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'O agronegócio não precisa da Amazônia para crescer', diz ministra da Agricultura

Bancos brasileiros deveriam reduzir seus juros para o agro em vez de criticar políticas ambientais, afirma Tereza Cristina

Foto do author Andreza Matais
Foto do author André Borges
Por Andreza Matais e André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – O agronegócio não precisa das terras da Amazônia para expandir sua produção no País. A afirmação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é feita em um momento em que o Brasil volta a protagonizar números recordes de desmatamento na maior floresta tropical do planeta, deixando a comunidade internacional em situação de alerta e expondo o País ao risco de perder investimentos.

Tereza Cristina, ministra da Agricultura Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O agro, diz Tereza, tem crescido nas áreas já desmatadas e a Amazônia, com seu clima e terras diferentes das demais regiões, não é atraente, além de não contar com infraestrutura logística. “Não precisamos da Amazônia. E eu sou uma defensora intransigente de se zerar o desmatamento ilegal”, disse, em entrevista ao Estadão.

A ministra diz que parte das críticas ao País está relacionada aos interesses comerciais e de concorrência, afirma que os bancos brasileiros deviam reduzir seus juros ao setor, em vez de criticar políticas ambientais do governo, e que o agro, em meio à pandemia, tem ampliado exportações e consumo interno.

Leia os principais trechos da entrevista:

Nos últimos dias, a China paralisou a importação de carne de alguns frigoríficos brasileiros. O que ocorreu?

Estamos respondendo a todos os questionamentos dos chineses. Não houve nada de errado com os frigoríficos, que estão testando todos os seus funcionários em relação à covid-19. Nós tomamos aqui todas as precauções com as pessoas. Estamos conversando e explicando isso. Muitas vezes, acontece de os chineses não entenderem nossa legislação, não compreenderem como um Ministério Público pode, eventualmente, ser contra uma portaria do governo, por exemplo. Acham que é tudo a mesma coisa. Enfim, estamos trabalhando juntos, com o ministério da Saúde, Agricultura e Economia, para informar corretamente. Foi um mal entendido em relação a alguns trabalhadores que já estavam afastados, por causa da covid-19. O fechamento de uma planta, embora seja algo pontual, acaba mexendo com uma cadeia inteira que gira em torno daquela operação. Mexe com o pequeno produtor, o mercado de ração, de mão-de-obra, transporte, embalagem. Então, é algo que precisa ser rapidamente resolvido. Eles estão usando todas as barreiras de proteção e estão fazendo isso no mundo todo. Temos plena consciência de nossos protocolos, que são técnicos e rígidos. O que havendo, neste momento, são reflexos do aumento de demanda. O Brasil está sendo mais procurado, para ser supridor de mais alimentos do que já é.

Procurado por quem?

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O Peru é um exemplo. A Tailândia é outro, a Indonésia. Hoje, procuram muito o Brasil não só em relação a carne e soja, mas também estão nos demandando para expansão de outros produtos, como gergelim, que algo que hoje produzimos pouco, mas que conseguimos agora abrir mercado com a Índia. Entre 2019 e 2020, foram abertos 67 mercados em 25 países diferentes, com diversificação de produtos e destinos. No caso da China, neste período, foram abertos os mercados para lácteos, miúdos de origem suína, carne bovina termoprocessada, farelo de algodão e melão. Habilitamos 38 estabelecimentos para exportar para aquele país.

Qual o impacto da covid no agronegócio?

De maneira geral, o setor tem crescido. Na área de proteína, por exemplo, tem crescido nesse momento, dentro e fora do Brasil. O consumo não caiu. No agro, a área de proteína é a que empregou mais gente. Eu penso que, no meio dessa tragédia, tem ocorrido uma coisa boa. As cidades, que desconheciam ou tinham esquecido a importância da agropecuária para o País, agora estão mais conectadas com o setor. Com a pandemia, o tema do risco do desabastecimento mexeu com as pessoas, que se sensibilizaram para a importância de ter um País bem abastecido, o que eleva muito o nível de segurança nacional. Somos autossuficientes em quase tudo.

A pandemia tem exigido mudanças de controle sanitário?

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Cada vez mais, vamos ter mais exigências. O Brasil já tem padrões muito elevados. Além disso, não existe nenhuma informação no mundo de que exista covid-19 em alimentos, não há nenhum estudo no mundo que mostre isso. O Brasil já segue os protocolos mais rígidos das regras sanitárias e vai continuar assim, somos uma referência nisso.

O avanço do agronegócio sobre a Amazônia é uma realidade. A senhora acha que a agricultura precisa, de fato, entrar na Amazônia para aumentar sua produção?

Não precisa. Hoje, com as necessidades da população no Brasil e em todo o mundo, não precisa. E não se trata só disso. A Amazônia não tem logística para tirar produção. Você tem que fazer estrada, aumentar porto, ferrovia. A região não possui essa infraestrutura. Além disso, nossa tecnologia da agricultura foi feita para regiões como o cerrado, para o Sul e Sudeste. E essa tecnologia muda conforma a região. Plantar soja no sul de Campo Grande (MS) não tem nada a ver com a forma de plantar soja no norte do mesmo Estado. As variedades são outras, a luminosidade. Isso é tecnologia e não pode ser aplicada na Amazônia.

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A comunidade internacional tem criticado duramente o aumento nos índices de desmatamento da Amazônia. O governo não deveria incentivar a produção fora dessa região?

Isso já é feito. E, hoje, a gente não precisa nem incentivar. Se você olhar o nosso desenvolvimento nesses últimos anos na pecuária, por exemplo, vai ver que o setor teve um aumento enorme de produtividade, mas não de área utilizada, e assim acontece com toda a agricultura. Nos últimos 40 anos, nossa área plantada cresceu 32%, enquanto a produtividade aumentou 385%. E isso se deve à pesquisa, à nossa tecnologia. O que a gente precisa ter é equilíbrio. As políticas públicas do ministério vão no sentido de incentivar a agropecuária moderna e sustentável, sem abertura de novas áreas de plantio. E isso tem ocorrido. A Embrapa mostra que apenas 12,8% do bioma Amazônia está ocupado pela agropecuária. Preservar o meio ambiente é uma condição fundamental para o agricultor e ele está mais consciente disso. Antes, você ia para o campo e as pessoas desconheciam o assunto. Hoje, todos sabem da relevância disso, o produtor rural, o pequeno, ele sabe que, se fizer algo errado, isso terá consequências.

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Como a senhora recebeu a carta das instituições financeiras internacionais, que criticaram o desmatamento no País?

Não sou muito ligada a críticas, o que eu acho é que a gente tem que resolver o problema. Mas acontece que, às vezes, existem outros interesses comerciais, que não são algo pontual e ligado só ao meio ambiente. Por que só o Brasil? Essa é a pergunta que a gente tem de fazer. Eu não tenho mais idade para acreditar em Papai Noel. Então, o que vejo é que existe uma desinformação, às vezes, sobre algumas coisas. O Brasil é um País continental. É preciso entender, inclusive o que é a Amazônia. A área da Amazônia Legal, por exemplo, inclui o Mato Grosso, que tem outros biomas, como pantanal e Cerrado. Então, a gente precisa começar a ter definições claras. Não podemos generalizar. Está tendo mais desmatamento? Está. Mas onde está ocorrendo esse desmatamento? O que é ilegal? Fora isso, é preciso entender que o Brasil é uma referência mundial no agronegócio. E depois que nós assinamos o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, os ataques começaram a subir de tom. Se antes estávamos com o farol no verde ou no amarelo, estamos no vermelho agora. O Brasil incomoda o Velho Mundo. Por quê? Porque somos um concorrente muito preparado nesse mercado. Que país no mundo produz até três safras por ano, numa mesma área? Ninguém tem isso.

A senhora atribui as críticas ambientais a essa concorrência nos setor?

Sabemos que tem uma parte política nisso, que é para se contrapor ao governo, e tem essa da concorrência, que incomoda muito o mercado europeu e os Estados Unidos. Nos cinco primeiros meses do ano, as exportações do agro somaram US$ 42 bilhões, uma alta de 7,9% em relação ao mesmo período no ano anterior. Esse resultado foi puxado, principalmente, pelas exportações do complexo soja e de carne bovina para a China. Em 2020, a China adquiriu quase 73% da soja em grãos exportada pelo Brasil. Por outro lado, sabemos também que o próprio mercado financeiro passou a olhar o setor com outros olhos. O ministério lançou uma política financeira verde para a agricultura sustentável e capitalizar. Iniciativas como a Climate Bonds Initiative (CBI), que financia projetos verdes, têm o Brasil como principal referência mundial.

Mas as críticas ambientais não vêm apenas de fora. Os maiores bancos brasileiros, como Bradesco e Itaú, também alertaram sobre o assunto.

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Entendo que eles tenham os motivos deles, eu quero entender. Agora, eu acho também que está na hora de os bancos brasileiros emprestarem para a agricultura com juros mais baratos, investirem na boa agricultura, moderna e sustentável, e não só o governo colocar dinheiro para baixar os juros. No Brasil, os juros são muito altos. Talvez, se esses recursos forem mais democratizados, melhore ainda mais. Eu convido o Bradesco, o Itaú, para apostarem na agricultura. Venham colocar linhas de crédito do tamanho que a agricultura precisa, que terão retorno, e o Brasil terá também seu retorno no meio ambiente. Nós lançamos linhas para quem tem processos produtivos sustentáveis, como bioinsumos, e estamos indo muito bem nisso.

A senhora acredita, então, que o governo é injustiçado quanto às suas políticas ambientais?

Eu acho que nós estamos errando, todos nós, na comunicação. Temos problemas? Sim, e é preciso tratá-los. Agora, você não pode demonizar uma atividade econômica forte como é o agronegócio, colocando todo mundo no mesmo balaio. Não é assim. O Brasil é um dos países que mais têm mata nativa em pé. O que nós precisamos é mostrar os dados corretos, ter essa análise de dados e uma melhor comunicação. Temos muitos bancos de dados espalhados, que falam de coisas de forma separada. Estamos fazendo um programa de integração e qualidade de dados. A agricultura não anda dissociada do meio ambiente. Isso é uma balela que criaram. O que não se pode é cometer exageros.

Quais exageros?

Temos que começar a trabalhar com base em ciência. Eu sou uma defensora intransigente de se zerar o desmatamento ilegal e da aplicação do nosso Código Florestal. A legislação exige, no caso da Amazônia, que os proprietários rurais preservem 80% da vegetação nativa. Essa posição foi e tem sido reiterada em pronunciamentos públicos sobre o assunto. Para o ministério, a preservação do bioma Amazônia é fundamental para agricultura brasileira. E aqui entra a importância da regularização fundiária.

O governo foi derrotado na MP da regularização fundiária, também conhecida como a MP da grilagem. Qual o próximo passo?

Temos que avançar neste assunto, que é prioridade no ministério. Se você não souber quem é o dono, quem vai multar e fiscalizar? É preciso ter como responsabilizar. Hoje essa pessoa é excluída, está na informalidade total. O desmatamento é preocupante, mas também me preocupa muito a pobreza. Se um produtor está numa região em situação difícil e se ele, para sobreviver, precisar desmatar o que não deve e a política pública não chegar, ele vai fazer, é uma questão de sobrevivência. O nosso problema no Brasil hoje é fiscalizar esse imensidão.

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Foram liberadas centenas de agrotóxicos recentemente. Ainda é necessário liberar mais defensivos?

Ainda estamos correndo atrás, sim, porque se criou uma fila quilométrica dessas substâncias. Existia um viés que não era científico, a ideia de que aprovar pesticidas era ruim. Isso é um avanço para o Brasil. A aprovação de genéricos é de substâncias que já estão aí. Na verdade, estamos quebrando royalties de grandes empresas. São remédios que ficaram na fila tanto tempo, que perderam as patentes. Tinha agrotóxico que custava R$ 68 o litro e que hoje custa R$ 5 o litro. No ano passado, 474 registros de defensivos agrícolas foram aprovados. Destes, 94% são produtos genéricos. Nós gostaríamos é de ter mais moléculas novas, porque são menos tóxicas que aquelas que já estão no mercado.

Isso não prejudica ainda mais a imagem do setor no mercado internacional?

Então, tem uma série de mitos neste assunto, que precisam acabar. Esse é mais um. Na Argentina, batem panela para enaltecer o produtor, aqui a gente bate panela para escrachar o produtor. Tem que ter equilíbrio, porque esse assunto é científico, tem que ser tratado como ciência. Às vezes , a gente vê o Brasil sendo apontado lá fora como um País que está liberando mais substâncias etc. Nós estamos liberando o que os outros países já liberaram, e são genéricos que você pode usar com segurança, mas de maneira correta. Se eu colocar veneno de piolho em sua cabeça, pode ser que você se intoxique. Se eu colocar o que está na bula, é remédio. O Brasil usa menos agrotóxico que os americanos. O que eu vejo é que tem um pouco de tentativa de desconstrução do Brasil nisso, porque nós crescemos muito.

Há comentários de que a senhora poderia deixar o ministério. Qual é a situação da senhora hoje no governo?

O meu trabalho aqui é tão instigante, tão prazeroso. Eu nasci produtora rural. Meu pai era agrônomo, eu sou engenheira agrônoma, trabalhei a vida inteira com isso. Então, eu vejo aqui os desafios do que nós podemos caminhar e acelerar no campo da agricultura. Então, esses comentários todos, me perdoem... Eu sou tão envolvida no meu trabalho. Agora, tenho a noção de que isso aqui é um cargo de confiança, e que é do presidente. Se amanhã ele se irritar comigo ou eu tiver que fazer alguma coisa... Eu tenho, do presidente, um tratamento tão respeitoso. Todas as vezes que eu fui conversar com ele um assunto sério do ministério, tive o apoio dele, sempre, e às vezes, sobre temas que nem sabia se ele era a favor ou contra. Eu não tenho nenhum motivo hoje para estar desgastada com o governo. Aqui, tem muita coisa para fazer e, por enquanto, tem me dado muito prazer, porque sinto que as coisas estão andando e evoluindo.

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