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O apelo de Meirelles

Por Ribamar Oliveira e ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
Atualização:

Não mereceu a atenção que merecia a entrevista do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao jornal inglês Financial Times, na semana passada. Nela, Meirelles fez um apelo aos outros presidentes de bancos centrais para que se unam na tarefa de manter as altas de preços sob controle. Para ele, a inflação será a principal preocupação do Brasil e do mundo nos próximos 12 meses. "O risco é que os preços de alimentos e de matérias-primas continuem a subir. Se cada dirigente de banco central decidir que esse é um problema para outros países, ninguém fará nada e haverá uma inflação (mais acelerada) em todo o mundo", disse Meirelles. Uma tradução livre do que Meirelles disse pode ser mais ou menos a seguinte: como todos estão vendo que a inflação é mundial e resulta da elevação dos preços das commodities agrícolas, do petróleo e dos minerais, motivada principalmente pela forte demanda das nações emergentes, os governos poderão achar que o problema não é seu e, dessa forma, aguardar que os outros adotem as medidas de controle. Nas discussões internas do governo, Meirelles tem lembrado o que se passou nos anos de 1970, por ocasião do primeiro e do segundo choque do petróleo. As políticas monetárias de muitos países, incluindo a do Brasil, acomodaram os choques, na expectativa de que um aumento da oferta resolveria o problema. O resultado foi apenas mais inflação, que só terminou sendo debelada por outro choque promovido pelo então presidente do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) Paul Volcker, que elevou a taxa de juro americana para algo próximo a 20% ao ano. Volcker quebrou a espinha dorsal da inflação, mas levou junto os países endividados, entre eles o Brasil. Meirelles parece dizer, na entrevista ao Financial Times, que é preciso evitar que se chegue a uma situação parecida com aquela dos anos de 1970, embora a realidade econômica atual seja bastante diversa daquela. Mas o erro do passado, lembra Meirelles nas discussões, foi a adoção de políticas monetárias que acomodaram os choques. Outra leitura das palavras de Meirelles é que não adianta um país, isoladamente, elevar sua taxa de juro e controlar sua demanda interna se os demais países não fizerem o mesmo. O caso do Brasil é emblemático. Desde abril, o BC mudou sua política monetária e passou a elevar sua taxa de juro básica (a Selic) para controlar a demanda interna e evitar que a inflação se dissemine por toda a economia. Mas é preciso reconhecer que a ação do Banco Central brasileiro não terá efeito algum sobre as causas primordiais da inflação, que são os aumentos dos preços dos alimentos, do petróleo e dos minerais. Ao reduzir o ritmo de crescimento do consumo das famílias, que efetivamente atingiu um nível insustentável no último trimestre do ano passado, quando chegou a subir 8,6%, o governo brasileiro poderá evitar uma elevação mais forte da inflação interna nos próximos meses. Mas o corte na atividade econômica, que representa um elevado custo político e social, não afetará os preços internacionais do petróleo, dos alimentos e dos produtos metálicos. Meirelles não disse, mas talvez esteja subtendido em suas afirmações, que outro tipo de risco é que a ação do Banco Central brasileiro freie a economia interna e, mesmo assim, o processo inflacionário continue, pois ele, essencialmente, vem de fora. De que adianta a ação isolada do Banco Central de um único país para enfrentar um fenômeno dessa magnitude? A inflação atual reflete o forte ritmo de expansão da demanda mundial por alimentos, energia e minerais. Não há indicações de que a demanda por esses produtos esteja desaquecendo ou que os seus preços possam cair no curto prazo. Para controlar essa inflação, é necessária uma ação coordenada dos bancos centrais, o que parece longe de acontecer por numerosas razões. O caráter mundial da inflação foi muito realçado na reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com alguns ministros e economistas, realizada na quinta-feira da semana passada. Em sua apresentação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o atual choque de commodities é o maior desde os anos de 1970 e que a inflação aumentou substancialmente em quase todos os países do mundo. Mantega mostrou que, entre os chamados Brics, o Brasil é o país com menor inflação, com 5,8% no período de 12 meses terminado em maio. No mesmo período, a inflação na Rússia foi de 15,1%. Na China, a inflação foi de 8,5% e na Índia de 7,8% no acumulado de 12 meses terminado em abril deste ano. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação mundial passou de 3,5% ao ano para 5,5%. O risco de o governo brasileiro sacrificar o crescimento econômico e não obter uma redução efetiva da inflação, por causa de seu caráter internacional, pode ser potencializado pelo fato de que o Banco Central não contará com a ajuda do câmbio daqui para frente. Nos últimos anos, o combate à inflação foi muito favorecido pela queda do dólar diante do real, o que barateava as importações. Agora, a queda do dólar não se dá no mesmo ritmo do passado, mesmo porque o Brasil começa a apresentar déficit em suas contas externas.

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