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‘O Brasil deixou de pensar no futuro’

Pesquisador americano Thomas Trebat diz que políticos do País só conseguem pensar nas próximas eleições

Por Vinicius Neder
Atualização:
‘Crise terá sido em vão se não resultar em estrutura econômica mais sã’, diz Trebat Foto: Divulgação

RIO - A intensidade das mobilizações de rua desde 2013 surpreendeu um antigo observador estrangeiro do Brasil, o norte-americano Thomas Trebat, para quem a crise atual será em vão se não resultar em uma “estrutura econômica sã”. Desde o fim de 2012, Trebat mora e trabalha no Rio de Janeiro e atua como diretor do Columbia Global Center, escritório da universidade de Nova York dedicado a estabelecer parcerias no País. Crítico do tamanho do Estado na economia brasileira, o economista mantém certo otimismo, por causa de uma nova geração de universitários e porque as crises podem ser uma oportunidade para avançar em reformas. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

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O cenário político e econômico desde sua mudança para o Brasil surpreende?

Foi uma surpresa e não foi. Tenho longa experiência olhando a economia e a sociedade brasileiras. Tentando entender as tendências da economia no longo prazo, vi o Brasil, nos anos 2000, muito afetado positivamente pelo ciclo das commodities, mas sabia que esse auge sempre acaba em lágrimas. Os países que não se previnem, não constroem uma economia mais diversificada, acabam sofrendo. As commodities vão estar por séculos aí, com o preço subindo e caindo.

O cenário atual era previsível?

Não é que sabia que já viriam tempos mais difíceis, mas havia certos sinais. O crescimento, a partir de 2010, deixava de ser o desejado. Crescíamos, mas mal crescíamos. E crescíamos muito como resultado de intervenções do governo na economia, através de bancos oficiais e programas de investimentos do governo.

O que surpreendeu então?

A mobilização da sociedade brasileira a partir de 2013, com as grandes manifestações, surpreendeu a todo mundo. Me lembraram um pouco do fim da ditadura militar, a grande mobilização pelas “Diretas Já”, em 1983, 1984, mas me surpreendeu o timing, o fato de terem ocorrido em 2013. Vi as manifestações como um tipo de amadurecimento da democracia brasileira, com o impacto das mídias sociais, uma classe média nascendo. Ela queria melhorias na sua história de vida, mas, em vez de ficar grata pelo que tinha conquistado nos anos 2000, queria mais.

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A recessão coloca a perder as conquistas dos anos 2000?

Sendo uma pessoa otimista, acho que não. Este momento que estamos atravessando agora, essa crise econômica e política tão aguda, pode ter um desfecho ruim, mas acredito que não. Estamos diante de demandas da sociedade, que têm de ser atendidas. Uma sociedade que quer mudar as políticas, as regras do jogo, quer afinal abrir, e não fechar, mais oportunidades de trabalho, de progresso, de produtividade.

O que explica a estagnação da economia desde 2012/2013?

Há muito tempo sabemos que a taxa de investimento do Brasil é muito baixa. A taxa de investimento estimula a demanda no curto prazo, ajuda o crescimento no curto prazo, mas, mais do que isso, constrói o futuro. Desde o fim dos anos 1980, a história não muda. A taxa de investimento mal chegou a 20% do PIB. Em países comparáveis, é 25% para cima. De modo geral, o País passou de forma muito prematura a prezar mais pelo bem-estar da população atual, com aposentadorias e assistência social, e deixou de pensar no futuro.

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Isso está por trás da baixa taxa de investimento?

O Brasil é uma democracia nova. Então, desde 1985, ao contrário dos governos chineses, os políticos daqui sempre tinham de pensar nas próximas eleições. Isso, em certa medida, explica uma preferência pelo atual, pelo presente, em detrimento do futuro. Por outro lado, o Brasil tinha uma sociedade muito pobre, que merecia condições de vida melhores. É compreensível certo viés para maior gasto social, mas, fora isso, deixamos de tomar decisões mais duras, que afetariam os privilégios da classe média, da classe média alta, das grandes empresas.

Por exemplo?

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Não são os programas sociais, as medidas antipobreza nem sequer a política de valorização do salário mínimo os problemas. O que deixamos de ver foram os subsídios a empresas, proteção internacional, falta de integração com mercados globais, subsídios na área de educação para classes privilegiadas, como a universidade pública de graça.

É uma opção mais recente ou vem de mais tempo?

Faz parte da formação econômica no Brasil. Todo mundo ama o Estado e odeia o governo, como dizem alguns sábios. Acham que o governo é um bando de políticos incompetentes, mas que o Estado tem de nos proteger. Houve certo exagero em tempos recentes, mas não foi do nada que chegamos a 39 ministérios (antes da minirreforma anunciada pelo governo ano passado).

A crise econômica está ligada ao tamanho do Estado?

Não sou um liberal de carteirinha, que diz que todo o Estado é nocivo. Meu livro (sobre empresas estatais no Brasil, publicado em 1983) concluiu que, durante várias décadas, a contribuição das estatais foi fundamental para a industrialização rápida da economia brasileira, mas isso não justifica um papel exagerado para o Estado. Vemos isso claramente na (operação) Lava Jato. As construtoras não tinham muita saída se não lidar com o governo e a forma de lidar com o governo obviamente era corrupta. Mas não é só isso. Colocamos muitas responsabilidades na Petrobrás: o programa de álcool, muitos programas sociais, todo o peso do pré-sal, a construção da indústria naval. Temos o papel dos bancos públicos, o BNDES sendo o ícone. Não é uma coisa imposta de cima para baixo. É uma forma de pensar. Essa mentalidade está mudando, mas muito lentamente.

Mudando como?

Começamos bem na era das privatizações dos anos 1990. Foi um bom início, mas, depois, a privatização, no Brasil e no resto da América Latina, virou uma palavra suja, uma coisa meio que corrupta.

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Houve retrocesso nas reformas sobre o papel do Estado?

Sim. Era compreensível, em certo sentido, devido à forma de pensamento do capitalismo brasileiro enraizado. Em segundo lugar, os resultados iniciais das grandes reformas dos anos 1990 não deixaram como legado um crescimento muito forte. Sem crescimento, não há recursos para financiar muitos programas sociais. Na mentalidade do cidadão, não foi um legado positivo. Assim, quando o presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva) assumiu, e se beneficiou e muito do ciclo de commodities, não havia incentivos para voltar a fazer reformas.

A crise de agora é oportunidade para voltar às reformas?

Temos sinais alarmantes. A situação financeira do Estado do Rio, que não consegue nem pagar servidores, é lamentável. Isso faz Estados e municípios verem o que é essencial, e o que é bom, mas não é necessário. Tudo isso, essa tremenda crise política e econômica, terá sido em vão se não chegarmos, no futuro, a uma estrutura econômica mais sã. O receituário pode diferir de uma pessoa para a outra. Para mim, evidentemente, seria um papel do Estado focado no bem-estar social, mas que deixaria de cumprir tantas funções econômicas, abriria espaço para um papel mais ativo do setor privado no mercado de capitais, na infraestrutura, nas PPPs, na Educação, na Previdência Social, na estrutura tributária do Brasil, que é muito ruim, onera muito o pobre.

Os mais ricos também seguem a mentalidade do ‘odeio o governo, mas amo o Estado’?

Sim. Dizem: “Não vou dar o meu dinheiro para esse governo corrupto”, mas, ao mesmo tempo, na hora de fazer negócios, querem ajuda do BNDES, querem colocar os filhos na universidade pública.

Pela reação da Bolsa, os investidores querem o impeachment da presidente Dilma Rousseff?

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Uma coisa que aprendi em muitos anos no mercado financeiro é a ter cuidado com o humor do mercado. Muitas vezes, não é que o investidor ache bom que o governo mude, é que ele acha que o mercado vai subir ou não e está apostando. O que é mais preocupante é que, de repente, as perspectivas econômicas do País já não são aquelas. O Brasil está no último vagão do trem dos Brics. Isso é mais importante do que o dia a dia. O investidor quer perspectivas econômicas boas e certa estabilidade política. Isso não tem a ver com o partido no governo.

A crise política conta pouco?

O falatório político tem custo, investimentos são adiados, mas o que predomina (entre investidores de longo prazo) é a visão de que este período vai passar. Nada garante que uma mudança de governo vai mudar muito a estabilidade política no curto prazo também. O que importa é a volta de uma perspectiva de crescimento, com baixa inflação e taxa de câmbio estável. Isso é 99% da equação e não tem nada a ver com a ideologia de governo.