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Novo relacionamento entre Tesouro e BC resultará em economia com juros da dívida

Lei sancionada por Bolsonaro reduz a necessidade de emissão de títulos da dívida brasileira pelo Tesouro Nacional para cobrir eventuais prejuízos do Banco Central

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro vai permitir que o Brasil economize no pagamento de juros da dívida pública. A nova regra reduz a necessidade de emissão de títulos da dívida brasileira pelo Tesouro Nacional para cobrir eventuais prejuízos do Banco Central. Ao mesmo tempo, passa a permitir o cancelamento dos papéis que não estão sendo usados pela autoridade monetária em sua tarefa de enxugar o excesso de dinheiro em circulação na economia e evitar que isso provoque a aceleração da inflação.

No ano passado, os títulos públicos na carteira do BC geraram uma fatura de R$ 80,9 bilhões em juros para o Tesouro. O valor é quase um quarto do total de encargos da dívida pública, que somaram R$ 342,7 bilhões em 2018. A expectativa é que o cancelamento do excesso de títulos parados na carteira do Banco Central possa gerar uma economia de cerca de R$ 8,9 bilhões ao ano em juros.

No ano passado, os títulos públicos na carteira do BC geraram uma fatura de R$ 80,9 bilhões em juros para o Tesouro Foto:

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A medida também reduz a dívida pública sob a ótica do Fundo Monetário Internacional (FMI), que considera na estatística os títulos na carteira do BC que estão sem uso, descontados na metodologia usada pelo Banco Central. Para o FMI, a dívida brasileira fechou 2018 em 87% do PIB, contra 77% nos cálculos da autoridade monetária brasileira.

O BC precisa de papéis do Tesouro para executar sua missão de controlar a inflação. Quando há muita liquidez na economia, a instituição "vende" os títulos no mercado, com compromisso de recompra em uma data posterior, nas chamadas operações compromissadas.

Hoje o Banco Central tem R$ 1,8 trilhão em títulos, mas R$ 576,96 bilhões estão fora de uso pela autoridade monetária (cerca de 10% do PIB), segundo dados de março deste ano. Dessa carteira livre, R$ 137 bilhões foram emitidos especificamente para a execução da política monetária. É esse montante que poderá ser cancelado, desde que respeitando outras regras prudenciais para evitar comprometer os instrumentos necessários para o controle da inflação.

Uma delas exige que ao menos 4% da carteira total esteja livre para servir de lastro a qualquer momento nas operações compromissadas. O porcentual atual é bem maior que isso e supera os 30%.

O cancelamento dos papéis fora de uso será uma decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo Ministério da Economia, pela Secretaria Especial de Fazenda e pelo Banco Central. Apesar da estimativa de uma economia potencial de R$ 8,9 bilhões ao ano, caso todos os R$ 137 bilhões sejam cancelados, o valor exato a ser poupado dependerá do tipo de papel a ser retirado, já que existem diferentes tipos de remuneração pagos pelo Tesouro Nacional.

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Além disso, o governo precisará emitir menos papéis daqui para frente, pois a cobertura de eventuais prejuízos do BC passará a ser feita com outros instrumentos antes de a responsabilidade recair sobre o Tesouro Nacional. Primeiro, a autoridade monetária passará a registrar o lucro ou o prejuízo decorrente do efeito do câmbio numa reserva contábil. Essa conta gráfica acumulará os resultados positivos e vai amortecer os negativos.

Caso não haja saldo suficiente na reserva para compensar o prejuízo do exercício, o BC também poderá usar seu patrimônio líquido como linha de defesa, desde que não fique inferior a 1,5% do total dos ativos. Hoje esse patrimônio é de R$ 126,9 bilhões, ou 3,6% do ativo, o que mostra uma posição confortável do Banco Central para fazer frente a eventuais prejuízos.

“A mudança favorece a dinâmica da dívida, é um fator a menos provocando emissão. Gera menos encargos, diminui a necessidade de pagar juros”, explica o coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Luiz Fernando Alves.

Efeitos da oscilação do dólar

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A regra anterior determinava que os prejuízos do Banco Central, mesmo que decorrentes apenas da queda do dólar (que diminui o valor contábil em reais das reservas internacionais), fossem cobertos integralmente com a emissão de títulos pela União. Com o crescimento das reservas internacionais a partir de 2007, o resultado do BC ficou mais sensível às oscilações na cotação do dólar, e a instituição acabou acumulando uma farta carteira de títulos públicos. Só no período de 2008 a 2018, o Tesouro emitiu R$ 714,8 bilhões em papéis para o BC, sendo R$ 695,4 bilhões devido ao efeito do câmbio.

A nova lei diminui consideravelmente o fluxo de recursos entre Tesouro e Banco Central, algo tido como uma particularidade do arcabouço de regras no Brasil e incomum em outros países. Dados do governo mostram que de 2007 para cá, o maior volume de emissões de títulos pela União em favor do BC se deveu à cobertura de prejuízos, não à necessidade de aportar papéis para recompor a carteira livre e garantir os instrumentos de controle da inflação.

A mudança ainda acaba com os fluxos de pagamentos contrário, do BC ao Tesouro, quando há lucro da autoridade monetária decorrente do efeito do câmbio. Esses repasses, que devem ser usados para abater dívida pública, vinham ajudando o governo inclusive a cumprir a chamada regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para bancar despesas correntes como salários. De 2008 para cá, o BC pagou R$ 1,015 trilhão ao Tesouro, sendo R$ 709,2 bilhões devido à equalização cambial.

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Para Alves, a medida é um avanço na transparência da relação entre Tesouro e BC. No entanto, ele ressalta que a iniciativa, embora reduza a dívida e melhore sua trajetória, não é uma solução definitiva para os problemas fiscais do País. “Não temos a expectativa de mudar o patamar da dívida. Para isso, as reformas têm de ser levadas adiante”, alerta.

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