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No Maranhão, a capital da informalidade

Em Centro do Guilherme, apenas 3% dos trabalhadores, ou 387 pessoas, têm registro na carteira de trabalho

Foto do author Murilo Rodrigues Alves
Por Murilo Rodrigues Alves , TEXTOS André Dusek e FOTOS
Atualização:
  Foto: ANDRE DUSEK | ESTADAO CONTEUDO

Com quase 70% dos 13 mil habitantes beneficiários do Bolsa Família, Centro do Guilherme, no interior do Maranhão, é o campeão da informalidade do País. O município, a 198 quilômetros de São Luís, conta com 97% dos trabalhadores sem carteira assinada. Quando se procura na cidade empregados com vínculo formal, a resposta é sempre a mesma: “Carteira assinada aqui, só lá no posto de gasolina”.

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No local, trabalham os frentistas Elielson Lima da Silva, de 22 anos, e Márcio Vieira de Melo, de 21, que se consideram privilegiados por terem o registro. A situação deles, porém, é ilegal. Mesmo com carteira assinada, não recebem férias e adicional noturno, benefícios garantidos no Brasil pela septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“Já tenho carteira assinada, se reclamar das outras coisas, o patrão vai é me demitir”, conforma-se Elielson, que trabalha no posto há quatro anos e nunca tirou férias. “Pelo menos aqui a gente recebe um salário mínimo e ganha o 13.º no fim do ano”, completa Márcio, que diz contar nos dedos das mãos os trabalhadores registrados no município.

  Foto: ANDRE DUSEK | ESTADAO CONTEUDO

Oficialmente, no entanto, segundo os dados mais atuais do Ministério do Trabalho, os dois frentistas fazem parte de um seleto grupo de 17 funcionários do comércio centroguilhermense que possuem vínculo empregatício formal. O órgão contabiliza ao todo 387 pessoas com carteira assinada no município – sendo 330 da administração pública.

“No meu posto é tudo regular”, disse à reportagem, orgulhoso, José Ribamar da Silva, proprietário do estabelecimento. Porém, além de não cumprir direitos básicos como férias e adicional noturno, um dos quatro funcionários não tem carteira assinada porque ainda está de “experiência”, segundo o dono – situação irregular, segundo a legislação. Os funcionários trabalham em período de 24 horas e “descansam” das 23 horas às 5 da manhã do dia seguinte em um colchão no chão e em uma rede em um cômodo do posto.

O “top 5” de municípios com os maiores índices de trabalhadores sem registro no Brasil – usado pelo ministério para combater a informalidade – está localizado no Maranhão, Estado com o segundo menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do País. Além de Centro do Guilherme, completam a lista Presidente Médici, Bernardo Mearim, Paulino Neves e Governador Nunes Freitas.

Empregados com carteira assinada possuem direitos garantidos pela CLT e pela Constituição. Além de férias remuneradas e 13.º salário, estão previstos jornada de trabalho de, no máximo, 44 horas semanais, hora extra e adicional noturno. Outros direitos, como FGTS, seguro-desemprego e abono salarial também são assegurados.

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Benefícios. Na “terra da informalidade”, porém, os próprios empregados, muitas vezes, não querem que o patrão assine a carteira, com medo de perder benefícios dados pelo governo, que acabam estimulando a informalidade.

Sob o sol escaldante, a casa lotérica da Rua do Comércio é o único lugar com filas no município. Todos à espera do pagamento do Bolsa Família. No acumulado de 2015, foram repassados ao todo R$ 4,6 milhões do programa de transferência de renda, a segunda principal fonte de receita do município, atrás apenas da cota do Fundo de Participação do Município (FPM), que injetou R$ 4,9 milhões.

O agricultor José Antônio Gonçalves da Silva, de 50 anos, até tem carteira de trabalho, mas ela está em branco. “Nem sei onde está”, diz, no caminhão pau de arara, à espera da volta para a roça. Ele vive em um assentamento do Incra, planta mandioca, arroz e milho e tem 18 cabeças de gado. Foi ao município receber o Bolsa Família. “Tenho nove filhos. Dava para tirar muito dinheiro do bolso da Dilma, mas agora ela deu basta e quer reduzir”, afirma.

“Não quero carteira assinada não, moço. Tá louco que vou perder o Bolsa Família e o seguro pescador”, disse um vendedor de uma loja de material de construção que tem CNPJ, mas não registra os funcionários. O empregado, que não quis ser identificado, por medo de perder os benefícios, recebe o seguro defeso, mesmo sem viver da pesca, situação comum no município.

Pelos dados do governo, são 250 centro-guilhermenses que recebem um salário mínimo do governo federal por mês no período da piracema, quatro meses em que os pescadores artesanais não podem pescar e, por isso, têm a renda complementada pelo governo.

Neste ano, o governo liberou a pesca e determinou que não pagará o benefício enquanto não houver um recadastramento dos assistidos por causa do alto número de fraudes. Com o fim do “bolsa pescador”, espera economizar em todo o País R$ 1,5 bilhão. Os deputados, porém, aprovaram a revogação da medida do governo neste mês.

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