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‘Navios-usina’ contratados a custo bilionário atrasam e só devem começar a gerar energia em agosto

Para conter o risco de apagão, o governo contratou quatro navios que geram energia térmica à gás por R$ 3 bilhões, mas ainda não há linhas de transmissão para interligá-los ao sistema de energia

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A contratação de quatro navios-usina pelo governo federal, medida emergencial tomada no fim do ano passado para garantir o abastecimento de energia no País, se transformou na mais nova bomba financeira do setor elétrico. Atrasada, a iniciativa ainda não acendeu uma única lâmpada no Brasil, embora tenha impacto bilionário da conta de luz.

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Por contrato, esses navios-usina tinham que ter começado a entregar energia no dia 1.º de maio. O prazo era uma condição essencial para justificar um acordo fechado em outubro do ano passado, quando o País estava com a maior parte dos reservatórios das hidrelétricas esvaziada e convivia sob a ameaça de um desabastecimento elétrico neste ano. Não por acaso, o governo federal fez a contratação por meio de um “procedimento competitivo simplificado” ao custo de R$ 3 bilhões por ano. O plano foi publicar um edital emergencial, sem exigência de estudos técnicos aprofundados e que dispensava processos básicos de licenciamento ambiental.

O resultado é que tudo atrasou. Nenhum navio-usina foi ligado até hoje e sequer toda a estrutura contratada está ancorada na região escolhida.

O projeto é inédito no Brasil. Os quatro navios turcos da empresa Karpowership funcionam como grandes usinas movidas a gás. Ancorados na Baía de Sepetiba, a três quilômetros de distância da costa do Rio de Janeiro, eles devem ser ligados a uma linha de transmissão de energia de 15 quilômetros, que sairia do mar e chegaria a uma subestação de energia na costa. A partir dali, a energia seria enviada para qualquer região do País, por meio do sistema interligado de transmissão de energia. Acontece que não ficou pronto.

Navio-usina da empresa turca Karpowership; embarcação podegerar 560 megawatts de potência, energia suficiente para abastecer cerca de 2 milhões de pessoas Foto: Karpowership/Divulgação

O prazo atual mais otimista prevê o início das operações em 1.º de agosto, ou seja, três meses depois do prazo originalmente exigido e que justificava a geração das térmicas durante o chamado “período seco”, que vai de abril a novembro. Na prática, cerca de metade desse período já terá passado. Soma-se a isso o fato de que choveu bastante neste ano, na maior parte do País, o que já levou o setor elétrico a desligar as usinas térmicas mais caras e, inclusive, encerrar a cobrança extra das tarifas incluídas na conta de luz do consumidor.

As quatro embarcações da empresa turca Karpowership, que já foram construídas e operam em outros países, são preparadas para gerar 560 megawatts de potência, energia suficiente para abastecer cerca de 2 milhões de pessoas. Mas este não é o único contrato emergencial contratado pelo governo em outubro do ano passado e que está em atraso. Térmicas da empresa Âmbar Energia, que pertence ao grupo J&F, também estão atrasadas e são alvos de pressão do Tribunal de Contas da União (TCU), depois que a Agência Nacional de Energia Elétrica decidiu suspender a cobrança de multa pelo atraso na operação das usinas.

Custo

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Para o consumidor de energia, o que sobra é um custo exponencial, estimado em mais de sete vezes o valor médio já contratado em outros leilões. Para bancar toda a energia contratada no leilão emergencial do ano passado (778 megawatts médios), está previsto o pagamento de R$ 11,7 bilhões por ano para essas empresas. Desse valor, R$ 9 bilhões serão repassados anualmente às contas de luz.

“Apenas em 2022, com previsão de entrada em operação de 60% dos projetos, haverá um aumento na ordem de 3,3% na tarifa dos brasileiros”, afirma a Aneel, em relatório sobre o tema.

“Isso é um absurdo. Fica evidente que aquela decisão tomada no ano passado pelo governo foi equivocada. Fizeram algo feito tão às pressas que, obviamente, não estão cumprindo o que foi contratado”, diz o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ), Nivalde Castro. “Dado o custo elevado e o fato de que o contrato sequer foi cumprido, isso deve ser cassado imediatamente. Foi um erro cometido por causa do açodamento e que deve ser cancelado.”

Ao todo, o impacto financeiro sobre o consumidor será da ordem de R$ 39 bilhões. O custo explosivo é resultado do modelo de contratação, que prevê que essas usinas fiquem 100% do tempo ligadas, e até dezembro de 2025, sob o pretexto de que ajudariam a preservar mais água nos reservatórios, em qualquer período do ano. Só a Karpowership deve receber até R$ 635 por megawatt-hora, o que equivale a mais de R$ 3 bilhões por ano.

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Por meio de nota, a Karpowership declarou que "foi uma das vencedoras do leilão de energia reserva da Aneel, realizado em outubro de 2021 seguindo todo o procedimento do processo licitatório com uma proposta ética, transparente, inovadora e eficiente para alcançar o principal objetivo do evento: garantir o suprimento e a segurança energética nacional em longo prazo. A energia será gerada conforme demanda e necessidade do país, pelo período de 44 meses."

"A companhia reforça seu compromisso de que a operação somente começará após todo processo de licenciamento, de acordo com toda legislação vigente e as melhores práticas de sustentabilidade. A empresa ainda esclarece que tem realizado todos os esforços para o progresso do empreendimento em parceria com o atendimento de todas as demandas das autoridades e respeitando a legislação brasileira."

Segundo a empresa, "trata-se de um processo de licenciamento ambiental simples pelo fato de não envolver construção e montagem, nem alteração permanente do meio ambiente, além do fato de ser temporário. Ao final do contrato tudo será reestabelecido na condição original.

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O que está previsto no projeto dos navios-usina

  1. Quatro navios que carregam usinas térmicas movidas a gás ficarão ancorados a 3 quilômetros da costa, na região do porto de Itaguaí, na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro.
  2. Os navios usinas chegam prontos para operar e podem entregar uma carga total de 560 megawatts de geração de energia elétrica, o suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas.
  3. A entrega da energia produzida pelos navios ocorrerá por meio de uma linha de transmissão com 14,6 km de extensão, que precisa ser construída dentro e fora da água para se conectar à subestação de Furnas, na área do porto de Itaguaí, também conhecida como distrito industrial de Santa Cruz.
  4. A partir da conexão com a subestação de Furnas, a energia pode ser distribuída por meio do sistema interligado nacional de transmissão.
  5. O projeto tem duração total de 44 meses e prevê que as usinas funcionem o tempo todo e não apenas esporadicamente.
  6. A contratação do serviço inédito no Brasil foi firmada pelo governo federal por meio de um leilão “simplificado” realizado em 25 de outubro de 2021. O processo, que ignorou o processo de licenciamento ambiental de qualquer empreendimento, foi autorizado pelo governo do Rio de Janeiro.
  7. A empresa turca Karpowership tinha prazo até 1 de maio para concluir a instalação das usinas, conforme estabelecido em contrato, mas o projeto atrasou e, agora, a data projetada é 1 de agosto.
  8. O argumento básico da contratação – realizada com preços muito mais altos que a média de mercado – era enfrentar a crise hídrica no País. Ocorre que, com as chuvas e o enchimento dos reservatórios, o acionamento de usinas térmicas caras passou a ser desnecessário. Fonte: Karpowership, Aneel

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