Na semana passada, o Copom diminuiu em 1 ponto porcentual a taxa básica de juro (Selic), que foi fixada em 11,25% ao ano. Essa é uma boa notícia, naturalmente, até porque o comunicado indica quedas adicionais nos juros nos próximos meses. Entretanto, se olharmos com cuidado, o Banco Central segue preso a seu excesso de cautela e está, a meu juízo, atrasado no movimento baixista.
Em linguagem de mercado financeiro, a autoridade monetária está “atrás da curva” há vários meses.
Isso porque a queda da inflação tem sido consistente, ampla, geral e irrestrita. Em setembro, a taxa Selic estava em 14,25%, a inflação em 12 meses até a data era de 8,50% e sua projeção para os 12 meses seguintes era de 5,15%.
Na virada do ano, a inflação acumulada em 2016 foi de 6,3% (queda de 2,2 pontos porcentuais), a projeção dos 12 meses adiante era de 4,8% e a Selic havia sido reduzida em apenas 0,5%.
Isso criou um atraso que não foi mais compensado, pois, ao final de março, a inflação passada e futura convergia para 4,5% e a Selic estava em 12,25%.
O argumento dos defensores dessa política é a cautela. Esse é um conceito relativo que, em si, não quer dizer nada, pois cautela para uns significa excesso para outros. Muitos argumentam que ela é necessária por comparação com a desastrada tentativa de derrubar a taxa de juro “na marra” realizada no governo Dilma. Em minha opinião, esse argumento ofende a qualidade da atual equipe econômica. Na verdade, o fato de a economia brasileira estar em recessão profunda deveria ser razão para uma trajetória mais decidida de redução dos juros, especialmente porque o governo já havia conseguido aprovar inúmeras medidas de ajuste, como a DRU, o teto de gastos, a Lei das Estatais, etc.
Isso não tem nada a ver com arroubos heterodoxos, algo fartamente comprovado com o número significativo de participantes do mercado financeiro (muito maior do que se imagina) que também questionam o excesso de cautela do Banco Central.
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A discussão em torno da reforma da Previdência Social está cada vez mais acesa. Como sempre ocorre no Brasil, muitos argumentos impensados ou francamente errados são usados, conscientemente ou não.
No caso em tela, um número grande de pessoas argumenta que bastaria cobrar a dívida acumulada com a Previdência para amenizar o déficit de forma significativa, senão resolver o problema.
A qualidade desse argumento pode ser avaliada com um exercício relativamente simples. A dívida total das empresas com o INSS é da ordem de R$ 426 bilhões, algo realmente grande. O exercício consiste em pegar os 50 maiores devedores, cuja dívida soma R$ 30 bilhões, e verificar que tipo de organização está sendo cobrada pela Previdência.
Agrupamos esses devedores em quatro categorias. Os que não estão mais em operação, em virtude de falência, somam 14 empresas e sua dívida total é de R$ 12 bilhões, ou seja, 40% do valor da amostra. Inclui, por exemplo, Varig, Vasp e Transbrasil.
O segundo grupo são as entidades privadas em recuperação judicial. A experiência brasileira mostra que pouco mais do que 3% das empresas que entraram em recuperação judicial conseguiram sair dela para uma vida normal. Assim, sete dos 50 maiores devedores, cuja dívida soma quase R$ 3 bilhões, dificilmente pagarão algo significativo ao Estado. Em outras palavras, dois terços dos maiores devedores, que respondem por 50% da dívida, pouco contribuirão para os cofres do INSS.
O terceiro grupo de devedores são entidades públicas e educacionais. Esse grupo inclui Águas e Esgotos do Piauí S/A, Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul e outras instituições similares. Elas devem mais de R$ 300 milhões cada uma à Previdência, totalizando R$ 9 bilhões. Baixa capacidade de pagamento também aqui.
O quarto grupo remanescente é formado por empresas em funcionamento. Ou seja, dos 50 maiores devedores da Previdência, apenas 20% têm certa chance de recolher recursos à Previdência, caso percam suas ações.
Uma rápida inspeção revela que os devedores de números 51 a 100 apresentam características similares. Basta dizer que o centésimo devedor é a Rio Sul Linhas Aéreas, empresa que não opera há muitos anos.
A ideia de que basta cobrar a dívida do INSS para resolver ou aliviar o problema da Previdência parece uma nota de 3 reais.