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O alto custo de não racionar

Por RAUL VELLOSO
Atualização:

Tem-se erguido um expressivo parque termoelétrico no Brasil, como ingrediente básico da estratégia de evitar a adoção de um racionamento de energia em momentos bicudos. Quer-se minimizar o risco de atravessar uma situação parecida com a de 2001, quando o governo FHC decretou um racionamento e, ao que parece, começou ali a perder a batalha da eleição de seu candidato. O peso das termoelétricas na base do sistema era da ordem de 10%, e geravam o tempo inteiro. Posteriormente, esse porcentual de usinas de alto custo subiu para 40%, com o plano de gerarem no máximo a metade de sua capacidade. Só que, diante da crise atual e do temor do racionamento, as termoelétricas estão todas gerando a plena capacidade desde outubro de 2012. O fato é que o acionamento integral de térmicas tão caras tem um custo muito alto para a sociedade. Fala-se em algo ao redor de R$ 25 bilhões por ano, praticamente o custo atual do Bolsa Família, não havendo ainda como prever quando, no difícil quadro atual dos reservatórios, elas poderão reduzir novamente sua produção. Parte do custo pôde ser absorvida com as elevações de tarifas dos últimos meses. Mas grande parte está ainda à espera de solução, pois, no modelo em vigor, as geradoras hidrelétricas são obrigadas a entregar energia para as distribuidoras, nas quantidades e preços estabelecidos em contrato. Como foram obrigadas a reduzir sua produção a fim de economizar água (aí entrando as térmicas), elas têm de ir ao mercado spot para adquirir o volume de energia complementar, pagando um preço que foi superior a R$ 600/MWh em 2014, em contraste com um preço contratual de energia ao redor de R$ 100/MWh. Dessa diferença surgiu um impacto financeiro substancial, pois o déficit entre a produção efetiva e a geração normal esperada foi de 9%, havendo expectativa de esse déficit ser quase o dobro este ano. O correto seria as geradoras assumirem apenas o risco hidrológico, que elas levaram em conta ao assinar os contratos de concessão lá atrás. Isso implicaria, de acordo com avaliação do setor, um déficit de até 5%. Déficits de até essa magnitude talvez pudessem ser absorvidos pelas geradoras sem comprometer sua saúde financeira. O fato é que déficits tão altos como os atuais não podem ser explicados só pela hidrologia. Se olharmos a afluência recente, observamos que, embora tenha chovido abaixo da média nos últimos anos, estamos longe dos piores resultados observados nos últimos 80 anos. A causa é essencialmente o mau planejamento do sistema. De um lado, o custo da operação e manutenção das novas termoelétricas, basicamente movidas a óleo, ficou muito alto, ante a possibilidade de serem movidas por fontes mais baratas, como gás ou bagaço de cana, com certas dificuldades a equacionar, obviamente sanáveis. Do outro, o governo definiu metas difíceis de conciliar, como a de ter as tarifas mais baixas imagináveis e, ao mesmo tempo, reduzir a zero o risco de racionamento. Uma política de fixação irrealista de tarifas atraiu empresas aventureiras ou inexperientes para o setor, provocando atrasos ou não entrega de obras. Os órgãos reguladores, por sua vez, deixaram de fazer novas licitações para ampliar a oferta. Teriam de acompanhar a evolução das concessões privadas de energia elétrica, tomando as providências necessárias para evitar atrasos e outras falhas que travassem sua expansão. Ao lado de outros erros de planejamento, a decisão de só ter hidrelétricas a fio d'água diminuiu o potencial de geração do País. À medida que a oferta não crescia em ritmo suficiente, as usinas foram levadas a gerar mais do que seria prudente. Com o nível das represas se aproximando de valores críticos, o governo mandou fazer o contrário, provocando o elevado déficit acima mencionado. Assim, o mau planejamento está gerando um "esqueleto" de dezenas de bilhões de reais, que precisa ser reconhecido e sanado para que o setor elétrico possa sair da crise atual sem comprometer a geração elétrica no longo prazo. *É CONSULTOR ECONÔMICO

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