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'Não há espaço para agenda política no momento de pandemia', diz presidente da Natura &Co

Depois de participar do Fórum Econômico Mundial, Roberto Marques defende um movimento de coalizão e destaca a importância de o Brasil e a América Latina se debruçarem sobre a agenda ambiental

Foto do author Aline Bronzati
Foto do author Talita Nascimento
Por Aline Bronzati (Broadcast) e Talita Nascimento
Atualização:

O CEO da Natura &Co, Roberto Marques, não acredita que as respostas ao ambiente de insatisfação e frustração em relação ao atraso da vacinação à população brasileira e à situação econômica do País estejam no impeachment do presidente Jair Bolsonaro. No lugar, ele defende um movimento de coalizão. Com os Estados Unidos, Europa e China debruçados em uma agenda ambiental, ele também cobra a importância de o Brasil e a América Latina seguirem o mesmo rumo.

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"No momento em que a humanidade está enfrentando tanto a pandemia quanto a crise ambiental, não há muito espaço nem para agenda de competição, nem para agenda política. Tem de haver uma coalizão, todo mundo jogando para a mesma direção", diz o executivo, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast sobre sua participação no Fórum Econômico Mundial de Davos, que neste ano acontece no formato virtual por causa da pandemia.

Ainda que o déficit fiscal do País seja preocupante, ele é favorável à continuidade do auxílio emergencial enquanto a população não estiver imunizada a ponto de a retomada da economia se dar de forma natural. Quanto à mobilização do setor privado na compra de vacinas, o executivo diz que a companhia está aberta desde que sejam respeitadas as prioridades do Sistema Único de Saúde (SUS). "Nós não vamos querer comprar vacinas para priorizar a vacinação dos funcionários da Natura". A seguir, os principais trechos da entrevista.

O presidente da Natura, Roberto Marques. Foto: Felipe Rau/Estadão - 18/12/2019

No Fórum de Davos, o senhor citou a importância de uma atuação conjunta de companhias e governos em prol de uma economia verde. Qual a sua análise sobre a situação do Brasil?

A gente percebe uma mudança iniciada agora com a entrada dos Estados Unidos no Acordo de Paris e já com o governo americano colocando uma pauta bastante agressiva com relação a metas ambientais. É muito positivo. Na mesma maneira, a Europa já com uma agenda muito forte, bastante alinhada com metas ambientais. A própria China entrando e colocando uma meta de emissão zero de carbono até 2060. A gente vê com bons olhos os governos e eu acho que a América Latina, até mais do que só o Brasil, tem de se inserir dentro dessas agendas. É muito importante. Não há dúvida de que para que isso aconteça há de haver um trabalho e parceria entre a iniciativa privada e o governo em três áreas.

Quais ?

A primeira delas é adotar iniciativas de metas baseadas na ciência. A segunda é criar um modelo com métricas e indicadores comuns. Um dos desafios ainda é não existir claramente o que exatamente nós vamos medir e como medir. O que eu coloquei (no Fórum de Davos) é a importância desse trabalho de se criar um modelo com metas e indicadores fáceis para que a gente possa entender o progresso e todo mundo meio que falando a mesma língua. A terceira e talvez a mais importante: transparência. Precisamos de mecanismos claros de incentivos de alocação de recursos e responsabilidade. Eles têm de ser claros para atrair capital para que governos, iniciativa privada e mercados financeiros possam investir em empresas que estejam trabalhando na direção certa, que a gente possa aumentar e escalar as iniciativas para que aconteçam de maneira mais rápida e abrangente.

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O senhor mencionou, durante o Fórum de Davos, a importância de as companhias adotarem métricas ambientais com o mesmo peso dos indicadores financeiros. Como seria isso?

A gente imagina e gostaria que a mesma disciplina das empresas que reportam seus resultados trimestrais, se deu prejuízo ou não, seja adotada com a agenda ambiental. As empresas têm de reportar o seu progresso, índice de carbono. Os próprios governos têm de fazer a mesma lição de casa. Se a gente conseguir trabalhar com metas baseadas na ciência, ferramentas claras, com metas e indicadores comuns, com transparência e mecanismos de incentivo e responsabilidade clara sobre isso, eu acho que a gente consegue evoluir e chegar nos objetivos que precisamos como sociedade, governo e iniciativa privada. Eu escutei muita gente falando disso durante o fórum.

O senhor também disse que um maior número de empresas atuando em prol da Amazônia ajudaria a proteger a área. Como a Natura capitaneia ou engaja esse movimento?

Nos últimos 20 anos de atuação na Amazônia, a Natura preservou 1,8 milhões de árvores. Nosso objetivo para os próximos dez anos é chegar a 3 milhões. É metade do tamanho da Holanda, mas ainda é pequeno. A gente precisa de mais empresas pensando da mesma maneira, que tragam a ciência, trabalhem e respeitem as comunidades locais para que elas consigam ter desenvolvimento econômico mantendo a floresta de pé. É muito importante que empresas de outros setores pensem na biodiversidade, na bioeconomia. Temos todos de fazer mais e mais rápido. Se pegarmos de novo o exemplo do que está acontecendo no governo americano, em cinco dias, eles já colocaram uma agenda de sustentabilidade que acho que nunca foi colocada de uma maneira tão protagonista e que mostra a importância do tema. Esse caráter de senso de urgência e chamamento para sociedade, empresas e governos trabalhando de maneira colaborativa é super importante.

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O Brasil perdeu a confiança dos investidores estrangeiros no governo Bolsonaro justamente por deixar de lado essa agenda, de não demonstrar compromisso com políticas ambientais. O que o senhor sentiu no fórum de Davos?

Eu acho que é uma oportunidade bastante boa para o Brasil, de se inserir agora nesse processo. O vice-presidente Hamilton Mourão falou (no fórum de Davos) da importância da iniciativa privada, da bioeconomia. Acho que foi positivo. Não só o Brasil, mas a América Latina tem a oportunidade de se inserir mais agora nessa nova onda que está vindo, com os Estados Unidos, com a Europa, a própria China que durante muitos anos também tinha uma atitude um pouco resistente. A própria posição do vice-presidente Mourão vejo como positiva. Temos de fazer mais. O Brasil e a América Latina têm de se inserir mais nessa conversa e nesses compromissos.

Já dá para perceber alguma mudança de percepção do investidor internacional em relação ao Brasil?

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Nós não sentimos pelo menos com relação aos nossos investidores, até pelo fato de a Natura ter uma atuação importante, nenhuma reação negativa. O que a gente tem escutado é, de novo, a importância da inserção, de ter agenda, e agora eu vejo de maneira positiva o que está acontecendo no mundo. Dá uma condição bastante importante ao Brasil e para a América Latina se inserirem nessa agenda. E nós vamos fazer o possível para ajudar nisso. Já estamos fazendo, temos tido conversa com o próprio vice-presidente Mourão e vamos continuar fazendo.

O Brasil entrou na segunda onda de covid-19 sem ter solucionado a primeira. Quais ações o setor privado espera do poder público para enfrentar esse novo capítulo da crise?

O governo brasileiro teve atuações importantes de ajuda durante o período crítico da crise. Acho que a crise vai continuar por um período maior do que todo mundo imaginava. Assim, há a importância de os governos continuarem a entender demandas e necessidades e agirem. O governo americano, por exemplo, já tem pensado em outro pacote de ajuda. A Europa também já tem discutido isso. Porque o mundo tem visto mutações do vírus e coisas que têm trazido desafio grande de restrições. Outro aspecto é o da vacinação. O Brasil tem histórico de sucesso na vacinação, um sistema público exemplar. O Brasil é, e tem de ser um exemplo em relação a isso, porque sempre foi. Temos uma oportunidade de realmente exercer essa vocação com um Sistema Único de Saúde de vacinação efetiva. O que a iniciativa privada puder ajudar o governo nesse sentido, é importante, mas tem um papel do governo relevante dentro disso. A boa notícia é que as vacinas funcionam.

O que preocupa mais o ambiente de negócios no momento, a queda da atividade econômica ou a situação fiscal do País?

Tem sempre que ter um olhar para os dois. É preciso olhar em relação ao desemprego, recessão e queda de atividade econômica, mas não há como não ver o ponto de vista do déficit fiscal. De alguma maneira, o mundo todo olha esses dois lados: como em um primeiro momento manter a economia ativa com todas as restrições, e isso tem que talvez ser a prioridade nesse momento, mas ao mesmo tempo pensar em déficit público e como contornar isso. É um trabalho difícil de equacionar no mundo todo, mas nesse primeiro momento, não há dúvida. Manter a atividade econômica enquanto a parte de imunização acontece é super relevante.

Está em discussão uma nova rodada do auxílio emergencial. Qual a sua opinião sobre a extensão do benefício, considerando a atual situação da dívida pública brasileira?

A primeira preocupação é manter a economia e o auxílio emergencial como uma coisa importante, principalmente até que a gente consiga chegar em um nível de imunização para retomada mais normal da vida e da economia. A preocupação com déficit e dívida é muito relevante. Não é uma equação fácil no mundo todo, nem no Brasil. O que a gente tem observado no mundo é a prioridade em manter algum tipo de renda e atividade da economia. A hipótese é que, se isso não acontece, o efeito depois acaba sendo mais longo e perverso para a própria economia e para as contas do governo.

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Como o senhor avalia a possibilidade de compra de vacinas por parte do setor privado? A Natura está participando dessas discussões?

A nossa posição é muito simples. Temos que respeitar as prioridades que vêm do sistema de saúde para a vacinação. Ou seja, respeitar as pessoas que necessitam da vacina primeiro, seja por idade ou por condições de saúde. Não devemos fazer discriminação por renda. Isso é muito importante. (Sobre) a participação da iniciativa privada, nós estaríamos abertos, desde que isso fosse respeitado. Nós não vamos querer comprar vacinas para priorizar os funcionários da Natura. Queremos que a ciência e a medicina definam as prioridades com relação à vacinação, com a expectativa de que a longo prazo, ao longo de 2021, todos sejam vacinados. Mas não queremos inverter a ordem, queremos seguir a ordem definida pelo sistema de saúde.

Há um nível de insatisfação grande no Brasil com a atuação do governo na pandemia, a demora das vacinas enquanto o mundo avança na imunização. Qual a percepção do sr. sobre a possibilidade de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro?

Esse nível de insatisfação e de frustração estão acontecendo em muitos lugares do mundo, o Brasil não é o único. O Reino Unido está passando por um momento extremamente difícil, a Alemanha colocando restrições mais fortes. Essa sensação de frustração ligada à questão das vacinas e seus sistemas de distribuição não é exceção do Brasil, o mundo está aprendendo a lidar com essa distribuição. Temos de ter esse olhar de bom senso em relação a todo o entorno, mas com agenda de como vamos resolver. No momento em que a humanidade está enfrentando tanto a pandemia quanto a crise ambiental, não há muito espaço nem para agenda de competição, nem para agenda política. Tem de haver uma coalizão, todo mundo jogando para a mesma direção. Porque os temas são muito sérios e muito importantes. Para esses temas que põem em risco a humanidade, nós não deveríamos ter lente de competição, por parte das empresas, nem de agenda política.

O impeachment, então, não é uma boa solução, não adiantaria?

Não quero entrar em agenda de política. O Brasil não é o único país a lidar com esse contexto de insatisfação. A maneira de abordar é buscar a solução de maneira coletiva e multilateral e não com agendas conflitantes competitivas ou políticas.

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