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Nova Zelândia prova que agricultura pode viver sem subsídios

A agricultura da Nova Zelândia é uma lição para todos os países do mundo ? mas especialmente para norte-americanos e europeus, que no discurso defendem o livre comércio e na prática gastam bilhões para subsidiar suas agriculturas. Reportagem de Karina Luccas, enviada especial.

Por Agencia Estado
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Além de belas paisagens e locais paradisíacos para os praticantes de esportes radicais, a Nova Zelândia tem um lado menos conhecido, mas também admirável: sua agricultura. No momento em que o mundo se vê às voltas com discussões sobre o protecionismo para o setor agrícola, o país é um exemplo de como se desenvolver uma agricultura de sucesso sem praticamente nenhum subsídio. Por depender do exigente mercado internacional - 90% da produção é exportada -, o setor agrícola neozelandês tem como palavras-chaves eficiência e qualidade. O direcionamento para o mercado, o trabalho integrado entre produtor e indústria e a especialização da produção são características marcantes do agronegócios neozelandês. Mas esse cenário nem sempre foi assim. Até 1985, existiam diversos tipos de subsídios a produção e exportação, que começaram a crescer a partir do anos 70, com a entrada do Reino Unido ? seu principal mercado ? para a União Européia. As exportações para o mercado britânico ficaram limitadas a cotas e o país foi obrigado a buscar novos mercados, como EUA e Ásia, e a diversificar sua produção. A crise econômica mundial do início dos anos 80, provocada pela alta de preços do petróleo, pressionou as finanças neozelandesas e levou o governo a tomar uma série de medidas para conter gastos, entre estas a eliminação de cerca de 30 tipos de subsídios. Naquela época, o volume de subsídios atingia seu ápice e quase 40% da renda dos criadores de ovinos, os principais beneficiados, era proveniente dos cofres do governo. Hoje, a única ajuda oficial é dirigida a pesquisas, ao controle de pragas e doenças e a programas emergenciais relacionados ao clima. Transição difícil A grande mudança foi promovida pelo Partido Trabalhista, que, ao assumir o governo, deparou-se com um déficit insustentável. Uma das primeiras medidas tomadas no orçamento elaborado no final de 1984 foi acabar com todos os tipos de subsídios agrícolas e suporte de preços que eram financiados pelo contribuinte neozelandês, conta o ministro da Agricultura, Negociações Comerciais e Biosegurança da Nova Zelândia, Jim Sutton. Karina Luccas/AE A fábrica da New Zealand Milk Products, do Grupo Fonterra. Allan N. Rae, diretor do Departamento de Economia Internacional da Universidade Massey, umas das maiores em cursos de agronomia na Nova Zelândia, diz que foi surpreendente a maneira como a reforma funcionou, pois não era um bom momento para fazer uma mudança radical. ?No final dos anos 80, os produtores enfrentavam altas taxas de juros por causa de uma política monetária mais apertada. Por algum tempo tivemos um câmbio muito mais alto por causa da abertura de mercado e da entrada de dinheiro estrangeiro. Os preços das commodities estavam em queda. Tudo isso era contra o ajuste dos produtores, mas eles conseguiram ser mais produtivos." As estimativas oficiais eram de que 8 mil fazendas deixariam de existir com o fim dos subsídios. No entanto, apenas cerca de 800 unidades, ou 1% do total das cerca de 80 mil fazendas, foram colocadas à venda. ?O governo facilitou a transição para os produtores mais endividados, a maioria jovens casais de agricultores que tinham comprado suas fazendas a preços altos, confiando nos empréstimos a juros baixos. Estes produtores tiveram parte de suas dívidas perdoadas e contaram com crédito de uma agência estatal?, diz o ministro Jim Sutton. Hoje, o produtor rural que vai ao banco em busca de empréstimos paga as mesmas taxas do crédito vigentes para a indústria e o comércio, em torno de 7% a 8% ao ano. Crescimento sustentado Mesmo com o fim da ajuda estatal o setor agrícola não encolheu na Nova Zelândia. O agronegócio viu sua participação no PIB crescer de 14,2% em 1986-87 para 16,6% em 1999-2000, segundo dados do Serviço Econômico de Carne e Lã da Nova Zelândia. Há um consenso entre produtores e indústria de que a retirada dos subsídios foi totalmente positiva para a agricultura neozelandesa, gerando uma agroindústria muito mais dinâmica, direcionada e sustentável. "Os produtores estão se concentrando muito mais no consumidor e não em produzir para receber o subsídio", comenta Tony St. Clair, chefe-executivo dos Agricultores Federados da Nova Zelândia. Com a reforma, produtores buscaram novas opções de atuação, seja na vinicultura, na criação de cervos, na horticultura, silvicultura ou mesmo em atividades que não sejam ligadas à agricultura, como o turismo rural. O crescimento médio na produtividade da agricultura neozelandesa vem sendo de 3,9% ao ano desde aquela época, enquanto a economia do país vem apresentando um crescimento de apenas 1,1% por ano. ?A agricultura respondeu de forma bastante dinâmica à perda dos subsídios. Os produtores estão satisfeitos e orgulhosos de seus esforços. Eles viram sua contribuição para o PIB em termos percentuais crescer durante aquele período, o que foi totalmente contrário às tendências em todo o mundo?, diz o ministro Jim Sutton. Para o ano encerrado em dezembro de 2001, as exportações de produtos agrícolas são estimadas em 17,3 bilhões de dólares neozelandeses (cerca de US$ 7,7 bilhões), correspondente a cerca de 53% da receita do total de exportações da Nova Zelândia, projetada em 32,5 bilhões de dólares neozelandeses(ou cerca de US$ 14,6 bilhões), segundo dados da Statistics NZ (agência de estatísticas do governo). A exportação de produtos lácteos é o destaque na balança comercial, com receita estimada em 7,8 bilhões de dólares neozelandeses (em torno de US$ 3,5 bilhões) no ano passado. Fertilizante subsidiado O setor mais afetado pelo corte de subsídios foi o de criação de ovinos e a pecuária de corte, atividades normalmente desenvolvidas numa mesma fazenda, por causa do aproveitamento da terra. O maior volume de subsídios era dado na forma de fertilizantes e preços suplementares. "Não importava que tipo de animal você tinha, ou sua produtividade, o importante é que você tinha um animal para receber a ajuda", afirma Ben O´Brien, gerente da Meat New Zealand, organização de suporte e promoção do setor de carnes. "Estávamos subsidiando mais a produção de cordeiro do que a de outros produtos, o que acabou gerando uma produção de 40 milhões de cabeças para abate, sem ter mercado para todo aquele volume. Os produtores eram basicamente custeados pelos subsídios", explica Alistair Polson, agricultor e presidente dos Agricultores Federados da NZ. Desde meados dos anos 80, o rebanho de ovelhas caiu de 70 milhões de cabeças para cerca de 45 milhões de animais. "O interessante é que apesar do rebanho ter diminuído, estamos produzindo muito mais carne de cordeiro. A ênfase mudou de números para produtividade", afirma Gerry Thompson, gerente geral da Meat New Zealand. Leite sem subsídio Dados da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) estimam o suporte do governo à agricultura neozelandesa em apenas 1% em 2001, em comparação com 4% na Austrália, 35% na União Européia, 59% no Japão e 21% nos EUA e 17% no Canadá. Karina Luccas/AE Ovelhas na fazenda da Universidade Massey, na Nova Zelândia. Um dos setores que se manteve à margem da política de subsídios na Nova Zelândia foi a pecuária leiteira. Tanto que com o fim do protecionismo, muitos produtores migraram para a atividade, atraídos pela alta lucratividade. O pecuarista Peter Cook explica que a eliminação dos subsídios praticamente não afetou os produtores de leite, já que o setor sempre operou de forma mais independente, buscando suas próprias soluções através de suas cooperativas. O setor é considerado hoje a melhor alternativa para aqueles que querem ingressar na agropecuária com promessa de retorno. Reflexo do interesse é o aumento do rebanho leiteiro de cerca de 3 milhões de cabeças no início dos anos 80 para 4,7 milhões de cabeças em 2001. Apesar da entrada de novos empreendedores, os pecuaristas mais experientes, como Peter Cook, dizem que suas técnicas são provenientes de uma "cultura" iniciada no passado e mantida até os dias de hoje. Com orgulho, ele diz que é difícil encontrar outro país onde os produtores tenham a mesma mentalidade e união em torno do ideal cooperativista. Recentemente, as duas maiores cooperativas do país se uniram e formaram a Cooperativa Fonterra - considerada a maior do setor no mundo ?, com mais de 14 mil produtores associados e responsável por 96% do processamento da produção local. Proteína e gorduras Por causa da distância da Nova Zelândia para outros países e de sua pequena população, o setor lácteo, como a maior parte dos outros, busca seu lucro nas exportações e se concentra na fabricação de produtos de longa duração. Segundo o Serviço Econômico, aproximadamente 95% dos laticínios produzidos no país são exportados. Um diferencial na Nova Zelândia é o sistema de pagamento ao produtor pelos teores de proteína e de gordura encontrados no volume de leite entregue nas indústrias. "Nós não estamos interessados na parte líquida do leite e sim na parte sólida - gordura e proteína -, que será vendida. Com uma máquina de infravermelho são testadas amostras de leite de cerca de 6 mil fazendas por dia", explica Neil Walker , gerente técnico da fábrica de leite New Zealand Milk Products, uma das maiores companhias de laticínios do mundo e parte da Cooperativa Fonterra. O ministro Jim Sutton disse à Agência Estado que, de todos os países do mundo, o Brasil pode ser o único com a capacidade de produzir laticínios de qualidade a um custo mais baixo do que a Nova Zelândia. ?Nós vemos o Brasil como uma terra de grande potencial, uma economia dinâmica e emergente. O Brasil tem uma economia industrializada avançada e algumas áreas agrícolas bastante sofisticadas, mas ao mesmo tempo, há uma grande área que pode ser caracterizada por uma economia baseada numa agricultura em desenvolvimento.? Sutton diz que há algumas coisas estonteantes em relação ao Brasil, mas lamentou a violência, ao lembrar do assassinato do velejador neozelandês Peter Blake na Amazônia, ocorrido no início de dezembro do ano passado.

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