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'Nível da taxa de juros está bastante adequado para controlar inflação'

Ex-diretor do BC, que ajudou a criar o Sistema de Metas para Inflação, afirma que a desconfiança no Brasil não irá aumentar se o IPCA estourar o teto da meta em 2015

Por Idiana Tomazelli e Monica Ciarelli (Broadcast)
Atualização:

Após 11 anos de metas cumpridas, o Brasil não deve entregar uma inflação dentro do intervalo perseguido pelo governo em 2015. Mas o fato não levantará mais incertezas em relação ao País, uma vez que o Banco Central já tem atuado para controlar o aumento de preços, avalia o ex-diretor do BC Sérgio Werlang, que hoje atua como assessor da Presidência na Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio. "O Banco Central está com uma taxa de juros em um nível bastante adequado para controlar a inflação", diz.

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Em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, Werlang defende o Sistema de Metas para Inflação que ajudou a criar em 1999 e afirma que a meta de 4,5% é adequada.

Para ele, a guinada na política econômica neste início de ano foi fundamental para que o Brasil não perdesse o grau de investimento.

Werlang considera, porém, que o esforço para pagar os juros da dívida pública (superávit primário) em 2016 deveria ir além dos 2% prometidos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

De acordo com o economista, será preciso importar mão de obra estrangeira para que o Brasil volte a crescer na faixa de 4%. Confira os principais trechos da entrevista:

Tanto o mercado quanto o Banco Central projetam inflação acima do teto da meta (6,5%) em 2015. O descumprimento da meta é motivo de preocupação?

Não sei se isso está causando muita inquietação, acho que não. Todo mundo sabe que o Banco Central está combatendo a inflação, a taxa de juros real já subiu. Hoje em dia, a política monetária é mais potente, porque tem mais crédito em relação ao PIB. Então, não é que o Banco Central não esteja combatendo o aumento da inflação. Ele está, só que dois problemas aconteceram ao mesmo tempo.

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Quais foram os problemas?

Primeiro, a inflação já estava alta, batendo perto do teto da meta. Em segundo lugar, foi necessário o reajuste de algumas tarifas administradas, porque isso necessariamente tem impacto no lado fiscal. Portanto, as pessoas sabem que esse reajuste era inevitável. Fora isso, o governo está fazendo a parte fiscal. Resta saber se vai conseguir cumprir exatamente tudo ou não, mas tudo indica que vai fazer um bom esforço. Não sei se vai chegar a 1,2% (do PIB) de superávit primário, até acredito que chega. O Banco Central está com uma taxa de juros em um nível bastante adequado para controlar a inflação.

No ano passado, o BC recebeu críticas de que teria sido leniente com a inflação, deixando de mirar o centro para focar o teto da meta. Isso ocorreu?

O que aconteceu foi uma mudança muito grande. A partir do terceiro trimestre de 2010, começou a haver crescimento do salário real maior que o crescimento da produtividade do trabalho. É um movimento que, se consistente, significa que o País está no pleno emprego. O Brasil não estava acostumado a ter pleno emprego. Portanto, é natural que durante um tempo o Banco Central não soubesse que a atividade estava crescendo pouco porque, na verdade, não tinha gente para trabalhar. É natural que o BC tivesse dúvidas e postergasse a decisão. Mas por volta do início de 2013, já era um diagnóstico conhecido que o País estava com falta de mão de obra e que isso era uma das grandes causas do nosso crescimento baixo. Pode ser que o BC tenha começado a subir juros um pouco depois do que eu subiria, mas eu consigo entender a dúvida, porque é um cenário que foi se concretizando ao longo do tempo.

O que vai acontecer com a inflação daqui para frente?

Olhando para frente, parece que o Banco Central está com as políticas e os instrumentos sob controle, reagindo de forma adequada. O fato de a inflação estar mais alta que o teto da meta não vai levar ao aumento da desconfiança no Brasil, porque se sabe que o Banco Central está fazendo seu dever de casa.

Ex-diretor do BC, Sérgio Werlang ajudou a criar o Sistema de Metas para Inflação em 1999 Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Então não tem problema se o governo não entregar a meta de inflação em 2015?

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Não acho que tenha grande coisa. Teria se o Banco Central não estivesse combatendo a inflação, o que não é o caso. Provavelmente vai ter que escrever uma carta este ano (o presidente do BC tem de escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda quando a meta não é cumprida). E pronto, escreve. Não foi feito já no passado? Faz parte da vida, pode acontecer.

Em 2012, mesmo com inflação em aceleração, houve uma guinada no sentido de reduzir juros. Isso foi fruto da dúvida do BC?

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Era parte do entendimento. Ainda não se tinha um entendimento claro se o Brasil estava com excesso de demanda. Se lá houvesse uma visão clara de que o Brasil estava em um pleno emprego, deveria ter havido aquela queda de juros até 7,25%? Possivelmente a resposta é não. Mas você está olhando para o passado e vendo todo o gráfico pronto. Nós nunca estivemos nesse regime (de pleno emprego). Então, levou muito tempo até ter um convencimento razoável, mesmo entre pessoas que olham com atenção a macroeconomia.

A Selic em 13,25% é suficiente para combater a inflação?

A potência da política monetária está muito maior, os juros reais têm muito mais impacto na economia do que tiveram no passado. Isso porque a relação dívida/PIB, principalmente dívida fora BNDES, aumentou muito. Assim, a resposta da economia a um aumento ou diminuição de juros é muito maior do que era no passado. A meu ver, o número que está hoje já é um número que, a médio prazo, vai fazer a inflação convergir para a meta.

Que balanço o sr. faz do Regime de Metas para a inflação?

O sistema como um todo foi muito bem sucedido para conseguir controlar a inflação. É óbvio que, de vez em quando, como ocorreu em 2001, 2002, 2003 e provavelmente (ocorrerá) este ano, você sai do teto da meta. Mas eu acho que o nosso sistema tem bastante flexibilidade, é uma banda bem ampla.

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A meta em 4,5% para a inflação é adequada?

Sim. Existe uma razão objetiva para isso. O Brasil tem, na Constituição, o princípio da irredutibilidade do salário nominal. Se olhar como foram feitos os ajustes agora na Europa, foi com corte de salário, mesmo. No Brasil, é impossível fazer isso, mas com um pouquinho de inflação resolve. Basta você não reajustar o salário tão rapidamente. Dado isso, a inflação no Brasil tem que ser em média mais alta do que em outros países em desenvolvimento, e 4,5% parece um número bastante razoável. Sem isso, nós teríamos problemas muito graves de balanceamento.

Como o sr. avalia a mudança de rota na condução da política econômica no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff?

Essa mudança era fundamental. Se não acontecesse essa mudança, já teríamos perdido o grau de investimento, e a consequência disso é em toda a economia. Bate desde a empresa pequena até a empresa grande, atrapalha o governo, torna o custo de financiamento da dívida mais elevado. É muito ruim, algo realmente muito negativo. Foi essencial essa guinada.

Qual é a sua avaliação sobre a atuação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy?

Ele está aparentemente fazendo o que é possível e está bastante obstinado em obter o número que ele tem que obter. Eu talvez até tentasse obter um número maior para o ano que vem (de resultado primário). Esse ano já é impossível, porque sai de -0,6% no ano passado.

O cenário político mais adverso dificulta essa calibragem na economia?

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Faz parte do trabalho do ministro da Fazenda convencer a sociedade de que a política que ele está fazendo é importante. A meu ver, Levy está fazendo um trabalho bastante bom nesse aspecto. Se você pensar bem, vamos imaginar lá em outubro. Ninguém imaginava que a gente estaria hoje com uma política fiscal tão na linha quanto está hoje. É claro que isso, mais que tudo, é porque o governo como um todo percebeu que era um problema. Mas é óbvio que o ministro da Fazenda também tem um papel importante de mostrar para as pessoas que a conta não fecha, a dívida/PIB vai continuar subindo e não pode continuar assim.

É possível o Brasil crescer no longo prazo sem gerar inflação?

Sim, mas se quiser voltar a crescer a níveis de 4%, vai precisar de mão de obra de fora. Esse é o ponto essencial a longo prazo. Pode ser até que, durante um período, consiga crescer num ritmo mais forte, mas não será sustentável no longo prazo, porque nós não estamos com a economia preparada. Nós não temos mão de obra suficiente na economia para crescer a essas taxas. Vai precisar de imigração, e são números razoáveis, na faixa de 3 milhões de pessoas/ano. Isso durante um tempo, dez anos, talvez. Você sabe quanto é o estoque de imigrantes no Brasil? 0,3%. Esse número nos Estados Unidos é 15%. Todo mundo é parente de imigrante aqui no Brasil, só que é imigrante que veio lá atrás. O estoque hoje de imigrantes no Brasil é mínimo. O Brasil é muito fechado em imigração.

No curto prazo, o que o Brasil pode fazer para tentar crescer mais?

O ajuste fiscal é a essência. Talvez a meta de 2% do PIB (de superávit primário) no ano que vem devesse ser um pouco maior. Mas a essência é isso, nós precisamos reequilibrar as contas fiscais. Feito isso, entramos em outra agenda que é recuperar a capacidade de investimento de longo prazo pelo setor privado. E isso vai exigir melhorias nas regulamentações, principalmente no setor elétrico. As novas fontes hidrelétricas já são muito poucas e não são tão eficazes quanto as antigas. Então temos que ir para a segunda fonte de energia menos poluente, que é gás. E nós precisamos mexer na regulamentação do gás para melhorar bastante a distribuição e o transporte. Isso é uma coisa que realmente precisa ser feita num curto espaço de tempo. Precisamos também começar a ter outras concessões, modificar a Lei do Petróleo. Não dá para a Petrobrás participar com 30% em todo empreendimento.

Quais são os impactos da Operação Lava Jato na economia?

Isso pode contribuir para uma queda maior do PIB. A partir da publicação do balanço da Petrobrás, as coisas vão começar a se normalizar. Enquanto a Petrobrás, que é o principal agente que investe no mercado brasileiro, não decide para que direção vai, é muito difícil. Agora vai ter um Plano de Negócios novo, revisto, então as coisas começam a entrar nos eixos. Com certeza isso vai ter algum impacto, eu não tenho dúvida, mas a médio prazo se resolve. Afinal, as pessoas é que fazem os malfeitos, não é a empresa.

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