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''Nosso caminho natural é ir para os EUA''

Bernardo Gradin: presidente da Braskem; Após o susto com a crise no fim do ano passado, a Braskem estuda compra de ativos para entrar de vez na competição global

Foto do author Alexandre Calais
Por Marianna Aragão e Alexandre Calais
Atualização:

No final do ano passado, a Braskem, maior fabricante de produtos petroquímicos da América Latina, teve de tomar uma decisão inédita em sua história: reduziu sua produção a 55% da capacidade, preocupada com a queda no consumo de mercados-chave, como a China e os Estados Unidos. A medida drástica tomada pela companhia também foi motivada pela perspectiva de uma dramática chegada da crise financeira global ao Brasil nos meses seguintes. A realidade, porém, acabou se mostrando diferente. O mercado doméstico continuou aquecido para a companhia, e o resultado foi que, em fevereiro, apenas dois meses depois de reduzir sua produção, a Braskem já havia voltado aos níveis pré-crise, com utilização de 90% de sua capacidade. Hoje, a reação rápida é motivo de orgulho para a companhia. "Tivemos agilidade para resolver nossas questões de caixa e estoque, o que nos permitiu voltar mais competitivos ao mercado", diz o presidente da empresa, Bernardo Gradin, que teve de lidar com toda essa turbulência menos de quatro meses após ter assumido o comando da companhia. O engenheiro baiano de 44 anos, que fez carreira na Odebrecht, conglomerado ao qual pertence a Braskem, tem a missão de colocar a empresa como uma das cinco maiores petroquímicas do mundo até 2020. Mas não será uma tarefa fácil em um setor tão disputado. Nos próximos três anos, a empresa terá de enfrentar, por exemplo, a entrada de novos competidores no mercado - e, nesse caso, as novas unidades que começam a funcionar agora no Oriente Médio, que têm a vantagem do insumo barato, por causa da abundância do petróleo na região, são a maior ameaça. Segundo Gradin, a Braskem deve responder a esse desafio buscando novos mercados. E a América do Norte é o alvo principal. "Nosso caminho natural é seguir para os Estados Unidos", diz o executivo. "Já estamos olhando alguns ativos por lá." Gradin concedeu a seguinte entrevista ao Estado: A Braskem atravessou um momento complicado no final do ano passado, mas parece tê-lo superado muito rapidamente. O que aconteceu desde o início da crise? Em outubro, quando nós assistimos à crise nos EUA, a preocupação passou a ser quando e como isso iria chegar no Brasil. Foi aí que fizemos algumas operações específicas. Procuramos nossos fornecedores - basicamente Petrobrás e outros fornecedores de nafta internacional - e avisamos: por precaução, vamos reduzir estoque e consumo no próximo mês. Porque achamos que daqui a dois ou três meses a China vai comprar menos, os EUA vão comprar menos. Nós tínhamos a preocupação de caixa e tínhamos a preocupação de estoque. Vocês chegaram a ter problema de caixa? Não. Mas esse problema ocorreu na cadeia produtiva. Os bancos puxaram todo o crédito, que vai do capital de giro ao dinheiro para investimento. E tivemos de assumir o papel, como empresa na origem da cadeia, de garantir o crédito de nossos clientes. Esse processo significou uma aproximação extraordinária com os clientes. Foi uma oportunidade também para entender como o mercado estava se comportando e prever as ações para dali a três, seis meses. Quando a empresa decidiu voltar ao nível de produção pré-crise? Em fevereiro, as coisas começaram a virar. O que determinou a volta de carga de 55% para os 90% foi que a China voltou a comprar. E, nesse ponto, estávamos bem competitivos, com dólar bem acima dos R$ 2,00. Mas o mercado doméstico também continuava puxando. Com exceção de bens duráveis (linha branca e automóveis), percebemos que o varejo continuava aquecido. Esse retorno rápido da capacidade de produção significa que a crise acabou para a Braskem? Não. Significa que nós tivemos a agilidade de reagir rápido. Conseguimos resolver nossas questões de estoque, de caixa, e de caixa ao longo da cadeia de valor rapidamente, o que nos permitiu voltar competitivos ao mercado. Mas acho que é cedo para dizer que crise passou porque ainda há muita incerteza lá fora. Eu sou muito otimista com o Brasil. Temos um consumo crescente. Não acredito em risco de desemprego nas classes C, D e E, porque o investimento anticíclico em infraestrutura anunciado pelo governo começa a chegar na economia real. A gente percebe clientes nossos crescendo a mais de dois dígitos, comparados com o mesmo quadrimestre do ano passado. Tem gente que não viu a crise passar. Nesse momento, há algum setor que ainda não se recuperou? Nós sentimos, não pela venda de resina, mas pela de soda cáustica, que o setor siderúrgico está sofrendo. Há alguns setores que ainda sofrem um pouco, mas, de forma geral, os volumes estão bons. Parece que nós, no Brasil, estamos numa viagem diferente do resto do planeta. É como se nosso céu não estivesse na turbulência que outros estão vivendo. Andando, negociando com grupos estrangeiros, empresários de fora, você sente que o mercado brasileiro está melhor. Há hoje uma certa inveja, no bom sentido, de empresários estrangeiros em relação a quem está instalado no Brasil. Como estão os projetos da Braskem no exterior, especialmente na Venezuela? Estamos prospectando negócios na Bolívia, Peru e, talvez, México. Na Venezuela, fizemos há quatro anos uma aproximação com a estatal Pequiven. De lá para cá, constituímos duas empresas. São companhias venezuelanas nas quais a Braskem tem 50% do capital. As duas plantas em construção são de grande escala e têm uma competitividade extraordinária, por causa da matéria-prima. Com a crise, o processo de financiamento do projeto sofreu um rearranjo, que eu ainda não quero assumir como atraso. Ainda acho que dá para manter o prazo para início das atividades, que é final de 2011, início de 2012. Esse arranjo societário protege a Braskem das ameaças de nacionalização da indústria petroquímica na Venezuela? Quem está distante da Venezuela, e ouve tudo o que se fala, não tem a mesma tranquilidade que nós. Mas, no final do dia, o que vale é a relação interpessoal. A Pequiven tem demonstrado transparência sobre o que pode e vai acontecer. Recentemente, foi anunciada uma nova lei do setor, que prevê um novo modelo público-privado do sistema petroquímico na Venezuela. Estamos confortáveis hoje porque nosso modelo já nasceu nesse ambiente legal que está se desenhando. Então a nova lei não deve alterar em nada seus planos na região? Não. Hoje, boa parte dos equipamentos cruciais ao projeto já está comprado ou reservado. Não acho que vá mudar. Na expansão internacional, o foco da empresa continua sendo a América Latina? Quando a Braskem foi formada, em 2002, nossa visão era nos tornar a maior empresa da América Latina até 2012. Mas isso aconteceu muito mais cedo do que a gente previa, em 2007, quando a consolidação da Copesul e Ipiranga foi efetivada. Hoje, a visão da Braskem é que o vetor de crescimento para nós é América do Norte. Temos uma ação em investimentos já em andamento, que é a produção da Venezuela, que será destinada à América do Norte. Mas achamos que, cedo ou tarde, devemos participar de ativos na América do Norte, para ter acesso aos clientes, à logística, à produção e à operação. Então, nosso caminho natural é seguir para os Estados Unidos. Há bons ativos à venda por lá, já que o país atravessa um momento complicado? Sim, há bons ativos, e nós estamos olhando. Mas está tudo no preço. Se parece barato, é porque a expectativa de vendas futura não é boa. Temos então de equilibrar o melhor projeto e a expectativa de curto e médio prazo. A Braskem tem hoje R$ 3 bilhões em caixa. Esses recursos poderiam ser usados em uma compra? Para aquisição grande, não. Porque eu também tenho uma dívida grande. O que me dá rigidez financeira é ter em caixa minha obrigação de dívida por dois anos. Se eu usar esse caixa para comprar outro ativo, eu fragilizo minha estrutura de capital. Tenho de trazer para a estratégia de comprar um ativo toda uma nova estrutura de capital. Que futuro o sr. enxerga para o setor petroquímico no Brasil e no mundo? Estamos assistindo a Petrobrás participando como indutora estratégica do setor. Ela é a empresa que tem a matéria-prima. Então, naturalmente, tem de participar da cadeia não só como fornecedora. Acho também que vamos migrar para uma fase de players globais no setor. E como a Braskem está inserida nesse novo cenário? O nosso alvo é que ela se torne um dos cinco competidores globais até 2020. Para isso, queremos crescer a partir da América Latina, na direção da América do Norte. Provavelmente, nosso modelo de globalização continuará, durante os próximos anos, seguindo a estratégia de exportação. Mas, na medida em que as oportunidades surjam, vamos pensar em expansão. A Braskem conseguiu consolidar sua posição no mercado brasileiro e da América Latina, mas não adianta ser um grande player de uma região só. A briga está lá fora. O sr. assumiu há pouco menos de um ano, pouco antes de a crise chegar. Como avalia esse primeiro ano de gestão? Em todos os momentos dessa crise, com reestruturação interna ocorrendo, gente nova chegando, tivemos uma postura da equipe muito otimista e positiva. O primeiro ano foi, sendo bem franco, de muito trabalho. Mas a crise permitiu um equilíbrio de como construir, de forma prudente e cautelosa, a rigidez financeira que precisávamos para atravessar a turbulência e acelerar a aproximação com os clientes. Quem é: Bernardo Gradin É formado em engenharia civil, com MBA pela Wharton Business School Está no Grupo Odebrecht, controlador da Braskem, desde 1987 Foi presidente da Trikem, uma das empresas incorporadas pela Braskem. Também presidiu a Odebrecht Investimentos e Infraestrutura (OII), antes de assumir a Braskem

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