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Novas tarefas para os bancos centrais

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

Nem bem os bancos centrais completam sua missão de defesa civil, na crise financeira que desarticulou a oferta de crédito em todo o mundo, e já estão sendo convocados para a espinhosa missão de restaurar as reservas de credibilidade duramente acumuladas durante a falida Grande Moderação - e que têm sido gastas com a guerra sem quartel à depressão. O caso americano não é único, mas suas peculiaridades não impedem que ilustrem, com cores dramáticas, o problema que atinge todos os bancos centrais. De um lado, a absorção dos ativos tóxicos pelo Fed (o banco central dos EUA) tem limite, ainda que uma espécie de hemodiálise possa permitir que, já menos tóxicos, eles possam ser absorvidos de volta pelas carteiras privadas. De outro, também a monetização da dívida pública tem limites, sob pena de a confiança de longo prazo na inflação baixa poder se esvair, com consequências desastrosas para o controle macroeconômico. Com ou sem a garantia da supremacia do dólar, o comportamento das taxas de juros no mercado da dívida pública americana é um farol para as taxas de juros em todo o mundo. Base para o sistema de aferição de prêmios de risco de default, cambial e de fronteira, tem resistido à surra a que a confiança no dólar tem sido submetida, primeiro pela doença, ou seja, a própria crise, que varreu do mapa algumas das mais respeitadas instituições financeiras do mundo e deixou feridas tantas outras. Atualmente, por causa dos efeitos letais das altas doses dos remédios aplicados para evitar o pior, que inocularam na dívida pública americana a toxina da desconfiança. Nos mercados de renda fixa, para onde correram os poupadores ao fugir dos riscos desconhecidos, manifestaram-se, nas últimas semanas, ondas de volatilidade inusitada. Não deve ser surpresa que, ao chamarem para si os riscos que o funcionamento normal dos mercados financeiros não pôde digerir, os governos tenham danificado seus próprios balanços. Para os keynesianos, que se concentram nos fluxos, a desconfiança nos balanços públicos inspirava a chamada Treasury View, que Keynes considerava irrelevante, porque se corrige automaticamente quando a economia volta a funcionar. Na economia financeira moderna, entretanto, a garantia temporária de pagamentos não descongestiona balanços por milagre. É necessária uma alocação clara das perdas, e os custos das boias lançadas aos bancos ainda pairam sobre as gerações presentes e futuras. Os surtos de desconfiança daí decorrentes não podem ser resolvidos pelos bancos centrais, pois sociedades em recessão resistirão a um aperto monetário e não faltam economistas para demonizar essa solução. Mas há um momento em que as políticas macroeconômicas terão de passar do regime de emergência para o regime da coerência. E não há coerência intertemporal sem contas públicas ajustadas a um crescimento tolerável da dívida pública. Ben Bernanke, em seu testemunho no Congresso no dia 3 de junho, exibiu com cores fortes a situação fiscal crítica dos EUA. Os problemas estruturais devidos ao envelhecimento da população se empilham agora sobre a necessidade de financiar as aquisições de ativos que o setor privado rejeitou. Paul Krugman e outros reagem a essa nova Treasury View, confiando no retorno rápido desses ativos às carteiras privadas à medida que a normalidade dos mercados produza preços atraentes. Mas uma parte deles é mesmo lixo que intoxica a dívida pública americana e compromete a confiança no dólar. Os danos aos balanços dos bancos centrais e dos Tesouros nacionais têm sido variados. Na Europa, alguns países ficarão fora dos mercados de dívida por muitos anos. No Brasil, os danos à dívida pública dependem do efeito da sustentação da oferta de crédito sobre o balanço dos bancos oficiais. Na China, suspeita-se que os bancos oficiais carreguem uma carga razoavelmente pesada de empréstimos impagáveis, mas o déficit fiscal é pequeno, a carga tributária é baixa para padrões internacionais e há amplo espaço para a expansão da dívida pública. Na maioria dos países a trajetória projetada para a dívida pública não favorece a tarefa dos bancos centrais: substituir gradativamente os instrumentos de afrouxamento quantitativo pela administração das taxas de juros de curto prazo. Enquanto isso não ocorre, surtos de volatilidade nos mercados de dívida pública mostram que os mercados ainda podem demorar a formar preços confiáveis para os ativos mais longos e arriscados. *Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do IEPE/CdG

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