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O apetite sem fim do euro

Por Gilles Lapouge
Atualização:

O euro, a moeda européia, não se acalma. Ele quer cada vez mais. Ele esmaga o dólar. Na terça-feira, se estabeleceu em US$ 1,6019. Níveis como esse eram inimagináveis até pouco tempo atrás: em outubro de 2000, pouco depois de seu lançamento, o euro estava abaixo do dólar (US$ 0,82). Em oito anos, avançou 95% e dobrou seu valor em relação à moeda americana. Esse desmoronamento irresistível do dólar atesta o declínio dos Estados Unidos, cuja economia provavelmente já está em recessão. Junta-se a isso, certamente, uma manipulação dos americanos, que por muito tempo jogaram com um dólar fraco. Hoje, porém, a degringolada do dólar é tal que os americanos já começam a pensar que os mercados financeiros foram longe demais. Para a Europa, o declínio do dólar traz um efeito duplo e contraditório. Um dólar fraco certamente traz a vantagem de conter o encarecimento dos produtos importados - o petróleo em primeiro lugar. Em compensação, todas as indústrias exportadoras da Europa são penalizadas, lesadas e, às vezes, condenadas. O caso da Airbus é o mais grave, o mais espetacular. Orçado em dólares, um avião dessa empresa custa hoje o dobro do que custava em 2000, o que reduz consideravelmente suas vendas e favorece infinitamente sua concorrente Boeing. A mesma punição atinge todas as indústrias exportadoras, pois seus custos são em euros, enquanto seus mercados são em dólares. Atualmente, se vislumbram soluções que teriam parecido ridículas, surrealistas, há apenas alguns anos: a salvação para essas indústrias exportadoras (leia-se, a Airbus) seria transferi-las, talvez para os próprios Estados Unidos, se não para países dependentes do dólar. Quando a Europa resolveu criar o euro, ela estava persuadida de que essa moeda formaria um escudo contra os sobressaltos e os caprichos da conjuntura. Hoje, está evidente que o euro absolutamente não protege enquanto o dólar continuar despencando sem deixar de conduzir a dança das moedas. É aí que reside o mal: apesar de seu declínio, o dólar continua sendo a moeda da globalização. As grandes instituições se descobrem incapazes de criar uma estratégia séria contra a desordem crescente. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) vem baixando fortemente suas taxas de juros para evitar uma recessão já instalada. O Banco Central Europeu (BCE), com sede em Frankfurt e dirigido pelo francês Jean-Claude Trichet, escolheu o caminho oposto. Ele está mantendo suas taxas na esperança de controlar a inflação e a alta dos preços. No momento, a taxa de juros principal está em 4% ao ano na Europa e 2,25% ao ano nos Estados Unidos. Essa diferença contribui para a alta do euro e a baixa do dólar. Em Bruxelas, nos meios da comunidade européia, cresce a inquietação. "A casa está pegando fogo", dizia na terça-feira um alto funcionário europeu, "e ninguém ousa chamar os bombeiros". *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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