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‘Não tem espaço para aumentar imposto’

Como em qualquer empresa, o ajuste das contas públicas tem de ser feito pelo corte de despesas, diz Brega

Foto do author Márcia De Chiara
Por Márcia De Chiara e Ricardo Grinbaum
Atualização:

João Carlos Brega, presidente da Whirlpool para a América Latina, dona das marcas Brastemp e Consul e a maior fabricante de eletrodomésticos do País, diz que o Brasil vive uma crise de credibilidade. Ele critica a saída para a crise via aumento de impostos. “Como qualquer empresa, o ajuste tem de ser pela despesa. Não tem milagre, a equação de impostos chegou ao limite.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

João Carlos Brega, presidente da Whirlpool, fabricante de geladeiras e fogões da marca Consul e Brastemp Foto: Hévio Romero/Estadão

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Qual seu cenário para o País? Nunca conversei tanto com tantos colegas e tantas pessoas para tentar ter uma leitura correta do que está acontecendo. Tinha um ajuste que precisava ser feito, mas o problema do Brasil não foi o ajuste. O que aconteceu foi uma crise política que contaminou a economia e, pelo tempo que está demorando, virou crise de credibilidade e de confiança. Hoje, o problema é confiança.

Confiança em quê? No futuro. Por que o empresário decide abrir um negócio ou aumentar a capacidade? Porque ele tem a confiança de que vai vender mais. Ele vai ao banco e pede um empréstimo. O banco empresta na confiança de que ele vai pagar. O consumidor, com horizonte de emprego, tem a confiança de fazer um financiamento. Aí a bicicleta roda. Isso foi quebrado porque o consumidor está ou tem alguém muito próximo dele que está desempregado. 

Como se resolve essa crise de confiança?  A primeira coisa é encarar a realidade. Queremos superávit. Só que existe uma carga fiscal de quase 40% do PIB, não tem espaço para aumentar. Tem de mexer na despesa e deixar a iniciativa privada investir. Em dezembro, o governo deu 3% de Reintegra (devolução de imposto para exportadores). Mas, em janeiro, reduziu para 1%, alegando problema de déficit. Depois, decidiu acabar com a desoneração da folha de pagamentos e criou o PIS/Cofins sobre a receita financeira. Daí, da noite para o dia, vem a CPMF. Não tem milagre, a equação de impostos chegou ao limite. Vai subir imposto e cair a receita porque a pizza será menor. Em vez do imposto provisório, deveríamos lançar a campanha pela redução de despesa provisória.

Mas o governo está pronto para subir impostos... Então, eu só lamento. 

O sr. falou que um dos elementos da credibilidade é o político. Como desatar esse nó?  Eu não sei responder. Como participante de Fiesp, Fiesc, CNI, essas entidades empresariais têm de colaborar pensando, não politicamente, mas no Brasil. Vamos ter uma pauta séria, trabalhar na infraestrutura, vamos fazer algumas coisas que o País precisa fazer para diminuir esse déficit que realmente não vai chegar a lugar nenhum. Mas não é por aumento de receita. Acho que a Fiesp e a Fiesc estão fazendo isso. 

O sr. é a favor do impeachment? Não, porque temos uma Constituição que prega que quem é eleito governa por quatro anos e ponto. Se não gostou, na próxima eleição vote certo. Aprenda a votar. Comece agora com vereador, prefeito. Esse cenário de impeachment não existe para mim. Agora, o que existe é que temos 39 ministros. Não adianta ficar olhando para o Joaquim Levy. Ele é ministro da Fazenda, é tesoureiro, ‘controller’. Ele não tem autonomia para interferir. Se ele começa a falar em aumentar imposto é porque está de mãos atadas na despesa. Mas a discussão correta é o todo. O governo mandou um Orçamento de 2016 e indexou as despesas em cerca de 9%. Mas se a meta de inflação é de 4,5% e ele acha que vai chegar em 6,5%, por que ele não fala que vai subir para 4,5% ou 6%? São algumas coisas para, no mínimo, ajudar a criar o diálogo. Quando você quer mudar, a liderança tem de mudar e dar o tom. 

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Como o sr. avalia a gestão da presidente e do ministro da Fazenda? Eu não posso entrar nesse mérito. A presidente Dilma foi eleita porque o povo a avaliou bem. E, agora, não é brincadeirinha: ‘Então tira’. 

E o Levy?  A experiência dele é fantástica, seja na vida empresarial, seja na parte de governo, na secretaria do Rio de Janeiro em especial. Uma formação acadêmica que dispensa qualquer comentário. Mas a gente tem de entender o que podemos exigir e cobrar dele. Tem uma frase que diz: não adianta matar o mensageiro. A gente está atirando no Levy como mensageiro. Existem 38 ou 39 ministérios, uma presidente. Esse time que tem de se articular e fazer uma proposta muito mais abrangente. Se não, a gente vai ficar com essa miopia. Acompanhei o ministro Levy falando da miopia. Miopia é focar só na parte de impostos. Acho que tinha de ser ao contrário. Acho que a gente tinha de focar na despesa e entender algumas medidas e não ter esse vício de só falar em impostos, que é o mais fácil, mas não vai adiantar. Porque não vai aumentar. A mesma coisa: no orçamento para o ano que vem a premissa é um crescimento de PIB. Não é a nossa premissa. 

O que o sr. prevê?  A economia vai andar de lado ou ter uma pequena queda. Por isso é que gera incerteza. O governo não acerta o tom. Falta alguém falar vamos caminhar para cá. É isso que a gente precisa, e não ficar criticando. 

Mas a sua perspectiva para o Brasil muda?  O Brasil não acabou. Aprendi que tem uma notícia boa nessa crise. Ela vai acabar. Tem um detalhezinho pequeno que é quando. Acho que são duas discussões que precisamos ter: apressar esse fim e que a outra fase positiva seja robusta e sustentável. Até 2017, vai ser um cenário de não crescimento econômico. Tem eleição para prefeito e vereador no ano que vem. A base de prefeitos propicia uma boa base para a eleição presidencial. O desenho do resultado da eleição de prefeitos vai imediatamente disparar a campanha presidencial. A grande retomada vai ser pós eleição 2018. Até 2016, 2017, dado o cenário de hoje, não esperamos nada espetacular.

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Como foram as vendas no primeiro semestre? Houve queda de 15% em relação ao mesmo período de 2014. Fazia muito tempo que não tínhamos uma queda dessa magnitude.

Quanto vocês estão usando da capacidade instalada? Hoje está abaixo de 70%.

Com essa queda, a produção no primeiro semestre voltou a níveis de que ano? Equivale a produção de 2007. A Whirlpool não está em crise. A participação relativa está muito bem. O problema é o seguinte: a pizza, que era tamanho família, agora é brotinho. Em julho de 2014, quando fizemos o orçamento para este ano, sabíamos que tinha uma eleição presidencial e, independente de quem fosse ganhar, teria de haver um ajuste. A gente sabia que a China talvez não tivesse um crescimento robusto. Tudo isso era mais ou menos dado de mercado. E qual era o nosso cenário? O primeiro trimestre de 2015 teria queda em relação a 2014, porque o ano passado tinha sido muito bom. No segundo trimestre, a gente teria crescimento, porque houve a Copa do Mundo e ninguém comprou linha branca. No terceiro trimestre deste ano, andaria de lado e, no quarto trimestre, dependeria do ajuste que o governo faria. Em dezembro, as vendas não foram o que a gente imaginava. Em fevereiro, fizemos uma parada preventiva de todas as fábricas, exceto Manaus, para ajustar os estoques. A partir daí, o nosso nível de estoques está ajustado. É óbvio que há alguma oscilação que não necessita uma parada total de fábrica. O que existe são paradas normais de linha para manutenção. Demos férias coletivas no escritório em julho. 

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O sr. cortou ou deixou de repor 4 mil vagas?  Agora nós não estamos contratando. Estamos sendo bastante rigorosos na contratação.

Haverá mais ajustes?  Não está nos nossos planos. 

Férias coletivas no segundo semestre? Tradicionalmente paramos entre Natal e Ano Novo. Não tem nada previsto. O que pode acontecer é parar uma linha.

O sr. está renegociando contratos?  Estamos sentando com fornecedor e falando “Não dá, não consigo pagar.” 

E o dólar, pode ajudar em alguma coisa?  O dólar é que nem dívida. Quando você tem possibilidade de pagar, você se preocupa, deixa de dormir. Neste caso, não tem jeito, eu não consigo controlar. O que a gente sabe é que é um momento de total oscilação para cima. Agora, é ter paciência e esperar para ver onde ele vai parar.

O dólar mais elevado não é favorável às exportações do grupo? Não, porque não foi só o Brasil que mexeu no câmbio. China, Colômbia, Europa e México mexeram. Só a Argentina não mexeu. Eles mexeram no câmbio, só que eles não tiveram a folha onerada, PIS/Cofins e não vão ter não sei o quê que vem pela frente. Eles não têm a carga fiscal que a gente tem. O câmbio vai melhorar as exportações, mas não vai ser o novo driver. 

Por quê?  Para exportar produto manufaturado, precisa ter tecnologia, agregar valor. Para exportar commodity, que era o que a gente vinha tendo até então, é seguir a China. Exportação não vai ser o driver porque não tem porto. A Embraco, por exemplo, empresa do grupo que exporta compressores, tem de mandar o produto para o porto no dia 5, se o navio for passar no dia 30. 

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Por qual motivo? Há 80 diferentes formulários que a gente tem de preencher, fiscalizações, etc. Além disso, o espaço de armazenamento é contido, o primeiro que chega se garante. Aí, eu tenho de torcer para que não tenha fila, que o pessoal do porto não faça greve, para que o capitão possa atracar o navio na hora que ele chega. Porque, senão, ele vai embora, pois a multa que ele leva pela perda de prazo é muito grande. Se não fosse a crise de confiança atual, a gente estaria discutindo, hoje, o gargalo de energia, de infraestrutura. Há quanto tempo não vemos uma nova concorrência para infraestrutura?

O custo de infraestrutura é alto para a Whirlpool? É claro. Quatro anos atrás inauguramos uma planta de compressores, no México, para exportar para os Estados Unidos. A Embraco já foi a 20ª maior exportadora do País e foi caindo no ranking. 

O grupo está investindo mais lá fora do que aqui? Estamos balanceando. Não estamos cortando investimento em produto. Vamos lançar os mesmos 200 produtos este ano na América do Sul e vamos lançar mais em 2016. Mas não estamos aumentando a capacidade e não vemos horizonte para isso até 2018.

Por que o País perdeu o grau de investimento e qual será o impacto? Infelizmente, o que isso acarreta é dinheiro mais caro. Afugenta, ou não possibilita, investidor de longo prazo a colocar dinheiro no País. A gente precisa entender que investidores de fundos têm regras. Vocês já viram os países que têm grau de investimento na América do Sul? Peru, Equador, Colômbia e Chile.

Qual é o traço comum desse grupo? Eles têm acesso a investimento mais barato, investimento de longo prazo, com um investidor que tem paciência para esperar. O grau de investimento é a credencial que possibilita isso. Esses países têm um trato do gasto público de uma maneira bem gerenciada, entre infraestrutura, despesa de custeio, que permite um horizonte e faz as agências darem selo de bom pagador. 

A Whirlpool vai sofrer o impacto da perda do grau de investimento? Não. No nosso caso específico, entramos no rating da Whirlpool Corporation. No Brasil, os juros sobem, mas temos pessoal de tesouraria que faz a estratégia para termos custo do dinheiro mais barato possível.

Como a matriz vê o Brasil? A Whirlpool tem 104 anos e não foi agora que ela entrou no Brasil. O País vai continuar sendo a 7.ª ou 8.ª economia do mundo. Não tem discussão. O que é chato e desagradável é passar por isso, quando, em tese, isso poderia ter sido evitado. 

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