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Negócios em risco

As empresas multinacionais sempre tomaram cuidado com os problemas políticos inerentes aos países em desenvolvimento. Não é para menos: investimentos em mercados emergentes embutem um prêmio de risco. Para se precaver contra surpresas desagradáveis, as corporações ocidentais recorrem a consultorias, que procuram acompanhar os acontecimentos de perto quando as coisas esquentam nos confins do planeta. Com as empresas tentando se defender de eventuais choques, como um golpe na Turquia, a aplicação de sanções contra a Rússia ou o calote da dívida venezuelana, obviamente a demanda por proteção contra riscos de natureza política está aquecida.

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Por Redação
Atualização:

Acontece que agora as empresas também precisam prestar atenção nos riscos políticos do mundo desenvolvido. Veja-se, por exemplo, os últimos desdobramentos na campanha eleitoral americana. A mulher que pode impedir que a Casa Branca venha a ser ocupada pelo doido varrido que quer acabar com o sistema de comércio mundial, até agora tida como franca favorita no pleito de novembro, começou a parecer mais frágil depois de fazer um comentário infeliz sobre o “bando de gente deplorável” que apoia Donald Trump, para em seguida sucumbir a um ataque de pneumonia e cometer a imprudência de esconder a doença dos eleitores.

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A vitória do Brexit no referendo que o Reino Unido realizou em junho serve para lembrar que o impossível pode se tornar improvável e, de uma hora para a outra, virar realidade. Agora, enquanto os políticos não se acertarem sobre os detalhes do divórcio entre britânicos e europeus, as empresas terão anos de incerteza pela frente. E há várias outras crises em gestação na Europa. A Espanha está a caminho de sua terceira eleição este ano. O primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, prometeu renunciar caso seja derrotado no referendo constitucional marcado para outubro, o que causaria não pouca turbulência política num momento em que o sistema bancário do país se encontra em situação particularmente delicada. A chanceler alemã, Angela Merkel, que até agora era vista como a mulher de ferro da política europeia, vem enfraquecendo a olhos vistos, pela impopularidade de sua política para refugiados.

Muitos analistas acham que o mundo do risco está virando de ponta-cabeça. “Os riscos políticos se transferiram para os países desenvolvidos”, vangloriou-se recentemente uma colunista do jornal sul-africano Rand Daily Mail. Não é difícil entender por que a tese anda convencendo tanta gente. O governo da Índia é estável e pró-mercado. Vladimir Putin colocou ordem na Rússia, ainda que a um custo deploravelmente alto. A China elabora planos quinquenais, ao passo que os EUA se digladiam internamente para aprovar seu orçamento.

Mas tampouco é preciso ir longe para se verificar que a coisa não é bem assim. O Brasil assiste à explosão de um escândalo de corrupção atrás do outro. Na África do Sul, o governo de Jacob Zuma é um poço de corrupção e incompetência. As Filipinas, que nos últimos anos vinham colecionando algumas das melhores taxas de crescimento econômico do mundo, elegeu o próprio Trumplestiltiskin, Rodrigo Duarte. Não há uma quantidade fixa de instabilidade a ser distribuída pelo planeta. Atualmente, as tribulações políticas estão em alta na maior parte do mundo.

Espectro político. De qualquer forma, trata-se de uma mudança formidável. Ao longo dos últimos 30 anos, as multinacionais encontraram nos países desenvolvidos um ambiente bastante favorável às suas atividades. Os partidos políticos operavam dentro de parâmetros relativamente estreitos e as políticas pró-mercado, como a liberalização do comércio e as normas sobre imigração, avançaram. Os choques eram raros. Agora a coisa mudou de figura. O espectro político está se alargando. No Reino Unido, Jeremy Corbyn, um esquerdista à moda antiga, controla o Partido Trabalhista, que já foi a vanguarda da esquerda pró-mercado. Na França, a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, que diz querer acrescentar um “Frexit” ao “Brexit”, tem lugar quase garantido no segundo turno das eleições presidenciais do ano que vem. Choques sem precedentes tornaram-se praticamente rotineiros. Em 2011, pela primeira vez na história, a Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito da dívida soberana dos EUA. Em 2015, a Grécia foi o primeiro país do mundo desenvolvido a dar um calote no FMI. Não há dia em que Donald Trump não ponha as convenções da política de pernas para o ar.

As empresas precisam se dar conta de que muitos países ricos estão se tornando mercados de alto risco, onde as ameaças ao bom andamento dos negócios não têm a contrapartida de retornos mais elevados. Talvez elas tenham de transplantar para esses lugares as práticas que já adotam em mercados emergentes: evitar a concentração de investimentos num número muito reduzido de países, elaborar “planos de emergência” para lidar com crises inesperadas e traçar uma estratégia para estancar as perdas e sair do país, ou diminuir a operação, na eventualidade de um político populista assumir o poder.

Em razão do baixo ritmo de crescimento econômico no mundo desenvolvido, as empresas já vêm se mostrando relutantes em realizar investimentos de longo prazo. É possível que os riscos políticos reforcem essa hesitação. O problema é que, ao deixar de fazer esses investimentos, as empresas talvez estejam contribuindo para gerar mais instabilidade, criando um círculo vicioso, em que a redução dos gastos corporativos produz mais estagnação, que, por sua vez, gera mais insatisfação social e turbulências políticas.

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As empresas precisam complementar a prudência com algo mais “proativo”. Lidar com a indignação que os excessos do universo corporativo geram no interior da sociedade não é uma prioridade apenas para os políticos, mas também para empresários e executivos. Nos últimos 30 anos, as empresas passaram a pensar em coisas como a remuneração de seus executivos em termos puramente de mercado. Exemplo: criaram mecanismos para incentivar que os executivos se comportassem como se fossem os donos da companhia, e não simples funcionários. Mas a percepção da sociedade não é menos importante que esses esquemas complexos, calculados para garantir com o bom desempenho e os lucros.

As iniciativas corporativas para lidar com questões dessa natureza sempre correm o risco de sair pela culatra. Conferências em que ricaços e poderosos se juntam para falar sobre os efeitos nocivos da desigualdade não costumam pegar bem. Ao escolher a “liderança responsiva” como tema de seu próximo encontro anual em Davos, o Fórum Econômico Mundial está quase pedindo para ser ridicularizado.

Mas o importante é aprofundar os esforços, não desistir. As empresas precisam estar conscientes das implicações políticas a bem da verdade, populistas das decisões que tomam no dia a dia, desde a maneira como fixam a remuneração de seus executivos até as pessoas que indicam para compor seu conselho de administração e os recursos que gastam com entretenimento corporativo. Atualmente, no mundo desenvolvido, o preço da liberdade para fazer negócios é a eterna vigilância.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.