PUBLICIDADE

No Báltico, uma crise como a de 1929

Países que mais cresciam na Europa, Letônia, Estônia e Lituânia enfrentam queda de quase 30% do PIB em 2 anos

Por Jamil Chade , TALLINN e ESTÔNIA
Atualização:

Como seria a tradução da queda sofrida pelos Estados Unidos durante a Grande Depressão para a vida de uma sociedade moderna? A resposta pode estar nos países do Báltico. Quase 20 anos depois de sua independência da ex-União Soviética, a crise financeira internacional se traduziu no maior tombo já sofrido por Letônia, Estônia e Lituânia. Os três países fecharão 2009 com a pior queda do Produto Interno Bruto (PIB) entre todos os países em desenvolvimento. A contração da economia nos próximos dois anos será quase a mesma que sofreram os EUA entre 1929 e 1932, de quase 30%. A região que mais crescia dentro da União Europeia entre 2004 e 2007, hoje vive uma depressão econômica. Para políticos, empresários e cidadãos, a realidade é de perda de trabalho, fechamento diário de empresas e cortes em investimentos. Para economistas, a região se transformou em um laboratório real do impacto da crise financeira. Assim como em outros países, o crescimento dependia dos empréstimos de bancos estrangeiros, da atividade no setor de serviços, construção e turismo. A crise secou o crédito, os turistas desapareceram e até as exportações russas, que usavam os portos da região para serem enviadas aos seus destinos, caíram em mais de 20%. O primeiro-ministro da Letônia, Valdis Dombrovskis, foi enfático na semana passada. Se o país não receber uma parcela do pacote do Fundo Monetário Internacional de US$ 7,5 bilhões, entrará em falência. Entre 2008 e 2010, 25% do PIB do país desaparecerá. A queda nos preços de casas é a maior do mundo, de mais de 40%. Na Lituânia, a queda prevista do PIB é de 18%. Em toda a região, a contração da produção no segundo trimestre foi de 20,4%. Para se ter uma ideia da gravidade da depressão, a taxa de redução do PIB na Estônia será pelo menos duas vezes maior que a contração sofrida pela Islândia, país cujo sistema financeiro entrou em colapso e foi, inicialmente, apontado como a maior vítima da crise. Os dados sobre a Estônia também são impressionantes. O país, de apenas 1,4 milhão de habitantes, crescia a uma taxa de 10,4% entre 2005 e 2007, depois de aderir em 2004 à União Europeia e atrair investimentos e turismo. Hoje, a deflação é clara, com queda média nos preços de 0,7% por mês. No Hotel Radisson, o melhor da cidade, a crise é vivida todos os dias. "Vamos ter de nos reinventar", disse Olivier Rochefort, diretor-gerente do hotel. A economia se contraiu em 3,6% em 2008 e a estimativa é de uma queda de 15,3% em 2009. Rita Pavuk, ex-funcionária de uma empresa de roupas, não esconde o desespero. "Fui demitida esta semana. Tenho uma filha de sete anos e, sinceramente, terei de mandá-la para viver com meus pais." Na porta da principal atração turística de Tallinn, uma igreja ortodoxa, senhoras mendigam, para espanto dos poucos turistas que visitam o local. Segundo os moradores, pedintes não eram vistos desde o colapso do regime soviético. A passagem do comunismo para a economia de mercado ocorreu em 1991 de forma rápida. Tallinn fez todas as reformas que a UE solicitou e, em 2004, conseguiu aderir ao bloco. Na cidade, ninguém tem saudades dos russos. Mas a crise põe em dúvida se a reforma promovida e o modelo de crescimento adotado foram os mais adequados. Para 2009, o orçamento público já foi cortado em três ocasiões e o projeto de aderir ao euro até 2011 deve ser adiado. "Muito sacrifício terá de ser feito", avisou o primeiro-ministro Andrus Ansip. Nas lojas de luxo, abertas pela cidade para atrair os novos ricos, a constatação de que não há mais como vender como antes. Os descontos são de até 70% e não têm prazo para terminar. "A queda nas vendas de itens de luxo foi de 40% apenas em minhas lojas", disse Olga Etertis, dona de uma rede de lojas em Tallinn. Até mesmo o jogo da seleção brasileira contra a Estônia, na última quarta-feira, se transformou num escândalo. Políticos e população atacaram a decisão de gastar mais de US$ 2,5 milhões para a partida. Os ingressos tiveram de ser vendidos com 50% de desconto para tentar lotar o estádio de apenas 9,3 mil lugares. Os brasileiros que vivem em Tallinn também sofrem. "O público nos estádios caiu", afirmou Alan, um jogador do time Nomme Kolju. Denise Fontoura, cantora gaúcha que vive na Estônia, também sentiu a crise. "Shows foram cancelados e os cachês reduzidos." Já na empresa onde trabalha a jovem Anneli Alekand, na Estônia, a carga de trabalho aumentou nos últimos meses. Sua companhia, a Likvideerimisteenused, se dedica a liquidar empresas falidas. "Nunca tivemos tanto trabalho", disse Anneli.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.