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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O Brasil acaba de afundar 10 Titanics

A situação já é acachapante e é pior ainda quando não se veem perspectivas de saída que possam provir de um governo errático

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Atualização:

Quando era secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Josef Stalin disse: “Uma morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística”.

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Neste final de semana, o Brasil contabiliza mais de 15 mil mortes pelo coronavírus. Para quem acha que esse número não passa de estatística, cabe outra observação. O naufrágio mais trágico da História foi o do Titanic, em 1912. Nesse desastre morreram 1,5 mil. No Brasil, são agora 10 Titanics em apenas dois meses, baixa de dois ministros da Saúde e nenhuma estratégia nacional para enfrentamento da pandemia.

O presidente Bolsonaro avisou dois dias antes da demissão do ministro Nelson Teich que acabou a busca de consenso e que agora é guerra, com ele no comando. O combate à pandemia será o que ele quer, e não o que determinam os epidemiologistas.

Nelson Teich pediu demissão do Ministério da Saúde a pouco menos de um mês depois de assumir a pasta Foto: Gabriela Biló/Estadão

Se para decretar o novo estado de guerra o presidente se aferrasse à necessidade de novos decretos para liberação da atividade econômica e suspensão do isolamento social, como ele gostaria, provavelmente continuaria não tendo sucesso porque esse campo é da competência de governadores e prefeitos. O cavalo de pau poderá ser dado de imediato, deve imaginar ele, com a adoção do protocolo do uso da cloroquina em qualquer fase da doença, providência que os dois ministros anteriores não aceitaram.

A cloroquina não é chá de flor de laranjeira, que pode ser tomado à vontade, sem efeitos colaterais. Pelo que concluem abundantes estudos realizados no mundo nos três últimos meses, o uso de cloroquina produz graves efeitos colaterais no funcionamento do coração. Ou seja, a adoção dessa droga como política pública pode ser entendida como eliminadora de vidas. O presidente Bolsonaro não pretende ser responsabilizado por isso, porque acaba de assinar medida provisória que isenta dirigentes que nesta crise possam ter tomado alguma decisão de política pública que e lhes trouxesse problemas futuros.

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A questão de fundo tem a ver com a maneira de lidar com a pandemia. Todas as recomendações, desde a feita por técnicos até pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são de que o contra-ataque à doença exige união nacional e muito diálogo. Mas a atitude que agora toma o presidente vai na outra direção. O critério técnico na adoção de protocolos e procedimentos passa a ser a vontade dele: “Fui eleito e quem manda aqui sou eu”.

Bolsonaro enxerga tudo como grande conspiração de âmbito nacional cujo objetivo é alijá-lo da Presidência. Nela, segundo ele, estão envolvidos líderes do Congresso, ministros do Supremo, governadores, a imprensa e, obviamente, a esquerda radical. Quando reage, como vem reagindo, contra a maneira como os técnicos e governadores vêm combatendo a doença, Bolsonaro quer, acima de tudo, como já reconheceu, “salvar o governo”. Mas o resultado aponta para outra direção. Quanto mais se enrola em confusões e intervenções estapafúrdias, mais se desqualifica como líder nacional. O desfecho desse processo é uma incógnita.

Economia e coronavírus

Enquanto isso, a economia se deteriora. Na última sexta-feira, o Banco Central divulgou o IBC-Br, indicador criado para antecipar o conhecimento do comportamento do PIB. E o resultado foi o que se esperava: queda da atividade econômica de 5,9% em março sobre fevereiro. Março não foi mais “brabo” do que foi abril. Nem março e abril foram mais “brabos” do que provavelmente serão maio e junho.

Dias antes, o País soube que as vendas do varejo recuaram 2,5% em março sobre fevereiro. E, também em março, a indústria de transformação despencou 9,1%. Os números de abril serão piores. As últimas estatísticas sobre desocupação são da Pnad, que acusa 1,1 milhão a mais de desempregados no primeiro trimestre do ano. A crise vai aumentar em muito essa magnitude, mesmo sabendo-se que ficaram precárias as condições de levantamento de dados, quando mais da metade da população permanece isolada em suas casas. Ou seja, as novas estatísticas podem embutir distorções.

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A perda de emprego e de renda continuará por derrubar a demanda nos próximos meses, o que, por sua vez, deverá produzir ainda mais desemprego e quebra da atividade econômica. Impossível saber o tamanho do estrago na área fiscal nas três áreas de governo, não só pelo aumento de despesas, como pela quebra da arrecadação.

Uma situação tão ruim já é, por si só, acachapante. E é mais ainda quando não se veem perspectivas de saída que possam provir de um governo errático. O governo é um Titanic.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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