privado, ajudando a estabilizar o nível total da atividade. Então, desse ponto de vista, não estou preocupado com o déficit ou a dívida pública. É positivo que isso esteja ocorrendo, pois, sem esses gastos, a economia iria se desintegrar. Mas estou, sim, preocupado que estejamos fazendo uso improdutivo dos recursos fiscais, da dívida pública, simplesmente transferindo as perdas do sistema bancário para as contas do governo, sem nada significativo em troca. Vamos terminar com o sistema bancário sem reformas e muitos dos problemas que nos trouxeram para esta última crise, sem solução. Não vejo nenhum avanço e isso é muito, muito sério. O que deve ser feito? Eu iria me dirigir de modo mais duro aos principais bancos que fizeram jogos mais perigosos, aqueles que foram os maiores responsáveis por essa crise e tiveram mais perdas com o subprime. Pediria uma extensa auditoria de seus balanços. Iria avaliar seus ativos e pedir que suas perdas fossem colocadas na contabilidade da instituição, no lugar de simplesmente serem removidas para essas parcerias público-privadas, que vão sobrar, nos final das contas, para o contribuinte. O sr. disse que não está preocupado com o aumento do déficit e da dívida dos EUA. Não vê problema caso os EUA venham a perder o rating soberano AAA? As agências de rating, que falharam de modo escandaloso ao tentar entender o mercado de hipotecas subprime, não devem ser levadas a sério agora, no que se refere a entender como a dívida publica dos EUA funciona. Não há absolutamente razão, não há como os Estados Unidos, que nunca tiveram default em 50 anos, terem agora default da dívida em dólares. Enquanto houver eletricidade fazendo os computadores no Departamento do Tesouro funcionar, isso não vai acontecer. É realmente um tipo de exercício tolo de economia convencional, as agencias de rating falarem sobre rebaixamento do rating soberano dos Estados Unidos. Como o sr. vê o papel dos mercados emergentes nesta crise, especialmente Brasil e China? O Brasil, em certo grau, não foi tão fortemente afetado pela crise como outros países. Em parte pelo caráter do equilíbrio de seu comércio exterior e em parte por não ter tido sua economia muita afetada, uma vez que não tinha hipotecas subprime no seu sistema financeiro. Já a China foi muito afetada por causa da queda das exportações, queda de demanda do mercado americano e também porque havia uma enorme bolha imobiliária nas maiores cidades, que entrou em colapso. Mas acho que a economia chinesa vai se recuperar razoavelmente mais cedo, pois o governo se moveu agressivamente para gerar demanda doméstica. E também porque o setor de exportações vai reagir tão logo os inventários dos Estados Unidos comecem a ser refeitos. Essa recuperação na China beneficiará o Brasil? Claro que sim. Se houver uma recuperação, os efeitos nos países produtores de commodities devem ser sentidos mais cedo. Que mudanças a crise trará para a economia dos EUA e do mundo? Acho que vai reforçar o entendimento da necessidade de novas estruturas de condução da economia mundial, incluindo as estruturas financeiras, de modo que ajudem a proteger países de diferentes partes do mundo de governos ruins e de choques ocorridos em outros lugares. Acho que temos visto esse processo acontecendo na Ásia e América Latina e creio que esse movimento será reforçado.

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