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Economista e advogada

Opinião|Nunca um ministro da Economia teve tantos poderes, mas lhe faltam habilidade e humanidade

Paulo Guedes atribui o pessimismo de seus críticos à agudização da disputa política ou mesmo a um complô da Febraban. A culpa é sempre dos outros

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Atualização:

Natal passado, estava abrindo presentes com meu neto. Perguntei a ele como Papai Noel conseguia distribuir presentes para tantas crianças, em tantos lugares, ao mesmo tempo. “Ora, vovó, essa é a habilidade dele.” E saiu correndo para o banheiro.

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Na volta, eu o elogiei por ter aprendido a ir sozinho. Do alto de sua sabedoria, disse: “É uma habilidade minha, que eu adquiri”. Ele já nasceu com vantagens, do ambiente familiar à qualidade da escola. Sai na frente de milhões de crianças, evolui com facilidade e adquire habilidades a todo instante. 

Lembrei dessa história conversando com um senhor na porta de um supermercado. Tinha perdido o emprego na pandemia. Envergonhado, pedia ajuda para levar itens básicos para a casa. Sabe que sua situação só se resolverá com um novo trabalho.

“Qualquer coisa”, disse ele, “carteira assinada, trabalho temporário ou informal”. “Tanto faz o serviço.” Por enquanto, depende da solidariedade de quem passa e volta para casa com suas sacolas, até o mês que vem. As habilidades dele não servem mais.

Quando a covid-19 chegou, a desigualdade no nosso País já era alta. Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 29/7/2021

As perspectivas para 2022 pioraram nas últimas semanas, acompanhando o agravamento da crise institucional criada por Bolsonaro, aliada à demora em reagir aos sinais de uma severa crise hídrica. Novas projeções de crescimento do PIB mal chegam a 2%, com a inflação beirando os dois dígitos e os juros subindo. Paulo Guedes atribui o pessimismo de seus críticos à agudização da disputa política ou mesmo a um complô da Febraban. A culpa é sempre dos outros. Afinal, o Brasil segue decolando, a inflação de 8% é do jogo, o desemprego é erro estatístico do IBGE, energia cara não é problema, as reformas são um sucesso e, ainda, há sempre a semana que vem a nos reservar uma privatização.

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Com esse cenário, o setor de serviços, de maior potencial de empregabilidade, não vai reagir como esperado, apesar da ampliação da vacinação.

Nesse segmento, a informalidade é mais presente e a qualificação da mão de obra, menor. Além disso, várias profissões foram extintas. Como o senhor na porta do supermercado, muitos precisam se reinventar. A desigualdade de renda deve aumentar, já que, na indústria, onde houve forte recuperação, o mercado formal domina e os salários são mais elevados.

A rapidez nas mudanças das formas de trabalho exige do trabalhador uma capacidade de adaptação grande e uso de ferramentas tecnológicas diretamente ligadas à qualidade da educação que recebeu. Já estávamos atrasados na preparação de jovens para o mundo digital e a economia do conhecimento, e, com a pandemia, recuamos.

Com mais de 200 dias de aulas paradas, perderam-se anos de aprendizado. E ainda há o desafio de retreinar trabalhadores de todas as idades.

Quando a covid-19 chegou, a desigualdade no nosso País já era alta. O Brasil era o 8.º pior, junto com Botswana, no ranking mundial. Sem crescimento, não vai melhorar. A igualdade de oportunidades e um ensino que estimule a absorção de novas capacidades devem ser o foco de políticas públicas. Desde a primeira infância até a vida adulta.

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Caminhando pela minha vizinhança, percebo o número de pessoas vivendo na rua crescendo a cada dia. Aos pedintes e vendedores de balas, juntam-se famílias desabrigadas. Não pedem só dinheiro, mas comida, agasalhos e emprego. Até currículos são distribuídos na expectativa de uma oportunidade.

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Se no Leblon está assim, imagina no resto do País. Vou ouvindo as histórias desses novos vizinhos. Uns acabaram de ser despejados, outros ficam estrategicamente posicionados ao lado dos vendedores de “quentinha”, outro grupo que se multiplicou nos últimos tempos. Comerciantes nem reclamam mais da concorrência desigual, estão todos juntos e solidários na crise. Os invisíveis estão cada dia mais conspícuos.

Mas isso não preocupa este governo, muito menos o ministro da Economia. Nunca um responsável pela política econômica teve tantos poderes. Mas lhe faltam habilidade e, certamente, humanidade. Pobre só atrapalha. Come demais e quer viver até os 100 anos. Porteiro teima em colocar filho na universidade e empregadas ousam ir para Disney. Caco Antibes e Justo Veríssimo são personagens cômicos, mas ele, infelizmente, é real. Vem para a rua, Paulo Guedes. Dia 12 de setembro, iremos todos.

* ECONOMISTA E ADVOGADA 

Opinião por Elena Landau
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