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''Não vamos tomar o lugar de investidor privado''

José Antonio Muniz Lopes: Presidente da Eletrobrás; Estatal tem superpoder, mas presidente diz que ela continuará sendo minoritária em projetos como o de Jirau

Por Irany Tereza e Suely Caldas
Atualização:

O nome de José Antonio Muniz Lopes está hoje distante da notoriedade de sua imagem, em 1989, coagido pela índia kaiapó Tuíra, num evento em Altamira (PA). Com um facão roçando o pescoço do executivo, então diretor da Eletronorte, ela protestava contra projeto de hidrelétricas no rio Xingu. Dezenove anos depois do episódio, nomeado presidente da Eletrobrás, quem está com a faca e o queijo na mão é Lopes. Ele inicia sua gestão na fase de maior poder da estatal, por meio de lei sancionada pelo presidente Lula, ganhou status de holding de suas oito subsidiárias e coligadas. Há duas semanas, Lopes reuniu todos os presidentes das empresas em seu gabinete, no 13º andar da Eletrobrás, para o enquadramento: a holding irá decidir sobre os grandes investimentos de cada uma, parcerias estratégicas e participação em licitações. Estão sob o guarda-chuva da Eletrobrás : Chesf, Eletronorte, Eletrosul, CGTEE, Eletronuclear, Itaipu Binacional e Furnas. "O leilão de Jirau será o último no qual Furnas irá participar de forma independente. Tudo daqui para a frente será decidido pela Eletrobrás", sentencia Lopes. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por ele ao Estado, na quinta-feira, depois de alguma relutância ("Quem tem de dar entrevista é o ministro (Lobão, das Minas e Energia) e o presidente da República, não eu"): O que muda na Eletrobrás com a nova legislação? A Eletrobrás vai articular a definição das diretrizes de gestão de estratégias e parcerias de negócios de todo o grupo. Serão alterados estatutos e regimentos para atender ao papel de diretrizes internas de governo. As parcerias, participações em consórcios e em Sociedades de Propósito Específico serão analisadas no âmbito da holding e aprovadas no conselho de administração da Eletrobrás. Vamos contratar uma empresa internacional para elaborar o planejamento estratégico do sistema Eletrobrás, nos moldes de como faz a Petrobrás. Essa é uma etapa fundamental. O prazo de conclusão do trabalho é de 90 dias, mas ainda temos de licitar. Acho que até o fim do ano o plano de longo prazo está pronto. Os dirigentes das subsidiárias aceitaram sem reservas a nova condição? Poucos dias depois de eu ter recebido a carta do ministro Lobão, no d ia 17 de março, determinando a nova atuação da holding, fiz uma reunião aqui com todos os presidentes das empresas subsidiárias e controladas. Só o (Luiz Paulo)Conde (presidente de Furnas) reagiu. Depois, disseram que passei um pito nele, não foi isso. O que teve foi uma reação natural dele. Eu já fui presidente de duas controladas e sempre briguei com a Eletrobrás. Obviamente agora eu sabia como me sentiria se estivesse do outro lado. Na hora, o Conde colocou alguns argumentos de que isso iria atrasar tudo, bloquear. Eu esclareci que não iríamos entrar em questões como a folha de compra material de expediente, de transformadorzinho. São (interferências) apenas em visões de alto nível, como parcerias estratégicas. Os outros presidentes consideraram a decisão histórica. O Conde fez ressalvas naturais, que eu teria feito se estivesse no lugar dele. Ele voltou aqui para discutir vários projetos, coisas pequenas, menores. As subsidiárias participarão de leilões por conta própria? Não. Jirau será o último leilão no qual Furnas e qualquer outra subsidiária irá participar de forma isolada, porque este processo já estava em curso. A Eletrobrás também vai participar, em outro consórcio, não com Furnas. Daqui para a frente, a Eletrobrás decide qual subsidiária participa do quê. Alguma outra mudança imediata em Furnas e outras subsidiária? Já estão definidas algumas alterações. Vão mudar dois diretores em Furnas. Ou melhor, vão entrar dois novos diretores, um financeiro e um de gestão. Não posso revelar os nomes, que serão divulgados nos próximos dias. Pelo menos um eu conheço e é funcionário do sistema Eletrobrás. A mudança foi decidida pelo governo. O acionista é quem decide sobre os diretores. E para a Eletronorte, será nomeado o presidente do Detran (Lívio de Assis, indicação de Jader Barbalho)? Não sei. Pode haver surpresas. Não foi (nomeado) até agora... Mas, isso não é comigo, não sei. A única coisa que estou sugerindo é um controle único para as distribuidoras federalizadas, que passaria a contar com uma diretoria técnica. O senhor está dizendo que cessaram as indicações políticas, partidárias? Eu não disse isso, não. Não cessaram, não. Para as empresas federalizadas eu estou pleiteando que se coloque uma diretoria de formação técnica, e isso vai desagradar muitos políticos. Mas estou pleiteando. O senhor considera que a solução para a Ceal (Alagoas) e a Cepisa (Piauí) seria a privatização? Eu não sei se é melhor. O que sei é que a orientação do presidente da República é para consertar as empresas, não privatizar. Quando eu assumi a Eletronorte foi para privatizar. Agora, assumi a Eletrobrás para não privatizar. A Eletrobrás vai disputar projetos como majoritária? O da hidrelétrica de Jirau, por exemplo? Jirau, não. Neste projetos seremos minoritários. Se tem investidor privado querendo, não vamos tomar o lugar. A regra é esta, então? Porque há um receio no mercado sobre concorrência desleal... Estamos cansados de dizer que seremos minoritários sempre que houver interesse privado. Vamos viabilizar o projeto, mas sempre como minoritário. Agora, um projeto estratégico, como o das usinas de fronteira, não. Temos de decidir: vamos ou não viabilizar a usina de Garabi (na fronteira com a Argentina) e a de Corpus (na de Argentina e Paraguai). A Eletrobrás pretende estender os investimentos internacionais a outros continentes? Sinto uma tendência natural de que a Eletrobrás possa ir para a África, mas em primeiro lugar, a América do Sul. A África é um lugar onde temos espaço para trabalhar e há uma política de aproximação. Estamos sendo procurados por investidores, pelo ministro da África do Sul. Furnas está em Angola há muito tempo, fiscalizando a instalação da usina de Capanga e levando tecnologia. Já se falou que o papel da Eletrobrás seria como o de um banco... Aí era num momento do governo Fernando Henrique, quando a idéia era privatizar tudo (geradoras e distribuidoras). Agora, a recomendação do presidente é para funcionarmos como um sistema, sendo a holding que manda nas outras. A Eletrobrás nunca foi uma holding. Ela fazia planejamento, que hoje cabe à EPE (Empresa de Planejamento Energético), e a operação do sistema, que ficou a cargo do ONS (Operador Nacional do Sistema). Ficou só a função banco. A Eletrobrás não tinha autonomia sobre as empresas. Agora o governo decidiu mudar a Eletrobrás, que passa a ser uma empresa de energia elétrica. Essa centralização é um caminho de reforçar o controle do Estado? De certa forma, mas a Eletrobrás tem 34% de acionistas minoritários. O Estado também tinha autoridade sobre Chesf, sobre Furnas, sobre todas. Só que essa autoridade era desorganizada. Agora vamos tentar o seguinte... por exemplo: a Eletronorte hoje tem dinheiro em caixa, mas Furnas está precisando de dinheiro, porque esteve exposta no mercado. Então se pode fazer uma sinergia aí, porque esse é o papel da holding: integrar. Quem é: José Antonio Lopes É o presidente da Eletrobrás, agora com status de holding, com oito subsidiárias Foi presidente da Eletronorte e é engenheiro elétrico

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