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O banquete foi farto, a digestão será difícil

Por José Márcio Camargo
Atualização:

Os indicadores da economia brasileira mostram que a crise chegou ao País e já atingiu praticamente todos os mercados na economia, até mesmo o mercado de trabalho. A rapidez com que o crescimento acelerado até o terceiro trimestre do ano se converteu em queda acentuada é impressionante. A produção industrial saiu de uma taxa de crescimento de 7,1% ao ano, no terceiro trimestre, para uma queda de 7,8% nos dois meses seguintes. Enquanto até setembro eram gerados 250 mil empregos com carteira assinada por mês, em outubro foram destruídas 41 mil vagas desse tipo; o número total de ocupados caiu e a taxa de desemprego, que vinha em trajetória de queda, aumentou 0,2 ponto de porcentagem pela primeira vez, no mês de novembro, desde que a pesquisa é realizada. Em condições normais, as crises econômicas levam muito mais tempo para afetar o mercado de trabalho. Em geral, o primeiro sintoma de crise é uma queda da demanda por bens e serviços, decorrente de uma redução do consumo ou do investimento. A queda de demanda faz com que as empresas diminuam a sua produção, mas mantenham os trabalhadores empregados, pois demitir e recontratar funcionários tem um custo elevado. Caso a demanda não retorne aos níveis anteriores, elas adaptam o tamanho da sua força de trabalho aos novos níveis de produção, demitindo trabalhadores e, consequentemente, gerando aumento do desemprego. Apesar de inusitado, o comportamento da economia brasileira na atual crise não é surpreendente. A característica principal desta crise é que sua origem foi uma forte contração do crédito. E o crédito é fundamental para o funcionamento das economias modernas. As empresas tomam dinheiro emprestado para financiar seu capital de giro (pagamento de salários, compra de matéria-prima, etc.) e, dessa forma, produzir bens e serviços. No final do processo produtivo elas vendem os bens gerados e renovam seus empréstimos, pagando os juros devidos. As famílias, ainda que em menor proporção, têm o mesmo comportamento na compra de bens de valor relativamente elevado. Endividam-se para comprar esses bens e pagam quando recebem seus salários. Se o crédito para de fluir, as empresas não conseguem dinheiro para pagar a seus fornecedores e trabalhadores e o fluxo de produção, emprego e renda é drasticamente reduzido, podendo até mesmo estancar. Foi exatamente o que aconteceu na economia brasileira a partir de outubro de 2008. A questão se complica porque este é um fenômeno mundial, que começou na maior economia do mundo - os Estados Unidos - e se espalhou pelos outros países. O aumento da inadimplência nos empréstimos hipotecários naquele país forçou os bancos a reconhecerem um grande volume de perdas, obrigando-os a aumentar seu capital e reduzir de forma drástica a oferta de crédito. A contração do crédito levou a uma queda acentuada do nível de atividade nos países desenvolvidos e da demanda por bens e serviços no mundo como um todo. A redução do comércio internacional, combinada com a restrição do crédito, gerou a queda do nível de atividade no mundo emergente, inclusive no Brasil. Durante a última década, até o início da crise de crédito, em agosto de 2007, o mundo cresceu a taxas próximas de 6% ao ano, e a expectativa das empresas, do setor financeiro e das famílias era de que tal processo continuaria por muitos anos no futuro. Os planos de investimento e de contratação de mão-de-obra pelas empresas, de aumento do crédito pelo mercado financeiro e de consumo pelas famílias foram feitos com base nessas previsões (foi um farto banquete). Com a retração do crédito, esse cenário otimista será fatalmente frustrado. O mundo desenvolvido deverá ter crescimento negativo por dois ou três anos, enquanto o mundo emergente, na melhor das hipóteses, terá crescimento entre zero e 3% ao ano. Uma grande parte do investimento e do emprego criado pelas empresas com base nessas expectativas otimistas ficará ociosa. Novos investimentos serão adiados, trabalhadores serão demitidos e os planos de aumento de consumo das famílias serão postergados, o que potencializa e prolonga a redução de demanda (a digestão será difícil). Neste cenário, a melhor estratégia para preservar a saúde econômico-financeira das empresas é fazer rapidamente o ajuste. É exatamente o que está acontecendo no Brasil. O rápido crescimento do crédito para a pessoa física, nos últimos anos, esteve diretamente vinculado ao aumento do emprego, principalmente com carteira assinada. As pessoas se endividavam com base na expectativa de que permaneceriam empregadas e teriam ganhos de renda real no futuro. No caso do crédito consignado, a garantia do emprestador era exatamente a manutenção do emprego. A queda abrupta do nível de emprego significa um rompimento dessa cadeia e torna difícil para as pessoas cumprirem os compromissos financeiros e para os bancos, executar as garantias. O resultado será um aumento da inadimplência e maior restrição de crédito. Certamente, o banco de horas, a suspensão do contrato de trabalho e outras reformas institucionais introduzidas na legislação trabalhista nos últimos anos serão importantes para reduzir o aumento do desemprego. Mas o aumento programado do salário mínimo em 2009, que poderá chegar a 12%, fatalmente vai aumentar o desemprego e a informalidade. O processo vai ser doloroso. O banquete foi farto. A digestão vai ser difícil. *José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos, é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio Carlos Alberto Sardenberg está em férias.

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