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Navios à espera de cargas

Por Keith Bradsher
Atualização:

Sair hoje num barquinho pela costa de Cingapura é sentir-se um camundongo andando na ponta dos pés no meio de um manada interminável de elefantes em repouso. Uma das maiores frotas de navios jamais reunidas está ociosa num dos portos mais movimentados do mundo, abandonada pela maré vazante do comércio global. Pode haver alguns sinais iniciais de recuperação econômica em alguns pontos do mundo, mas poucos por aqui. Centenas de cargueiros - de 100 mil a 300 mil toneladas cada, com os maiores pesando mais que todos os 130 navios da Armada Espanhola - balouçam tão vazios que parecem mais se empoleirar na superfície da água que afundar dentro dela, seus lemes vermelhos e narizes bulbosos, submersos quando as embarcações estão carregadas, espetados mais de quatro metros acima da superfície do mar. São tantos os navios reunidos aqui que as empresas marítimas estão ficando preocupadas com perdas e colisões no Estreito de Malaca, um dos canais marítimos mais congestionados do mundo. A raiz do problema está numa recessão invulgarmente profunda no comércio global, um problema confirmado por estatísticas comerciais divulgadas ontem. A China informou que suas exportações caíram 22,6% em abril, em relação a um ano antes, enquanto as Filipinas declararam que suas exportações em março recuaram 30,9% na mesma comparação. Os Estados Unidos anunciaram ontem que suas exportações sofreram uma queda de 2,4% em março. "Os dados de comércio de março de 2009 reafirmam os desafios correntes em nossa economia global", disse Ron Kirk, representante de comércio dos Estados Unidos. Mais preocupante ainda, apesar de alguns sinais positivos, incluindo uma alta em Wall Street e perdas de empregos mais lentas nos Estados Unidos, muitas empresas de navegação dizem que o nível de comércio corrente não sugere uma recuperação no curto prazo. "Muitas encomendas para a temporada de varejo estão sendo feitas agora e, comparadas com as dos últimos anos, são fracas", disse Chris Woodward, o vice-presidente de Serviços de Contêineres da Ryder System Inc, a grande companhia de logística. Os consumidores ocidentais, ainda se ajustando à perda de valor de suas ações e suas casas, estão pouco animados para começar a gastar de novo em importações não essenciais, disse Joshua Felman, diretor adjunto da divisão para Ásia e Pacífico do Fundo Monetário Internacional (FMI). "Para o comércio se recuperar, a demanda precisa se recuperar", disse ele. "É muito difícil achar que isso possa acontecer em breve." A recessão corrente atingiu de tal forma o setor de transporte marítimo que a indústria automobilística parece saudável em comparação. Por exemplo, a tarifa diária para fretar um grande graneleiro para transportar, digamos, minério de ferro, despencou de quase US$ 300 mil na metade do ano passado para cerca de US$ 10 mil no começo deste ano, segundo a Clarkson Plc, uma corretora marítima de Londres. A tarifa reagiu para perto de US$ 25 mil nas últimas semanas e alguns graneleiros deixaram Cingapura. Mas os armadores dizem que essa recuperação pode ter vida curta porque reflete, sobretudo, uma corrida de siderúrgicas chinesas para importar minério de ferro antes de um possível aumento do preço, no próximo mês. O transporte marítimo de contêineres também está mostrando sinais fracos de recuperação, mas continua profundamente deprimido. E mais navios-tanque vazios estão aparecendo por aqui. O custo de transportar um contêiner de ferro de 12 metros cheio de mercadorias do sul da China para o norte da Europa caiu de US$ 1,4 mil mais encargos de combustível de um ano atrás para US$ 150 no começo deste ano, antes de reagir para cerca de US$ 300, que ainda está abaixo do custo de fornecer o serviço, disse Neil Dekker, um analista do setor de contêineres da Drewry Shipping Consultants em Londres. Oito empresas pequenas do setor pediram concordata no ano passado e pelo menos uma das grandes poderá quebrar neste ano, disse ele. Um número tão grande de embarcações afluiu para Cingapura porque ali há poucas tempestades, há equipes de reparo de navios excelentes e fica perto de portos asiáticos que poderiam eventualmente ter cargas para navios. A reunião de tantos cargueiros "é extraordinária", disse Christopher Palsson, um consultor sênior do Lloyd`s Register-Fariplay Research, um serviço de rastreamento de navios com sede em Londres. "Provavelmente não testemunhamos nada assim desde o início dos anos 1980", durante a última grande recessão no setor de navegação global. A frota mundial quase dobrou desde o início dos anos 80, por isso a tonelagem de navios nas águas de Cingapura neste momento pode ser a mais alta de todos os tempos, disse ele, advertindo, porém, que só existem dados detalhados de rastreamento mundial de navios disponíveis para os últimos cinco anos. *Keith Bradsher é, desde 2002, correspondente em Hong Kong

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