Novo Bolsa Família é 'insuficiente e cruel com os mais pobres', diz rede de 300 entidades

Rede Brasileira de Renda Básica aponta oito razões que fazem da aprovação do projeto um caminho para o retrocesso nas políticas sociais; texto foi entregue hoje por Bolsonaro ao Congresso

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Por Adriana Fernandes
4 min de leitura

BRASÍLIA  - A Rede Brasileira de Renda Básica chamou de “cheque em branco” a Medida Provisória que cria o Auxílio Brasil para substituir o programa Bolsa Família e um caminho para o retrocesso nas políticas sociais se for aprovada pelo Congresso. “O novo Bolsa Família é insuficiente e cruel com os mais pobres”, diz a nota sobre o modelo desenhado para a proteção aos mais vulneráveis entregue nesta segunda-feira, 9, pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso.

A Rede diz que a proposta do novo programa de transferência de renda, pensado para ser a marca da gestão de Bolsonaro, é pior do que o Bolsa Família por oitos razões. Para a Rede, o Auxílio Brasil não pode ser considerado uma resposta à realidade social e econômica do País depois do auxílio emergencial concedido durante a pandemia da covid-19

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Rede critica ausência de qualquer base técnica ou referência social. Foto: Agência Senado/ Divulgação

Representando mais de 300 entidades da sociedade civil envolvidas no tema de transferência de renda representadas, a Rede critica o texto da MP que por dar ao presidente o poder de definição até mesmo da linha de pobreza utilizada como referência de quem é elegível ao programa, sem qualquer base técnica ou referência social. A maior preocupação é que o governo terá a responsabilidade exclusiva para editar regulamentos relativos a valores de benefícios, prazos e regras de permanência. 

Para a Rede, ao instituir o novo programa por meio de MP, o governo despreza a sociedade civil, especialistas e o próprio Congresso. Isso porque a MP entra em vigor ao ser publicada no “Diário Oficial da União” e tem força de lei. No entanto, o texto precisa ser aprovado por deputados e senadores em até 120 dias para valer de forma definitiva.

A Rede avalia ainda que a medida vai na contramão da evolução dos programas de transferência de renda ao redor do mundo, cada vez mais orientados pela perspectiva da renda básica. Outra crítica é que a MP impõe dificuldades de acesso a benefícios e serviços e que o Auxílio Brasil não atinge o objetivo de ter benefícios mais abrangentes, capazes ao mesmo tempo de extinguir a pobreza e proteger contra as dificuldades do mercado de trabalho. “A política de auxílios provisórios implementados durante a pandemia de covid-19 não pode se tornar permanente”, ressalta a nota.

A Rede classifica a MP de "cruel" por criar categorias de benefícios que dependem de desempenho científico e esportivo que crianças e adolescentes não podem vislumbrar na rede escolar atual, além de impor às famílias, majoritariamente chefiadas por mulheres, a responsabilidade de aumentar sua renda para receber o auxílio destinado à contratação de creches particulares, vinculando o direito de crianças às condições profissionais encontradas por seus pais.

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Veja as oitos razões, que segundo a Rede, o Auxílio Brasil é pior do que o Bolsa Família: 

  1. Valores do novo programa não estão definidos O governo só anuncia o aumento de 50% dos valores médios do Bolsa Família, sem demonstrar como isso se efetiva na prática. Aos moldes do Auxílio Emergencial, mesmo anunciando um benefício médio de R$250,00, da maior parte dos beneficiários de 2021, 45%, recebem somente R$150,00;
  2. Número de novas famílias serão beneficiárias indefinido Ao somarmos as famílias beneficiárias do Bolsa Família e a fila de espera, o patamar é de aproximadamente 16,8 milhões de famílias. São 2.164.557 milhões de famílias aguardando o benefício desde antes da pandemia. Com os indicadores atuais e a estagnação do Cadastro Único, muitas famílias que perderam emprego ou mudaram suas configurações familiares na pandemia estão fora do programa;
  3. Empurra beneficiários para crédito consignado O Auxílio Brasil pode gerar endividamento dos mais pobres. O governo quer permitir que até 30% do valor do benefício possa ser descontado na fonte para abater empréstimos consignados;
  4. Condiciona novos auxílios ao sucesso em jogos esportivos e olimpíadas escolares sem oferecer condições para isso;
  5. Ainda mais incompreensível por parte dos beneficiários: cria nove modalidades distintas de benefícios de difícil compreensão e transparência;
  6. Não considera todos os apontamentos e falhas de implementação do auxílio emergencial;
  7. Não cria a transição dos dados do Auxílio Emergencial para o Cadastro Único: a necessidade de integrar as informações e concentrar a base de dados de cruzamentos do programa não está prevista, como já apontado desde o início do Auxílio Emergencial;
  8. Não dialoga com realidade econômica e novas respostas exigidas pela população brasileira: a taxa de desocupação engloba a taxa de desemprego, a desocupação de autônomos e trabalhadores por conta própria. Além do desemprego, há sinais de aumento da precarização com crescimento no número de trabalhadores por conta própria, passando de 21,1 milhões para 24,2 milhões, 80% dos quais sem CLT, proteção trabalhista ou contribuição previdenciária no segundo trimestre de 2020. 

O vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT), também criticou a MP pela complexidade das regras. "A Medida Provisória sobre o Auxílio Brasil do Presidente Bolsonaro vai complicar a vida dos brasileiros com 42 artigos de regras. Muito melhor será a Renda Básica Incondicional e Universal", disse o ex-senador. Suplicy é o autor da lei que criou a renda básica no Brasil há 17 anos e que o Supremo Tribunal Federal mandou o governo regulamentar em 2022. Para justificar a edição da MP, o governo Bolsonaro tem citado a decisão do STF.

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