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''Não se pode garantir que o pânico acabou''

Entrevista - Armínio Fraga: sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central; para Fraga, fim do pânico nos mercados depende de como pacotes serão executados e do setor imobiliário nos EUA

Por Adriana Chiarini
Atualização:

As medidas contra a crise financeira anunciadas por diversos países - como o plano europeu de recapitalização de bancos e a ação coordenada entre diversos bancos centrais - acabaram com a onda de pânico dos dias anteriores. Mas, "não se pode garantir" que essa onda tenha terminado definitivamente. A opinião é do ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, Armínio Fraga. "A tentativa é estancar o pânico. Mas isso tudo não vai afastar a desaceleração e talvez nem uma recessão", disse à Agência Estado. Apesar de não prever recessão, por causa do compromisso já mostrado pelos governos em enfrentar a crise, ele foi cauteloso sobre o sucesso do conjunto de medidas, mesmo considerando a expectativa por um novo pacote nos Estados Unidos. "Depende de como vão executar as operações e do mercado imobiliário americano." Armínio elogiou as medidas tomadas pelo Banco Central (BC) no Brasil. E considerou "um exagero" comparar o problema das empresas no mercado de dólar futuro com o das hipotecas de segunda linha nos EUA (subprime), que deflagraram a crise. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na segunda-feira à noite. Como o senhor avalia o conjunto de medidas contra a crise? A crise de liquidez vinha sendo discutida, assim como a possibilidade de usar o dinheiro não para a dívida hipotecária nos EUA, mas para fazer algo mais na veia, de recapitalização das instituições. Os ingleses saíram na frente, o G-7 se pronunciou e houve anúncios de medidas na Europa de estatização e capitalização de bancos. E os EUA também falaram da intenção, vamos ver. É importante aguardar os detalhes, a implementação. A entrada dos bancos centrais dando liquidez aos mercados e também a linha de liquidez entre os bancos centrais, que chamam de swap, foi uma demonstração impressionante. A tentativa é estancar o pânico. Mas isso tudo não vai afastar a desaceleração e, talvez, também não uma recessão. O pânico acabou? Hoje sim, mas não se pode garantir. Depende de como vão executar as operações e do mercado imobiliário americano. Existe um estoque enorme de casas vazias, de imóveis com dívidas maiores que o preço deles e isso é um problema. Como o senhor avaliou a proposta de Barack Obama (candidato democrata à presidência dos EUA) que inclui moratória na execução de hipotecas por 90 dias e possibilidade de resgate de US$ 10 mil em contas de aposentadoria? Não tive tempo de ver em detalhes. De checar se a idéia é evitar o custo de retomada dos imóveis, que é alto. A idéia é achar algo que fique no meio do caminho. Sem essa perna (imobiliária), é possível que o pacote Paulson (do secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson) não tenha o efeito desejado. Não estou querendo ser pessimista em dia de festa no mercado. Embora provavelmente se consiga evitar os piores cenários, ainda há muito trabalho pela frente. Se nada funcionar, ainda há algo que se possa fazer? Sempre tem. O problema é tão dramático que esses governos vão fazer de tudo para buscar uma solução que evite os piores cenários. Há uma obsessão com a Grande Depressão. Os ingredientes para uma recessão existem, mas só se chega nisso se a política for errada, se for displicente. O que, com certeza, não parece ser o caso. Por tudo que se tem visto, existe compromisso dos governos dos EUA e da Europa de resolver a questão. No Brasil a política e as medidas adotadas têm sido corretas? Na minha opinião, sim. O BC foi feliz em abrir essas janelas de liquidez, em propor a medida provisória que reforça a janela do redesconto. O mercado aqui passou por um processo de retração de crédito pronunciado. Esse clima de aversão ao risco contaminou nosso ambiente e, nesse processo, é preciso ter cuidado para não ter nenhum tipo de corrida, principalmente com instituições menores. No câmbio, vimos depreciação acelerada, que recomendava a entrada do BC. É para isso que se acumulam reservas. Penso que fizeram bem em entrar, de botar um pouco de ordem no processo, porque, se deixar correr solto, ele vai desnecessariamente longe. As linhas de crédito para exportação agora voltam? Isso depende mais de lá do que de cá. É um negócio muito tradicional, muito antigo, muito seguro, mas de margens pequenas. Acho que nessas horas os bancos, quando têm de retrair e tomar cuidado, tendem a deixar isso de lado. Acredito que as linhas tendem a voltar. O BC tem como suprir isso? Parcialmente, durante algum tempo, sim. Por dois ou três meses, teria? Sim, teria. O BC parcialmente fez isso. Ofereceu linhas, fez leilão de swap, fez leilão de pronto. Tudo compensa, parcialmente, o que aconteceu nessa área e em outras áreas também. Qual a tendência para o dólar? É cedo para dizer. Mas não fazia muito sentido aquela disparada para R$ 2,40. Procuro não comentar tendência de curtíssimo prazo. É difícil adivinhar, até pela minha atividade de gestor de fundos. A disparada do dólar foi pânico? Claramente, foi pânico. O real e o won, da Coréia, foram as moedas que mais sofreram. Os fundamentos aqui não justificavam movimento tão forte. Foram também questões pontuais, empresas que venderam a descoberto, as linhas que secaram e o fato de o real ter sido, nessa parte, digamos, a moeda favorita de muita gente. Quando vira, o favorito é um dos primeiros a sofrer, porque está todo mundo cheio de real, de repente, tem que desalavancar, tem que fazer caixa para resgate etc. Foi isso o que aconteceu com a Bovespa também? Acho que sim. Teve isso e a queda de preço nas commodities. Nosso índice tem muito peso das commodities. No momento em que teve a virada de humor e queda nos preços das commodities, afetou direto a Bovespa. Alguns economistas do Ministério da Fazenda classificaram o estouro da bolha cambial como subprime brasileiro. Acho que isso é um exagero. De fato, surgiu uma situação um pouco esdrúxula que teve peso nessa subida (do dólar). Imagino que as partes envolvidas foram aos poucos resolvendo suas posições. Não tenho a informação completa para saber. Com certeza, foi relevante, mas não é, nem de longe, próximo de algo como o subprime, é de uma dimensão muito menor. São problemas de natureza diferente. Quem é: Armínio Fraga Foi presidente do Banco Central de 1º de março de 1999 a 17 de janeiro de 2003. Criou a administradora de fundos Gávea Investimentos, com Ilan Goldfajn e Luiz Fernando Figueiredo, em 2003.

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