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‘Não vamos financiar empresas de carne que desmatarem’, diz presidente do Itaú Unibanco

Executivo detalha plano de bancos para ações para coibir o desmatamento na Amazônia e cobra 'maior eficiência' do governo federal na área ambiental

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo
Atualização:

Uma das prioridades da ação conjunta dos três principais bancos privados brasileiros – Itaú, Bradesco e Santander – na questão ambiental é evitar que as atividades agrícolas  econômicas contribuam para o desmatamento da Amazônia. Um dos alvos iniciais do trabalho  das instituições é a indústria da carne, disse nesta terça-feira, 11, Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, durante a série de entrevistas ao vivo Retomada Verde, do Estadão.

Para o banqueiro, além de se endereçar a questão da exploração inadequada da floresta, é necessário também discutir a regularização fundiária para organizar a região, com planos de incentivo para os proprietários de terra que mantêm as árvores em pé. “Vamos montar um plano para desestimular o consumo de gado criado em área ilegal”, disse o executivo. “Não vamos financiar essa cadeia, se (as empresas) estiverem nessas condições.”

Candido Bracher abriu série de entrevistas ao vivo 'Retomada Verde'. Foto: Valeria Gonçalvez/Estadão

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Bracher avalia que há uma ausência de políticas públicas de qualidade em relação à Amazônia. “Claramente, a política ambiental do governo no que se refere à questão da Amazônia não está funcionando. Nós precisamos ajudar, e o governo tem de agir com eficiência maior”, afirmou.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Itaú, Bradesco e Santander se uniram para discutir um plano de desenvolvimento sustentável para Amazônia. Como será a interlocução com o governo?

Essa pandemia mostrou aos bancos o potencial da ação conjunta para o bem (geral). A questão ambiental preocupa os três bancos. Estamos todos expostos às pressões internacionais, pois conversamos com os investidores estrangeiros e sentimos as preocupações do mundo. Então, nos ocorreu de unir esforços pela preservação da Amazônia. Ao governo, nos limitamos a contar o que estamos fazendopara entender como nossa contribuição pode ser mais efetiva.

Os bancos já definiram quais serão as suas prioridades dentro deste projeto?

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Estamos trabalhando há um mês e elencamos dez programas vinculados à Amazônia. Em reunião, na segunda-feira, dia 10, decidimos focar em quatro dessas iniciativas. A principal é em relação à indústria de carne. Queremos garantir que a indústria não se abasteça de carne de rebanhos criados em área desmatada. Faremos isso através de rastreamentos. Não vamos financiar (as empresas) dessa cadeia que estiverem nessas condições. Vamos montar um plano para desestimular o consumo de gado criado em área ilegal. Outro ponto é a regularização fundiária, que é um problema gravíssimo na região. Vamos trabalhar pela regularização, dando apoio às discussões no Congresso em relação ao tema. A terceira e quarta frentes são estimular culturas sustentáveis na Amazônia, como cacau e açaí. Vamos ter linhas especiais para financiamento e estímulo, assim como para a bioeconomia. Vamos começar com esses projetos.

O banco faz um “filtro ambiental” das empresas nas quais investe?

O banco já faz isso desde o início do ano 2000. Temos um filtro ambiental nas nossas avaliações de crédito. Mas isso não é feito com caráter punitivo, e sim de orientação. O fato é: ser socioambientalmente ineficiente também é ineficiente economicamente. Você pode ganhar dinheiro no curtíssimo prazo, mas é péssimo para a sustentabilidade dos negócios. Então, procuramos mostrar isso às empresas e desestimulamos certas práticas com a não concessão de financiamentos. É uma prática que ocorrerá cada vez mais.

Adianta o setor privado se organizar, se o governo, que é responsável pelas políticas públicas, não fizer a parte dele?

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O governo tem algumas responsabilidades em que é insubstituível. O governo tem o monopólio do uso da coerção policial. Só o governo pode punir, em suas diversas esferas, os infratores. Nós podemos desestimular, não concedendo financiamentos, mas colocar na cadeia quem desmatou é função do governo. Acho que proteger uma floresta é uma questão cultural. Sem as medidas coercitivas policiais, a tarefa fica praticamente impossível. A medição do desmatamento também é um ponto importante, que é feito pelo Inpe. É fundamental uma articulação construtiva entre governo e sociedade civil.

É possível dar uma guinada no meio ambiente com a permanência do atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ainda no cargo?

Acho delicado opinar sobre pessoas. Posso falar sobre a política do governo. Acho que, neste sentido, a falta de resultados fala por si. Nós estamos vendo um aumento do desmatamento. É uma situação muito preocupante. Claramente, a política ambiental do governo no que se refere à questão da Amazônia não está funcionando. Nós precisamos ajudar e o governo tem de agir com eficiência maior.

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O interlocutor do governo é o vice-presidente Hamilton Mourão?

Ele tem sido o interlocutor e a conversa tem sido construtiva. Agora precisamos traduzir essa conversa em ações concretas.

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A sustentabilidade não está ligada só ao meio ambiente. Como que os bancos estão encarando os critérios ambiental, sócio econômico e governamental (ESG) na gestão do setor privado?

Nesta questão da Amazônia, estamos definindo a governança. Estamos montando um conselho de especialistas. Decidimos que esse conselho terá sete membros e se reunirá periodicamente, e também trimestralmente com os presidentes dos bancos. Esse conselho será ouvido sobre todos os programas que faremos na região. Nós, do Itaú Unibanco, tivemos uma boa experiência no programa Todos pela Saúde - uma iniciativa que já investiu quase R$ 1 bilhão (de R$ 1,2 bilhão arrecadado). A gestão é feita por um conselho de especialistas médicos. E isso tem funcionado muito bem. Isso é governança, é como você cria padrões de comportamento e de decisão para seguirmos uma lógica e um grau de eficiência maior. Queremos que nossas ações ambientais tenham transparência.

Se a gente não mudar a imagem do Brasil, o prejuízo para o País pode ser grave?

Não tenho dúvidas. Mas eu me sinto constrangido de ter de usar este argumento de proteger a Amazônia por causa dos investidores estrangeiros. Temos de proteger a Amazônia porque somos habitantes do Brasil e do planeta. Uma coisa que nós precisamos fazer urgentemente é definir qual é o estímulo que conseguimos dar para manter as florestas em pé. Como vai ser a recompensa aos donos de terra que não desmatam? Se isso for bem controlado, tenho certeza de que haveria contribuição internacional nesse sentido. Mas, antes, cabe a nós iniciarmos o círculo virtuoso. No momento estamos no círculo vicioso. Estamos dando a impressão de descaso. E isso certamente não cria a boa vontade do resto do mundo.

A piora dos indicadores de desmatamento trouxe a questão ambiental para o centro das discussões. Toda a crítica que recebemos agora pode levar a algo positivo no futuro?

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Sem dúvida. O despertar da sociedade é (importante). Se a sociedade fizer isso, acho difícil que o governo também não se coloque. A questão ambiental é de Estado, não só de governo. É como inflação, que era uma praga para o País. No entanto, na última eleição presidencial não houve promessa para  manter a inflação baixa. Porque não é necessário. A sociedade criou regras que têm mantido a inflação absolutamente sob controle por vários governos. Acho que podemos alimentar o sonho de que um candidato não precise prometer desmatamento zero na Amazônia porque vamos ter regras transparentes que vão garantir que isso não ocorra.