PUBLICIDADE

Publicidade

Novo protesto de ruralistas argentinos entra no 2º dia

Representantes do setor realizam novos protestos e bloqueios após fracasso de negociações com o governo

Por Marina Guimarães e da Agência Estado
Atualização:

A Argentina vive nesta sexta-feira, 9, o segundo dia de protestos do setor agropecuário na chamada "nova etapa" da crise iniciada há quase dois meses. Nova, porque durante todo este período, os representantes do setor tentaram, sem êxito, negociar com o governo de Cristina Fernández de Kirchner, esgotando todas as possibilidades de um acordo.   Veja também: Bloqueios de pecuaristas argentinos já afetam o Brasil   O mesmo não ocorreu previamente ao locaute iniciado no dia 13 de março, quando não houve nem um ensaio de diálogo, já que o governo simplesmente impôs suas mudanças no sistema de cobrança dos impostos de exportações, sem consultar o setor, detonando o maior protesto dos últimos 30 anos.   É nova também porque desta vez, os agricultores e pecuaristas estão tomando todo o cuidado para evitar que a sociedade fique contra o movimento, evitando o desabastecimento. E, por isso, estão deixando passar pelos bloqueios intermitentes todos os alimentos destinados ao mercado interno. Também elaboraram um programa de protestos para evitar a repressão por parte das forças de segurança. Além disso, planejaram formas de protestos que não provoquem divisões internas no movimento.   A estratégia se baseia em demonstrar o grande poder de mobilização e de unidade do setor com a presença massiva dos produtores ao longo dos acostamentos das artérias rurais do país. Um poder que pode provocar danos fiscais ao governo, já que durante os oito dias de protestos, os produtores deixarão de vender cerca de US$ 385 milhões, conforme cálculos da Escola de Economia e Negócios da Universidade de San Martín (USM).   Perdas milionárias   O Estado deixará de receber cerca de US$ 500 milhões em impostos destas exportações que não serão feitas. "O Estado tem arrecadação e reservas e pode continuar assistindo às perdas de US$ 55 milhões do agronegócio por dia", opinou o economista Enrique Dentice, da USM.   No entanto, ele destaca que a arrecadação do fisco, no que diz respeito a esses impostos, cresceu 150% mensal nos primeiros meses deste ano. Mas, em março, quando houve o locaute e o governo fechou as exportações de carne bovina, aumentou só 50%. O mesmo ocorrerá em abril, já que o mercado continua fechado e a crise não cedeu.   O mercado de grãos e de carne está totalmente paralisado e as operações no mercado de futuros também. Não há nenhuma oferta pelos grãos disponíveis em nenhuma das bolsas locais. O conflito do campo e a necessidade de o governo de garantir o abastecimento de alimentos básicos não só prejudicaram as vendas de carne ao exterior, mas também as exportações de laticínios.   Fontes das empresas informam que o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, está controlando o volume das vendas externas de maneira "arbitrária", já que somente os embarques para a Venezuela estão sendo liberados. A Argentina tem um acordo com a Venezuela para o envio de leite e derivados. Além disso, o presidente Hugo Chávez desfruta de relação preferencial com o governo argentino.   Resistência   A presidente Cristina Fernández de Kirchner, em um discurso na quinta-feira, deixou claro que não vai ceder às reivindicações do agronegócio. "Yo tengo aguante", disse a presidente em uma expressão que poderia ser traduzida como: "eu posso agüentar". Ela não se referiu diretamente à crise, mas deu a entender que está pronta para enfrentar o embate.   A única medida que poderá terminar com a crise entre o campo e o governo na Argentina é a decisão oficial de colocar um teto à alíquota das retenções. Quando no dia 11 de março, o então ministro Martín Lousteau anunciou as retenções móveis (que variam de acordo com a alta internacional dos grãos) para as exportações de soja, a alíquota era de 35%. Um dia depois de anunciada a medida, já era de 44%. Na quinta-feira, de acordo com o preço internacional da soja e aplicando o polêmico sistema, a alíquota desse imposto era de 39%.   Os homens do campo já não discutem se a alíquota terá quatro ou cinco pontos a mais. O que eles querem é que seja fixa, como era antes do dia 11 de março. O problema é que com o atual mecanismo, se a soja chegasse a superar US$ 600 a tonelada no mercado internacional (agora está em cerca de US$ 350, para entrega em julho), a alíquota sobre esse excedente seria de 95%. Esse nível é considerado um confisco por parte dos agricultores, já que ficariam com somente 5% do valor da venda de seus produtos.   Crise de autoridade   O chefe de Gabinete da Presidência, Alberto Fernández, reconheceu aos 12 representantes do campo, na última mesa de negociação que ele participou, que o mecanismo continha erros que precisavam ser corrigidos. No mesmo dia, desmentiu essa afirmação e o governo endureceu sua postura ao manter-se firme na negativa de discutir uma mudança. A ordem do ex-presidente Néstor Kirchner, primeiro cavalheiro e conselheiro da presidente Cristina Fernández de Kirchner, é não voltar atrás na medida porque seria uma demonstração de debilidade do governo.   Para o analista político do jornal La Nación, Carlos Pagni, "há uma clara crise de autoridade e esse é o problema central" do confronto mais grave dos últimos anos na Argentina e que deteriora a imagem da presidente à velocidade da luz. Em menos de seis meses de governo, Cristina já caiu de quase 70% de aprovação para 35%, segundo a maioria das pesquisas realizadas pelas diferentes consultorias no país.   A crise de autoridade mencionada por Pagni diz respeito à influência de Néstor Kirchner nas decisões da Casa Rosada. "Cristina passou a ser apenas uma figura estética do governo e todas as decisões são tomadas por Néstor", afirmou. Daí, as inconsistências das negociações entre Alberto Fernández e os líderes do setor agropecuário. Em uma reunião, se avançava um passo, para duas horas depois, Kirchner vetar o avanço porque "está decidido que nesse conflito ele quer sair ganhando", concluiu.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.