No fim das filas dos semicondutores, volta dos carros populares deve demorar

Segundo o Boston Consulting Group, a falta de eletrônicos está impedindo 14% da programação feita por montadoras

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Eduardo Laguna
3 min de leitura

A ruptura provocada pela escassez de chips atingiu a indústria automotiva em seus principais países produtores de forma indiscriminada, gerando perdas da ordem de US$ 100 bilhões, segundo estimativas da consultoria KPMG. Em volume, ao menos 5 milhões de veículos deixarão de ser produzidos neste ano, calcula a Boston Consulting Group (BCG). No Brasil, estima-se que até 120 mil unidades já tenham deixado de ser fabricadas.

No quadro de alta seletividade na produção, dada a menor disponibilidade de materiais à disposição das fábricas, o Brasil tem como desvantagem o fato de seu parque produtivo depender de modelos que não estão, neste momento, na lista de prioridades e devem ser os últimos a voltar a uma produção sem restrições.

Leia também

Na comparação com alguns dos dez maiores fabricantes automotivos do mundo, a defasagem da produção de veículos brasileira aos volumes de antes da pandemia não mostrou até agora grande descolamento em relação à realidade de países como Alemanha, Espanha e México.

Montadoras têm sofrido com falta de componentes Foto: Toyota/ Divulgação

Por outro lado, os planos de produção das montadoras na América do Sul, onde o Brasil é o principal produtor, vêm sendo mais comprometidos do que os de fabricantes da Europa. Esse é um dos indícios extraídos do estudo da BCG usado como base na estimativa feita recentemente pela Anfavea, associação da indústria nacional de veículos, de que o Brasil já deixou de produzir neste ano entre 100 mil e 120 mil veículos por falta de componentes eletrônicos.

Segundo estima a BCG com base em informações do segundo trimestre, quando a crise dos semicondutores se aprofundou, a falta de eletrônicos está impedindo 14% da programação feita por montadoras sul-americanas. Na Europa, as fábricas deixam de produzir 9% do volume planejado. Só na América do Norte, onde as paralisações de montadoras também tornaram-se frequentes, o impacto é maior do que aqui: 20% da produção prevista.

No fim de uma longa fila

Continua após a publicidade

Na avaliação do consultor Paulo Cardamone, da Bright Consulting, além de os próprios fornecedores de semicondutores privilegiarem a indústria de tecnologia, em detrimento das montadoras de automóveis - colocando, assim, um primeiro nível de seleção na disputa entre diferentes setores do mundo inteiro por chips -, a cadeia automotiva direciona as matérias-primas à sua disposição para a produção de produtos mais rentáveis.

Nessa dinâmica, conclui Cardamone, modelos populares, em geral os compactos, vão para o fim da fila dentro de uma indústria que, por responder por não mais do que 10% do consumo mundial de semicondutores, não se apresenta como um cliente prioritário da indústria de chips. "Não só no Brasil, mas em todo o mundo, esse tipo de produto será o último a voltar", prevê o consultor.

"É certo que a indústria de semicondutores privilegia os aparelhos eletrônicos, que vêm ganhando consumo, especialmente na pandemia, a margens mais altas, ao invés das montadoras de automóveis, que são conhecidas por apertar fornecedores. A indústria automotiva é a última na fila, e dentro dela é uma decisão natural privilegiar também os veículos de maior rentabilidade", acrescenta.

Segundo Besaliel Botelho, presidente da Bosch, grupo que fornece sistemas eletrônicos para as montadoras, a cadeia de suprimentos, numa situação de escassez como a atual, costuma respeitar um principio de proporcionalidade na distribuição das peças. Ou seja, faz um fornecimento coerente com o peso de cada cliente na carteira de encomendas, evitando assim que apenas um ou poucos deles fiquem com todo o volume disponível.

No entanto, pondera Botelho, a escolha de quais carros serão produzidos com os insumos disponíveis é uma decisão individual das montadoras. "Estamos numa situação em que o cobertor ficou mais curto pra todo mundo", comenta o presidente da Bosch.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.