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''O Brasil vai crescer acima da média mundial''

Roberto Setubal: presidente executivo do Itaú Unibanco; Para Setubal, uma das mudanças provocadas pela crise é que o nível de crescimento da Europa, EUA e Japão será reduzido

Por Cláudia Trevisan e PEQUIM
Atualização:

Presidente executivo do maior conglomerado financeiro do Hemisfério Sul, o Itaú Unibanco, Roberto Setubal acredita que o Brasil começa a deixar a crise para trás e deve fechar 2009 com crescimento de 1,5% em relação a janeiro, o que vai se traduzir em uma taxa anual próxima de zero, algo que ele considera "ótimo" na atual conjuntura. "Com a situação macroeconômica equilibrada, o maior desafio do País é crescer a taxas superiores a 4% ou 5%, o que exigiria reformas para as quais não há disposição no Congresso", disse Setubal ao Estado, em Pequim, onde participou do encontro de primavera do Institute of International Finance (IIF), o clube dos grandes bancos mundiais, do qual é vice-presidente. "Parece-me que a sociedade brasileira em geral está satisfeita com crescimento de 4% ou 5%. Para isso, o Brasil não precisará de uma grande reforma estrutural, precisará apenas estar atento para manter a situação macroeconômica sólida e equilibrada, como hoje", afirmou. Setubal justificou os altos spreads cobrados pelos bancos no Brasil com uma lista de recordes indesejados, que incluem o maior depósito compulsório do mundo, a maior tributação sobre intermediação financeira do mundo, uma das maiores taxas de juros nominais do mundo e um dos maiores índices de inadimplência do mundo. Mas ressaltou que o spread já caiu pela metade e continuará a cair na medida em que os problemas que estão em sua origem sejam resolvidos. A seguir, a entrevista: Como o sr. vê a crise no Brasil? O pior já passou? Com certeza, o pior já passou do ponto de vista dos mercados financeiros, e a economia também está mostrando recuperação clara e bastante evidente, não só no Brasil, mas em vários mercados emergentes. No Brasil, a crise está ficando para trás. O Brasil está em uma posição diferenciada e muito bem posicionado para ter uma boa recuperação. O Brasil não depende de exportações, como outros países. Nossas exportações representam em torno de 10% do PIB. Na China, o porcentual é de 20% do PIB. Como a economia mundial está em recessão, há mais dificuldade para exportar. Isso afetou menos o Brasil, que vai rapidamente retomar o crescimento econômico. Qual a sua avaliação do resultado do PIB do primeiro trimestre? Eu achei surpreendentemente positivo. Nós esperávamos um número mais negativo. O resultado indica que o ano poderá terminar com crescimento próximo de zero, o que será ótimo. Isso vai significar um crescimento de 1,5% sobre a base de janeiro, que é muito baixa em função da queda do fim do ano. Vamos ter um crescimento de 1,5% em relação ao nível que tínhamos em janeiro. O que as conversas que o sr. teve com banqueiros e economistas no encontro do IIF revelaram sobre a situação da economia global? É visível que há blocos diferentes. Estados Unidos, Europa e Japão, de uma forma geral, enfrentam um processo de recuperação muito lento e ainda estão absorvendo e digerindo todos os problemas da crise, além de estarem muito envolvidos com a crise de seus próprios bancos. Outro bloco é a Europa Oriental, que é um bloco de países emergentes que está com muitos problemas, vai ter uma crise muito grande e crescimento negativo. Talvez seja o bloco do mundo com o maior crescimento negativo. Depois, há os países emergentes da América Latina e da Ásia, basicamente, que estão em uma situação macroeconômica boa e nos quais começa a haver sinais de recuperação forte. No caso do Brasil, acho que estamos muito bem posicionados e isso é verdade também para outros países da América Latina, como Chile, Colômbia e Peru. Pela primeira vez teremos uma crise da qual os emergentes serão os primeiros a sair? Sim, é a primeira vez que uma crise internacional grande não afeta tão fortemente os países emergentes. Fundamentalmente porque a América Latina nos anos 80 e as crises na Ásia nos anos 90 levaram esses países a fazer a lição de casa. O mundo pós-crise vai ser um mundo diferente? Essa é uma questão que ainda está para ser percebida, em que o mundo vai ser diferente. Todo mundo imagina que algumas coisas vão mudar. Eu tenho a percepção de que Estados Unidos, Europa e Japão terão níveis de crescimento mais baixos. O crescimento potencial americano vai diminuir. Os países emergentes terão crescimento mais acelerado. Na boa parte dos últimos dez anos, o Brasil cresceu abaixo da média mundial. Nos próximos anos, nós deveremos crescer acima da média mundial. Ainda estaremos abaixo da China e da Ásia em geral, mas um crescimento da ordem de 4% será bastante factível, especialmente se a China retomar o nível de crescimento de 8%. Essa é uma questão nova, a grande dependência do Brasil e do mundo em relação à China. A China, sem dúvida, tem um peso cada vez maior na economia mundial e se tornou o maior mercado exportador do Brasil, acima dos Estados Unidos, que por muitas décadas foi nosso maior mercado. Isso é bom no sentido de que o Brasil está atrelado a uma economia que vai crescer muito. Se vai ser 8%, 7%, 6% ou 9%, nós não sabemos, mas será um crescimento acelerado e muito maior que o de Estados Unidos e Europa. É bom o Brasil estar conectado com essa locomotiva do mundo porque isso vai puxar as nossas exportações. O Brasil tem uma economia naturalmente complementar à economia asiática em geral, porque produz commodities, minérios, alimentos e isso vai ao encontro das necessidades dessas economias. Quais são os riscos para o Brasil? Eu vejo poucos riscos do ponto de vista técnico ou estrutural. Acho que o Brasil está em uma situação macroeconômica adequada, pouco vulnerável e bem posicionado no mundo, na medida em que somos produtores de commodities que serão bastante demandadas nos próximos anos. Acredito que os preços de commodities vão se manter altos e o Brasil terá uma boa fonte de receitas externas. Temos risco de fazermos as nossas bobagens internas, como voltarmos a ter um gasto público muito elevado ou aumentarmos a dívida pública. Mas me parece que a experiência passada negativa mostra que uma política fiscal sólida é muito importante. E quais são os desafios? O maior desafio do Brasil e ter um crescimento superior a 4% ou 5%. Para o Brasil obter crescimento maior que esse, nós temos de fazer reformas. E as reformas são muito difíceis de passarem no Congresso. Parece-me que a sociedade brasileira em geral está satisfeita com crescimento de 4% ou 5%. Para isso, o Brasil não precisará de uma grande reforma estrutural, precisará apenas estar atento para manter a situação macroeconômica sólida e equilibrada, como hoje. Se quiser crescer mais, que reformas seriam necessárias? Reformas que possibilitem o aumento de investimentos e, portanto, da poupança interna. O nosso nível de poupança interna não permite um crescimento maior que esses 4% ou 5%. Isso certamente envolveria a reforma da Previdência, que é uma fonte de gastos muito elevada sem contrapartida além da social - sem minimizar a questão social. Mas ela não contribui para o crescimento do país. Contribui para o bem estar social, mas não para o crescimento. O Banco Central cortou a taxa de juros básica em 1 ponto porcentual nesta semana e pela primeira vez desde que a Selic foi criada, em 1986, o país tem juros inferiores a dois dígitos. Mas ainda existe uma enorme queixa em relação ao spread bancário, que faz com que os juros pagos pelo tomador final sejam muito superiores à taxa básica. Quando o spread bancário vai cair? Isso é um processo. A taxa de juros tem uma tendência clara de queda no Brasil desde o Plano Real, apesar de obviamente subir em certos momentos e depois voltar a cair. Mas especialmente depois de 1999, quando adotamos câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, é visível a tendência de queda da inflação, da taxa de juros e do juro real. Também é visível a tendência de queda no spread. Desde que o Banco Central criou as medidas de acompanhamento do spread, nós assistimos a uma queda substancial. Se não me engano, começou em 2001 e, desde então, o nível de spread no Brasil já caiu pela metade. A tendência de queda vai continuar. Mas hoje o Brasil tem a que talvez seja a maior taxa nominal de juros do mundo, tem o maior depósito compulsório do mundo, tem níveis de taxação na intermediação financeira que também são os maiores do mundo. Nosso nível de inadimplência é um dos maiores do mundo, pela volatilidade da economia, pelo alto nível da taxa de juros e uma série de fatores históricos. Quando combinamos maior nível de depósito compulsório do mundo, maior taxa de juros do mundo, maior inadimplência do mundo, maiores impostos do mundo, temos de ter um dos preços mais altos do mundo, que é o spread elevado ao qual você está se referindo. Enquanto isso não muda... Há possibilidade de, aos poucos, o Banco Central reduzir o nível de compulsório, principalmente no depósito à vista. Acabaram de aprovar a lei sobre o cadastro positivo, que é um passo a mais que estamos dando para reduzir o spread. Há uma série de elementos que precisam se combinar para termos um spread menor. Os bancos têm também o maior Imposto de Renda do Brasil, maior que o de todas as companhias. Tudo isso cria um spread maior. Temos de criar uma agenda para limpar esses elementos, reduzir o compulsório, reduzir os impostos, criar mecanismos para reduzir a inadimplência, para termos um spread menor. E estamos nesse caminho.

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